A obra "Triste Fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto (1881-1922), é reconhecida como um importante marco da literatura brasileira. Ela é um exemplo pré-modernista, que apresenta um corajoso olhar crítico sobre a realidade social.
Em 1911, "Policarpo Quaresma" foi publicado no Jornal do Comércio como uma série em formato folhetim. Em 1915, foi lançado como livro, tornando-se rapidamente conhecido pelo seu protagonista, o fanático patriota homônimo.
Análise do Trágico Fim de Policarpo Quaresma
Policarpo Quaresma é o personagem principal da história contada por Lima Barreto. Ele é um homem comum, que desempenhava o cargo de subsecretário do Arsenal de Guerra, e sua maior paixão era o seu Brasil.
Ele era fisicamente descrito como um homem baixo e magro, cujos traços eram caracterizados por um cavanhaque. Usualmente, ele vestia um fraque preto, azul ou cinza. Quando completou a maioridade, o seu sonho de seguir a carreira militar não se concretizou devido a não ter passado no exame médico, terminando por trabalhar na administração do exército.
No começo do livro, temos a oportunidade de adquirir conhecimento a respeito do protagonista, suas atividades diárias, seus costumes e, acima de tudo, seu amor pelo seu país.
Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.
A estante de Policarpo Quaresma era repleta de autores brasileiros. Ele estudou profundamente as riquezas naturais do Brasil, aprendendo sobre as espécies animais, vegetais e minerais, conhecendo toda a história e os rios e fronteiras do país.
Subúrbio e a Vida de Policarpo
Ao relatar a história de Policarpo Quaresma no subúrbio carioca, Lima Barreto fornece uma representação detalhada da vida da camada social dessa região e da monotonia do cotidiano de um servidor público.
Dessa maneira, Ricardo Coração dos Outros gozava da estima geral da alta sociedade suburbana. É uma alta sociedade muito especial e que só é alta nos subúrbios. Compõe-se em geral de funcionários públicos, de pequenos negociantes, de médicos com alguma clínica, de tenentes de diferentes milícias, nata essa que impa pelas ruas esburacadas daquelas distantes regiões, assim como nas festas e nos bailes, com mais força que a burguesia de Petrópolis e Botafogo. (...) o orgulho da aristocracia suburbana está em ter todo dia jantar e almoço, muito feijão, muita carne-seca, muito ensopado
O romance de Lima Barreto tem como objetivo retratar os hábitos e problemas de um estrato social específico, abordando a vida no subúrbio brasileiro e os costumes da época em que o autor viveu.
A história de Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, traz à tona o preconceito, o racismo e a hipocrisia do seu contexto, através da vida excêntrica do protagonista. O autor usa essa narrativa para registrar e criticar o meio em que estava inserido.
Excesso de Patriotismo de Policarpo Quaresma
Policarpo era patriota até à medula e tinha uma profunda devoção por sua cidade. Rejeitava tudo o que vinha de fora, e ainda repudiava quem só elogiava o estrangeiro.
“Ah! Meu Deus! Quando poderei ir à Europa!” O major não se conteve: levantou o olhar, concertou o pince-nez e falou fraternal e persuasivo: “Ingrato! Tens uma terra tão bela, tão rica, e querer visitar a dos outros!”
O orgulho de Quaresma pelo seu país era enorme, o que o levava a se aproximar do Brasil de diversas maneiras, desde a leitura de autores nacionais até a aprendizagem da língua tupi-guarani. Ele também se deliciava com comidas típicas e aprendia a tocar violão para entoar modinhas nativas.
A modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos abandonado o gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas que teve um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês, muito o elogia.
- Mas isso foi em outro tempo; agora…
- Que tem isso, Adelaide? Convém que nós não deixemos morrer as nossas tradições, os usos genuinamente nacionais…
Muitos ridicularizavam Policarpo por seu fanatismo, pois não o entendiam.
Ele era ingênuo e idealista, transformando a sua vida numa forma de venerar ao seu país. Muitos o consideraram como louco, no entanto, o professor Ricardo Coração dos Outros se tornou um dos seus poucos amigos, ensinando aulas de violão.
Policarpo passou a dedicar-se ao aprendizado de instrumentos tupinambás e a escrita em tupi-guarani com entusiasmo e devoção.
Perigo do Conhecimento para Policarpo Quaresma
Policarpo era uma pessoa solitária, que se formou intelectualmente por meio das leituras realizadas ao longo da vida. Raramente estabelecia relações sociais, este comportamento fez com que muitos o julgassem como 'louco'. Porém, a solidão foi preenchida por meio dos livros, que se tornaram os seus melhores e únicos amigos. Assim, eles o ajudaram a se constituir enquanto ser humano.
