O Bem-Amado de Dias Gomes


Escrito por Laura Aidar

Dias Gomes escreveu a peça O Bem-Amado em 1962. Só oito anos depois, por volta de 1970, foi encenada nos palcos do teatro profissional.

A obra de Túlio Mourão, “Odorico Paraguaçu”, além de oferecer uma divertida leitura, possui uma crítica social à política brasileira. Sucupira, a cidade fictícia da trama, em que o protagonista Odorico Paraguaçu se encontra, tem sido percebida por muitos como uma metáfora do nosso país. Por meio de uma escrita repleta de humor, o autor oferece uma caricatura do típico político brasileiro.

Duas adaptações televisivas e uma adaptação para o cinema foram feitas a partir da obra teatral original "O Bem-Amado".

No final do filme, o protagonista venceu o vilão. No desfecho da película, o herói venceu o antagonista.

Principais Pontos do Resumo

Explorando a Possibilidade de Estabelecer um Cemitério

Situada à beira-mar na Bahia, Sucupira é uma cidade pequena cujo principal meio de subsistência são a pesca e a vinda de veranistas. A região é carente de recursos, uma vez que não há muitas posses.

Quando um pescador anônimo morreu, Sucupira, sem cemitério, precisou que ele fosse transportado para a cidade vizinha. A narrativa começa a partir daí.

Isto é uma terra infeliz, que nem cemitério tem. Pra se enterrar um defunto é preciso ir a outra cidade.

Ao perceber o falecimento do pescador, Odorico, sabedor de seus dotes de astúcia e eloqüência, tem a chance de desenvolver uma campanha de intenção política.

Ao subir no palanque, Odorico propõe a criação de um cemitério se for eleito prefeito.

O político foi eleito e deseja cumprir a sua principal promessa de campanha: construir um cemitério em Sucupira.

Sucupira Elege Odorico como Prefeito

"Votem em mim que eu faço o melhor para vocês". Odorico caracteriza-se como oportunista e faz o seu melhor para convencer o eleitorado de que é o melhor candidato. As suas promessas são "Votem em mim que eu faço o melhor para vocês", demonstrando que está disposto a aceitar alianças com qualquer um para conseguir aquilo que quer.

E, quem votou em mim, basta dizer isso ao padre na hora da extrema- unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o prometido.

Odorico Paraguaçu é um claro exemplo de um político populista brasileiro. Ele busca alcançar seus próprios interesses pessoais por meio de acordos escusos e não tem remorsos de desviar verbas para conseguir seus objetivos.

Apesar de Odorico não ser ético no âmbito político, sua conduta na vida pessoal é ainda pior. Ele, que é padrinho de casamento do casal formado por Dirceu (assessor do prefeito) e a bela Dulcinéia, é na verdade o amante dela. A história desse triângulo amoroso acontece paralelamente à construção de um cemitério na cidade.

A Escassez de Decessos

Após um período, o cemitério estava finalmente pronto para uso. Mas o prefeito agora se deparava com outra questão: ninguém a ser enterrado. Sem alguém para sepultamento, a abertura do cemitério não era possível.

Neco Pedreira, o famoso jornalista proprietário do pasquim A Trombeta e principal opositor do prefeito Odorico, preparou um processo de impeachment devido ao fracasso da obra deste.

O prefeito de Sucupira está em uma difícil situação. Ele precisa inaugurar o cemitério para manter o cargo que tanto deseja, mas o problema é que, por lá, ninguém morre. Como conseguirá realizar essa tarefa?

DOROTÉA – Não há ninguém doente na cidade?

ODORICO – Em estado de dar esperança, parece que ninguém. Em todo caso, mandei o coveiro fazer uma verificação.

DOROTÉA – Quase todo ano há sempre um veranista que morre afogado.

ODORICO – Este ano o mar está que é uma lagoa. Nunca vi tanto azar.

Odorico busca diversas alternativas. Primeiramente, considera a possibilidade de obter um corpo na Faculdade de Medicina de Salvador, no entanto, desiste da ideia devido ao medo de que a oposição descubra a origem do cadáver.

Odorico respira aliviado quando Juju, uma aliada, avisa que um primo deles virá da capital com Pneumonia galopante, desenganado pelos médicos. Decidiu custear a viagem do doente, na esperança de que fosse o primeiro morador do cemitério e assim solucionar os problemas do prefeito.

Felizmente para a população, o doente se curou. Dessa forma, o cemitério permaneceu vazio e a delegacia não registrou nenhum crime. É assim que a cidade de Sucupira continua longe das tragédias da morte e dos delitos.

O Regresso de Zeca Diabo

Sentindo-se pressionado devido à falta de defuntos, Odorico teve a ideia de mandar chamar Zeca Diabo, um jagunço matador de profissão.

Após trazer um criminoso ao município, Odorico nomeou Zeca Diabo para um alto cargo da administração municipal. O prefeito deu ao delegado de polícia "carta branca para sacudir a marreta".

O choque de Odorico foi grande ao ver que Zeca se regenerou e não desejava mais matar ninguém, o que acabou por deixar o cemitério ainda vazio.

