Mayombe: Um Romance de Pepetela


Escrito por Sónia Cunha

Escrito entre 1970 e 1971, Mayombe é um livro do escritor angolano Pepetela (1941). O romance foi publicado em 1980, durante a participação do autor na guerrilha pela libertação da Angola.

Esta obra conta a história de um grupo de guerrilheiros que lutam na região de Cabinda, localizada próximo à fronteira do Congo.

Mayombe: Uma Breve Revisão

A Empreitada

No Mayombe, os guerrilheiros tinham uma missão: interferir nas operações de exploração da floresta por parte dos portugueses. Logo no início desta missão, Teoria, o professor da base, sofreu um acidente. Mesmo sentindo uma dor aguda enquanto andava, ele ainda assim se esforçou para continuar acompanhando os seus companheiros na missão.

O grupo de guerrilheiros tem como propósito interromper os serviços da madeireira e sensibilizar os trabalhadores angolanos a respeito de temas políticos. Destroem as máquinas, confiscam equipamentos e levam os trabalhadores à floresta, onde o Comissário os esclarece sobre a razão de suas ações. Ao final, os trabalhadores são libertados, recebendo suas coisas de volta, à exceção de dinheiro de um deles, que desaparece sob circunstâncias desconhecidas.

"Cada cão que ladrava trazia-lhes a impressão de ladrões esperando a vítima. No entanto, eles esperavam um homem para lhe entregar o seu dinheiro."

Os Ladrões Esperavam a Vítima, Mas o Homem Chegou para Entregar o Dinheiro

Enfrentando a crise no grupo

Uma crise surge dentro do movimento após o roubo do dinheiro de um trabalhador. Uma das principais acusações é que o MPLA era composto por ladrões. Diante disso, os guerrilheiros planejam outra ação, pois sabem que o exército português vai passar por estradas por conta do dano ao maquinário usado na exploração da madeira.

Sem Medo decidiu preparar uma emboscada contra as tropas coloniais para provocar a mobilização no povo. A operação foi bem-sucedida, como resultado, o exército português teve inúmeras baixas e os guerrilheiros não sofreram nenhum dano.

Após a operação militar, os guerrilheiros concluíram que o dinheiro do trabalhador havia sido roubado por Ingratidão. Decidindo puni-lo, eles prenderam o culpado e devolveram o dinheiro ao trabalhador, realizando uma operação arriscada.

A Fundação

O capítulo de abertura da obra de Pepetela detalha a área de Mayombe e a ligação que sua floresta tem com a base dos guerrilheiros. A rotina dos rebeldes, os ensinamentos que Teoria proporciona para seus camaradas e as hierarquias da cadeia de comando são também descritos no texto.

A escassez de alimentos se tornou uma grande ameaça para a base, especialmente com a chegada de novos guerrilheiros, a maioria deles jovens e inexperientes. Diante da necessidade de treiná-los, e com poucos recursos à disposição, o Comissário foi destacado para ir até a cidade de Dolisie, no Congo, para pedir alimentos ao dirigente André.

"Os paus mortos das paredes criaram raízes e agarraram-se à terra e as cabanas transformaram-se fortalezas"

Raízes Profundas e Fortalezas Emergentes das Cabanas Antigas

O Comissário tinha o objetivo de encontrar a sua noiva, a professora Ondina, na cidade. No entanto, ao chegar lá, encontrou dificuldades em localizar André, e assim procurou Ondina na escola. A curta estadia do protagonista na cidade trouxe alguns sinais de que o relacionamento entre os dois não estava indo bem, o que causava alguma irritação por parte de Ondina.

Após a localização de André, que se comprometeu a providenciar os mantimentos à base, o Comissário regressou ao Mayombe. Ali, manteve uma conversa com Sem Medo a respeito da escassez de alimentos e da sua ligação a Ondina.

A Encantadora Ondina

Apesar de ter havido a promessa do André de levar alimento, a fome já havia tomado conta da base. Os guerrilheiros estavam inquietos e o tribalismo gerou uma série de pequenos conflitos. A comida, então, foi recebida com alívio, trazendo uma tranquilidade necessária para que todos pudessem descansar.

Quando os alimentos chegaram de Dolisie, além deles, veio também uma má notícia: Ondina foi flagrada tendo relações com André. Isso deixou o Comissário e o Comandante Sem Medo profundamente preocupados. Ondina mandou uma carta para o Comissário explicando o seu ato.