Ao abrirem as janelas da casa do personagem, era possível observar a grande quantidade de livros presentes nas estantes. Demonstrando assim a viva relação que mantinha com os volumes.
A presença dos livros ao lado de Policarpo o tornava um tanto peculiar para os seus vizinhos, que o consideravam esquisito por conta disso.
No livro de Lima Barreto fica evidente qual era a visão da sociedade em relação à leitura durante o seu tempo: o doutor Segadas, conhecido clínico local, não consegue aceitar que Quaresma possuísse livros ao afirmar que “Se não era formado, para quê? Pedantismo!”, como se a leitura fosse destinada somente às pessoas formadas.
A leitura tem um papel fundamental para a caracterização do personagem no romance de Lima Barreto. Isso, por sua vez, diz muito sobre a forma como ele se insere na sociedade.
Durante uma conversa entre um funcionário público e um engenheiro, a situação de Quaresma foi comentada. Eles disseram que os livros o levaram à loucura, tornando o patriota desequilibrado.
- Aqueles livros, aquela mania de leitura…
- Pra que ele lia tanto? Indagou Caldas.
- Telhas de menos, disse Florêncio
Genelício atalhou com autoridade:
- Ele não era formado, para que meter-se em livros?
- É verdade, fez Florêncio.
- Isto de livros é bom para os sábios, para os doutores
A Fanática Obsessão de Quaresma o Conduz ao Hospício
Profundamente convicto dos seus ideais, Policarpo Quaresma redigiu um requerimento ao Presidente da Câmara dos Deputados para sugerir uma reforma na Constituição, tornando o tupi-guarani a língua oficial. Contudo, após não ser ouvido, ele entrou em profunda crise, indo ao ponto de escrever um documento em tupi.
Aqui, Quaresma se vê dividido entre seus ideais pessoais e seu papel profissional. Como o trabalho é realizado sob contrato, ele é destituído de seu cargo. O desenrolar dos acontecimentos resulta na internação do funcionário administrativo num hospício, gerando uma crise.
No episódio, Lima Barreto aborda a subtil separação entre a vida pessoal e a profissional, bem como as consequências que os princípios de um indivíduo podem trazer para o seu espaço de trabalho.
Fugindo do Hospício
Após cumprir os meses de internação, Policarpo voltou para casa e convenceu Adelaide, sua única familiar, a se mudarem para longe da cidade. Adelaide não tinha marido nem filhos.
Os dois mudaram-se para “No sossego”, localizado no interior do Rio de Janeiro. Lá, o Major desenvolveu um profundo amor pela agricultura.
Policarpo, que vivia mais afastado das pessoas, recebeu um pedido do Tenente Antonino Dutra para ajudar na Festa da Conceição. Porém, sua escolha de aceitar ou recusar o pedido traria problemas para o sítio.
O Major se recusa a ajudar devido à sua oposição às práticas políticas, resultando em inimizades na região.
O Impacto da Revolta Armada na Vida de Policarpo Quaresma
Envolvido com a ideia de defender o governo de Marechal Floriano Peixoto, Policarpo Quaresma se alistou como Major para participar da Revolta da Armada. Com dedicação, ele passou meses ao lado dos demais combatentes.
Terminada a rebelião, Policarpo Quaresma posiciona-se ao lado dos vencedores - comandados por Marechal Floriano - e é nomeado carcereiro da cadeia dos marinheiros rebeldes.
Naquela noite de serviço, Policarpo observou a seleção aleatória de prisioneiros para serem executados por fuzilamento.
O Major discordou da situação e enviou uma denúncia ao Marechal Floriano Peixoto. Sem uma explicação específica, é possível que sua prisão tenha sido motivada por este fato.
O professor Ricardo, sendo o único amigo do Major, tentou inutilmente libertá-lo. Até mesmo Olga, a única afilhada de Policarpo, tentou, mas sem êxito.
Como os Livros Transformaram a Vida de Policarpo Quaresma
A leitura era a melhor amiga do major Policarpo, e foi isso que o fez adquirir profundo conhecimento dos temas brasileiros. Mas infelizmente, o que lia nos livros não condizia com a realidade e isso o frustrava. Assim, o major se distanciou do mundo real, entrando em um universo alternativo, ficando isolado e motivando piadas entre seus conhecidos.
Policarpo era diferente dos outros personagens da história, pois encarava os livros como uma forma de adquirir conhecimento e não como um meio para promover seu status social, econômico ou profissional.