A Inauguração do Cemitério Adiada - Uma Surpresa Inesperada

Dulcinéa ficou grávida de seu amante Odorico, deixando-o desesperado. Como Dirceu, marido de Dulcinéa, havia feito um voto de castidade, ele logo perceberia o adultério.

Odorico estava pressionado por todos os lados e, para tentar resolver seus problemas pessoais e políticos, inventou que Dirceu estava sendo traído por Neco, seu maior inimigo. Assim, emprestou sua arma a Dirceu para que ele pudesse ir atrás de Neco. Com isso, o cemitério de Sucupira seria inaugurado com um único inquilino: o seu oponente, que estaria morto.

Ao chegar na redação para falar com Neco, Dirceu acabou acidentalmente atirando na irmã de Dorotéa.

Finalmente, um enterro chegou a Sucupira. Embora não fosse o morto esperado - Neco - seria a oportunidade de inaugurar o local.

A chegada de Tio Hilário à cidade de Sucupira trouxe uma grande surpresa: uma carta do pai da moça assassinada, pedindo que ela e suas irmãs fossem enterradas no mausoléu da família, no Cemitério de Jaguatirica. Esta notícia veio como um balde de água fria para o prefeito, pois significou que a cidade, mais uma vez, ficaria sem novos defuntos.

O Último Adeus

Odorico se recusa a atender ao pedido do pai da falecida e não permite que o corpo seja transportado.

Ao saber de todas as maquinações de Odorico, Neco, o jornalista, decidiu publicá-las no seu pasquim. Isto provocou a ira de Zeca, que não esperava que o prefeito, que considerava um traidor, tivesse se comportado desta forma. Assim, ele determinou que Odorico fosse dado cabo.

ZECA – Seu Dotô-Coroné-Prefeito, eu mandei vosmincê pegar no revólver não foi pra dar tiro pra cima, foi pra se defender, porque eu vou lhe matar.

Odorico sente que ele está falando sério. Apavora-se.

ODORICO – Oxente... que brincadeira é essa?!

ZECA – Não é brincadeira não, seu Dotô-Coroné-Prefeito. Traidor não merece viver, quanto mais traidor de moça donzela. Se tem bala nesse revólver, atire em mim, que meu Padim Pade Ciço é testemunha que eu nunca matei ninguém que antes não quisesse me matar.

Ao final, Odorico Paraguaçu acaba sendo assassinado por Zeca. De forma trágica, sua sorte é a de inaugurar o próprio cemitério que havia mandado construir, numa cruel ironia do destino.

Principais Personagens

A História de Odorico Paraguaçu

Odorico é retratado como um político oportunista e falante, equipado com uma grande lábia. Este demagogo é especialista em convencer o povo - é uma representação típica do coronelismo brasileiro. Sua teatralidade faz dele um personagem memorável.

A Pedreira de Neco

O jornal A Trombeta, dono do jornalista opositor ao prefeito Odorico, denunciou os abusos deste. O jornalista é a voz da imprensa e manifesta seu desejo de realizar investigações.

A História de Dorotéia

Dorotéia, professora do grupo escolar, é apoiante fiel do prefeito, mesmo tendo participado activamente na campanha para ele se elegesse. Apesar de não receber salários há meses e de ter testemunhado a degradação da escola, ela permanece pacífica e ao lado de Odorico, mesmo sabendo dos desvios de verbas da educação para a construção do cemitério. Ela representa aquela parcela do povo brasileiro que, consciente dos desvios de recursos, se deixa enganar.

A Encantadora Dulcinéa

Dulcinéa, a ingênua, engravidou, causando um grande problema para Odorico. Como seu marido, Dirceu, havia feito um voto de castidade, rapidamente ficou claro que ela havia cometido o adultério, já que também era amante do prefeito.

A Vida de Dirceu

Dirceu é o retrato da inocência e da manipulação. Seu padrinho de casamento, Odorico, que também é assessor do prefeito, tem em sua confiança piamente, o que o leva a confessar ter feito um voto de castidade antes de se casar. Impulsionado pelo prefeito, ele decide descobrir a verdade sobre a traição com o jornalista, só que no final acaba cometendo um erro trágico: assassinando uma inocente e indo parar na cadeia.

Facilidade

Na cidade de Sucupira, o coveiro foi nomeado em reconhecimento ao seu apoio durante a campanha eleitoral do prefeito. Infelizmente, não há trabalho para ele, pois ninguém morre. Isso é um claro exemplo de como pessoas são postas no cargo público como retribuição a algum esforço realizado durante a campanha.

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Examinando a Análise

    • riso
    • auto-depreciação
    • piadas
    • ironia
  • Humor

    • Rir
    • Auto-desvalorização
    • Brincadeiras
    • Ironia

Rir e Sorrir: A Arte do Humor

O Bem-Amado é um livro notável pela sua peculiar habilidade de nos fazer rir. A espontaneidade e a despreocupação com que os personagens se expressam são hilárias, além de expressarem críticas sociais dissimuladas.