"A sensação de fome aumentava o isolamento"

O isolamento aumentado pela sensação de fome

Imediatamente, o Comissário tentou ir para Dolisie, mas Sem Medo o impediu. No entanto, no dia seguinte eles partiram para o destino. Como resultado de sua traição, André foi removido de sua posição de liderança e Sem Medo teve que assumir suas responsabilidades na cidade.

O Comissário foi logo procurar Ondina em Dolisie, porém, mesmo tendo tido relações sexuais, ela se recusou a reatar com ele. Ele então pediu para Sem Medo interceder, mas o diálogo também não foi favorável. Sem Medo conhecia a situação entre os dois e sabia que a reconciliação neste momento era impossível.

Após a descoberta dos guerrilheiros de que os portugueses haviam instalado uma base em Pau Caído, próximo à sede do MPLA, o Comissário voltou à base para assumir o comando, enquanto Sem Medo permaneceu na cidade com as atribuições anteriormente designadas para André.

A Cantiga da Surucucu

Enquanto o Comissário regressa à base, Sem Medo fica na cidade com Ondina. Os dois dedicam muito tempo à conversação sobre relacionamentos e o Comandante partilha a história de Leli, uma mulher de quem se tinha afeiçoado há alguns anos e cuja vida acabou abruptamente quando procurava encontrá-lo.

Sem Medo e Ondina começam a ficar juntos, o que desencadeia uma discussão sobre o empoderamento feminino. Logo em seguida, Vêwe, um dos membros da guerrilha, aparece e avisa que a base de Mayombe foi atacada pelos portugueses.

Ao chegar na base, a angústia de Sem Medo e seus homens era imensa, mas ao chegarem lá eles descobriram que não havia havido nenhum ataque. Ele havia reunido muitos homens, tanto os militantes quanto os civis de Dolisie, para lançar uma operação de contra-ataque, mas não foi necessário.

"Foi o maior extraordinário sinal de solidariedade coletiva que vi"

Testemunhando o Maior Ato de Solidariedade Coletiva

Enquanto Teoria tomava banho, achou uma cobra e, assustando Vêwe, atirou imediatamente contra ela. Pensando que o barulho eram tiros dados pelos portugueses, Sem Medo iniciou os planos para atacar a base portuguesa, pois acreditava que, em breve, os guerrilheiros seriam encontrados.

O Encanto da Amoreira

Ao chegar na cidade, Sem Medo foi recebido pelo Chefe de Operações, Mundo Novo, que lhe passou novas instruções. Após o ataque à base portuguesa, Sem Medo foi designado para abrir uma nova frente de luta no leste do país, enquanto o Comissário se tornou o comandante da operação.

O Comandante deixou o Comissário assumir a operação de ataque ao Pau Caído, no Mayombe, para prepará-lo para assumir o controle. A emboscada foi montada com sucesso, mas houve consequências trágicas: Sem Medo foi ferido gravemente e um outro guerrilheiro morreu ao tentar proteger o Comissário.

"Lutamos, que era cabinda, morreu para salvar um kimbundo. Sem Medo, que era kikongo, morreu para salvar um kimbundo. É uma grande lição para nós, camaradas"

Uma Grande Lição de Coragem: Lutamos e Sem Medo Morreram para Salvar um Kimbundo

Comovidos, os guerrilheiros param e esperam pela morte de Sem Medo. Apesar de serem de diferentes etnias, o tribalismo é deixado de lado quando eles enterram o guerrilheiro ao lado de uma grande amoreira. O Comissário, embora em tristeza, aceita a passagem de Sem Medo.

Encerramento

O Comissário termina o livro seguindo o legado de Sem Medo, em uma nova frente. Ele reflete sobre sua vida e seu relacionamento com o amigo que partiu.

Examinando a obra

A Guerra Colonial na África

A Angola lutou por 13 anos pela sua independência, enfrentando tropas portuguesas. A guerra abrangia várias frentes e todos os grupos angolanos envolvidos possuíam diferentes características. O romance aborda esse conflito e a busca pela liberdade.

Os grupos que lutavam pela independência tinham visões políticas divergentes e estavam situados em regiões diferentes, obtendo o apoio de vários grupos étnicos.

O MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) foi um dos grupos pioneiros, formado principalmente por membros da etnia Mbundu. Tinha ligações com o Partido Comunista Português e pregava o marxismo-leninismo. O FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) era outro grupo significativo, sendo fortemente apoiado pelos Bakongos e Estados Unidos.