Lima Barreto conta uma história que é, ao mesmo tempo, uma crítica ao seu tempo, pois os livros eram considerados como meio de ascensão social, ligando o conhecimento à hierarquia de poder, e não como fonte de pura satisfação.
No contexto descrito por Lima Barreto, a leitura estava ligada à manutenção de uma estrutura de poder social. Esta era voltada para uma pequena elite de doutores e aqueles que aspiravam a se tornar doutores, que governavam o país numa sociedade predominantemente analfabeta.
Análise do Título do Livro
Lima Barreto não cedeu à pressão de seus superiores e decidiu seguir o caminho do estudo, em vez de se contentar em ser apenas mais um burocrata. Ele buscou desenvolver o hábito dos doutores, sem possuir nenhum diploma ou nome, causando desconforto para a sociedade na qual estava inserido.
Devido às suas decisões, fora de seu tempo, Policarpo teve um destino infeliz. Apesar de sofrer as consequências de sua jornada e algumas vezes ser preso, o protagonista de Lima Barreto persistiu em seus ideais nacionalistas. Ele manteve seu interesse no patriota e foi dedicado à defesa de suas crenças.
Ao ler Triste fim de Policarpo Quaresma, os leitores logo percebem que se trata de uma narrativa com um desfecho trágico. O protagonista do romance, policarpo Quaresma, é um homem que não desiste de seus ideais nacionalistas, mesmo diante da incompreensão dos outros. Acompanhamos as dificuldades e aventuras que ele enfrenta ao longo das páginas da ficção, sabendo que o destino trágico que o aguarda logo estará à frente.
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Biografia Inspiradora de Lima Barreto
João Henriques, pai de Lima Barreto, sofreu de crises delirantes e nervosas ao longo da vida. Estas crises teriam começado enquanto ele ainda era noivo e foram tão graves que ele acabou sendo internado. Alguns teóricos acreditam que esta experiência pessoal serviu de inspiração para o autor criar seu personagem Policarpo Quaresma.
O escritor viveu a maior crise de sua vida quando o pai ficou deitado na cama por vinte anos, tendo falecido como consequência da loucura em 1922.
Durante anos, João Henriques exerceu cargos administrativos nas colônias Conde de Mesquita e São Bento, situadas na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Estas colônias foram criadas para abrigar doentes mentais, algo que João já conhecia pessoalmente por ter sofrido com problemas psiquiátricos.
O pai de Lima Barreto criou um laço intenso com o mundo da loucura, e foi isso que permitiu que ele tivesse um contato muito próximo com esse universo.
Lima Barreto confessou em uma carta que seu envolvimento com álcool começara quando tinha apenas nove anos de idade. Por conta disso, ele foi internado em 1914. Ele descreveu a experiência como: "Passei três meses mergulhado no meio deles (loucos)".
Sendo o filho mais velho, o escritor responsabilizou-se por toda a burocracia ao redor do falecimento do pai, desde a aposentadoria até todos os detalhes relacionados ao tratamento médico.
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, o autor retrata e critica a burocracia do Estado brasileiro que ele mesmo lidou pessoalmente para solucionar assuntos relacionados à sua família.
PDF do Trágico Fim de Policarpo Quaresma
Uma Visão Geral da Vida e Obra de Lima Barreto
Neto de escravos e filho de pais livres, Afonso de Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1881. Seus pais eram humildes, sendo o pai um tipógrafo e a mãe professora primária.
O rapaz precisou começar a trabalhar cedo e, por isso, não concluiu os estudos. Mesmo assim, tornou-se funcionário público do Ministério da Guerra. Durante toda sua carreira, escreveu e publicou cinco romances e diversas histórias curtas em jornais.
Lima Barreto, que sofria com problemas ligados ao uso abusivo do álcool, foi internado várias vezes no Hospital Nacional. Infelizmente, esse foi o local onde ele faleceu aos apenas 41 anos, em 1922.
A Obra Literária de Lima Barreto
Os romances de Lima Barreto se destacavam por abordar corajosamente questões sociais e denunciar problemas presentes na sociedade brasileira, como o racismo. Também, com sua perspicácia, criticou projetos de urbanização do Rio de Janeiro feitos de maneira amadora. Seu trabalho, crucial para a literatura brasileira, buscou traçar o retrato da sociedade em que vivia, abordando o mundo do subúrbio e as ações da elite que abusava do seu poder.
O escritor utilizava uma forma de linguagem mais informal e aproximada à fala, possibilitando que o grande número de pessoas tivesse acesso à suas obras.