"O que ele diz é verdade, mas é uma verdade que dói". Logo no início da peça, dois amigos discutiam sobre o fato de que mestre Leonel investia em todas as moças. Um dos pescadores comentou: "O que ele diz é verdade, mas é uma verdade que dói".

Quando era moço, de saia mesmo mestre Leonel só respeitava padre e santo de andor.

Momentos divertidos e descontraídos são inseridos ao longo do texto, o que torna o retrato da vida política brasileira mais leve.

Num bar, duas pessoas conversam, em um momento carregado de humor; trata-se de dois pescadores que discutem a questão.

Quando ele viu aquele mulherão pela frente (Janaína), toda nua, mulher do umbigo pra cima e peixe do umbigo pra baixo, perguntou: “Siá dona será que vosmicê não tem uma irmã que seja ao contrário?”

Além dos breves trechos que adicionam leveza ao tema sério do texto, o discurso de Odorico Paraguaçu também deve ser destacado por seu humor.

A oratória do prefeito é pretensiosa, muito palavrosa e tenta criar uma atmosfera de solenidade, mas o seu conteúdo é frequentemente vazio. Sua eloquência é como o canto irresistível das sereias, que tentam encantar os ouvintes (nesse caso, os eleitores).

Odorico parece buscar falar em linguagem complicada para enganar aqueles que são incapazes de compreender. Ele chega a criar termos e expressões inexistentes para tornar seu discurso mais convincente.

ODORICO – Vejam este pobre homem: viveu quase oitenta anos neste lugar. Aqui nasceu, trabalhou, teve filhos, aqui terminou seus dias. Nunca se afastou daqui. Agora, em estado de defuntice compulsória, é obrigado a emigrar; pegam seu corpo e vão sepultar em terra estranha, no meio de gente estranha.

  • A crítica dos cemitérios às políticas vazias

A Crítica dos Projetos Políticos Vazios ao Cemitério

Odorico faz desvios de recursos financeiros para levar a cabo a obra do cemitério de Sucupira, que, apesar de suntuosa, não é uma necessidade da região. É por isso que se tornou uma questão de honra para o prefeito completar o seu projeto pessoal.

Usando o notório jeitinho brasileiro, ele desvia os recursos responsáveis pela educação e obras emergenciais para concluir o seu maior objetivo: a realização de uma grande obra pública.

Odorico, como prefeito, usou recursos públicos para custear o tratamento de um primo moribundo que seria, supostamente, o primeiro a ser enterrado no novo cemitério. Além disso, ele mandou dar uma "guaribada" no cemitério e orientou a banda a ensaiar a marcha fúnebre para a inauguração do cemitério de Sucupira.

Dias Gomes considera a postura política muito comum no Brasil, onde se priorizam os interesses individuais aos da região, como algo criticável. A desvição de dinheiro público e a utilização da estrutura estatal para favorecer as agendas particulares dos governantes ainda é um assunto muito relevante.

  • Excesso de Personagens: Uma Crítica à Peça

Excesso de Personagens na Peça: Uma Análise Crítica

Ao escrever O Bem-Amado, Dias Gomes foi muito criticado por causa do grande número de personagens, o que tornava a montagem do espetáculo difícil ou mesmo impossível.

O dramaturgo conta uma história com catorze personagens nomeados: Chico Moleza, Dermeval, Mestre Ambrósio, Zelão, Odorico, Dorotéa, Judicéa, Dulcinéa, Dirceu Borboleta, Neco Pedreira, Vigário, Zeca Diabo, Ernesto e Hilário Cajazeira. O grande número de personagens exige um elenco amplo.

Devido ao grande número de personagens, alguns críticos argumentam que isso pode causar confusão ao público. Infelizmente, esse número não permite que os espectadores conheçam melhor a personalidade de cada um. Embora tenhamos conhecimento aprofundado sobre Odorico, o protagonista, os outros personagens só são apresentados com aspectos e elementos superficiais.

A Arte da Adaptação para o Audiovisual

Uma Obra de Ficção

A Rede Globo transmitiu O Bem-Amado, uma novela escrita por Dias Gomes, de 24 de janeiro a 9 de julho de 1973, com exibição às 22h. A obra contou com 177 capítulos, todos de autoria de Gomes.

A telenovela brasileira O Bem-Amado foi a primeira produção da televisão a ser exibida em cores. O grande destaque ficou por conta do protagonista Odorico Paraguaçu, interpretado pelo ator Paulo Gracindo.

Minissérie: Uma Análise

A minissérie, que foi exibida entre 18 e 21 de janeiro de 2011, contou com apenas quatro capítulos. Seu roteiro, assinado por Guel Arraes e Claudio Paiva, foi baseado na peça escrita por Dias Gomes.

Na cidade alagoana de Marechal Deodoro, a minissérie foi gravada e Marco Nanini interpretou o protagonista Odorico Paraguaçu.

Visite o Cinema

O filme de julho de 2010, Odorico Paraguaçu, contou com Marco Nanini como intérprete. A minissérie apresentada pela rede Globo foi um desdobramento do filme.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.