Após obterem a independência, o MPLA tomou o controle do governo, tendo como consequência a guerra civil. O FNLA se recusava a aceitar o regime comunista do MPLA, o que dificultou a união tácita que havia durante a guerra de independência. A luta na Angola foi extremamente conturbada, contendo diversas nuances e conflitos internos.

O romance de Pepetela aborda a luta pela independência de Cabinda, região de maioria bantu na Angola. Os guerrilheiros desconfiam da única pessoa da etnia bantu na frente do MPLA, pois buscam a libertação de forma independente da Angola.

Os Perigos do Tribalismo

A Angola é formada por várias tribos que, ao longo dos séculos, foram reprimidas e reunidas sob o controle de Portugal para se tornarem um único país. Diante disso, o tribalismo é um dos principais elementos do Mayombe.

Angola exibia uma diversidade linguística em seu território. Embora o português fosse a língua oficial, ela não era a língua nativa dos habitantes, e muitos não falavam com fluidez.

A formação do Estado angolano foi marcada pelo processo do tribalismo, pois antes de se tornarem cidadãos angolanos, as pessoas eram membros de várias tribos. Ainda hoje, essa herança étnica cria sentimentos de desconfiança entre membros de tribos diferentes.

"Somos nós, com a nossa fraqueza, o nosso tribalismo, que impedimos a aplicação da disciplina. Assim nunca mudará nada."

Nossa Fraqueza e Tribalismo Impedem o Aproveitamento da Disciplina e Assim Nada Mudará

Os conflitos decorrentes da organização do MPLA, bem como os gerados pelo tribalismo, se intercalam no Mayombe. Os guerrilheiros, devido às tribos de que são originários, não confiam uns nos outros e tal sentimento se intensifica com as relações políticas e de poder existentes na organização.

Muitos guerrilheiros são "destribalizados", como aqueles que passaram muito tempo na Europa, cresceram em Luanda ou têm país de tribos diferentes. No entanto, a maioria deles ainda sente-se ligada a certas tribos e suas interações são fortemente influenciadas por fatores tribais.

Partido do Movimento Popular de Libertação de Angola

A figura do MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola, tem sido crucial para a política angolana desde sua criação nos anos 1950, formado através da união de diversos movimentos nacionalistas.

O grupo organizou uma luta armada de acordo com a doutrina marxista-leninista. Isso envolveu a união de forças militares e do movimento político, pois o próprio princípio de guerrilha estabelecia as diretrizes tanto militares quanto ideológicas.

Na obra de Pepetela, o Comandante Sem Medo se destaca como figura de comando de destaque, com o Comissário e o Chefe de Operações logo abaixo na hierarquia. Além disso, fora das atividades guerrilheiras, outros líderes políticos ligados ao MPLA forneciam recursos humanos e materiais para a guerrilha.

A política e as interpretações variadas da realidade, assim como o tribalismo, formam uma rede de relações extremamente complexa e conflituosa. Comandante Sem Medo é o ponto central desta estrutura, servindo como elo de ligação entre as várias partes.

"Sem Medo resolveu o seu problema fundamental: para se manter ele próprio, teria de ficar ali, no Mayombe. Terá nascido demasiado cedo ou demasiado tarde? Em todo o caso, fora o seu tempo, como qualquer herói de tragédia"

O Desafio de Sem Medo: Nascer no Momento Certo ou Errado?

Sem Medo é o centro de todas as relações de personagens. Uma das mais significativas é entre o Comissário João e sua noiva, a professora Odina. No entanto, após sofrer uma traição, o vínculo entre eles é interrompido.

O Comissário vai amadurecendo devido a traição e Sem Medo desempenha um papel tão significativo na mediação dessa relação, que ele acaba se envolvendo com Odina. Estes laços têm como objetivo a emancipação da mulher e a descolonização da Angola.

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Explorando o Mayombe

Mayombe, uma floresta tropical montanhosa, é o cenário principal do livro. Esta floresta se estende por Cabinda, no norte da Angola, e ao longo do Congo.

A floresta desempenha um papel de destaque no romance, tendo seus elementos descritos com detalhes e, ao mesmo tempo, intervindo na trama.

"Tal é o Mayombe que pode retardar a vontade de Natureza"

O Mayombe Pode Conter os Impulsos da Natureza

O ambiente de montanhas e florestas abrangentes proporciona algum tipo de segurança aos rebeldes, mas, ao mesmo tempo, também abrigam muitos riscos e desafios.

No Mayombe, está a sede principal do MPLA. A escuridão do ambiente é reiteradamente destacada pelo autor. A vegetação é o elemento mais explorado no romance de Pepetela.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.