10 Grandes Sucessos da Tropicália


Escrito por Sónia Cunha

O Tropicalismo foi um movimento que alterou significativamente a cultura brasileira. Os jovens músicos que o compunham tiveram um alcance notável e influenciaram não só aquela época, mas também as gerações vindouras.

A partir de 1967, quando surgiram as primeiras manifestações da Tropicália, o movimento foi ganhando força e se consolidando em 1968. O contexto em que essas produções ousadas foram realizadas era aquele da ditadura militar (1964-1985).

Época que ficou marcada pela geração inspiradora que tem como principais nomes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e Gal Costa. Reviva suas canções favoritas dessa fase!

1. Alegria Alegria - Caetano Veloso

Caminhando contra o vento

Sem lenço e sem documento

No sol de quase dezembro

Eu vou

O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em cardinales bonitas

Eu vou

Em caras de presidentes

Em grandes beijos de amor

Em dentes, pernas, bandeiras

Bomba e Brigitte Bardot

Em 1967, Alegria, Alegria - também conhecida como Sem Lenço e Sem Documento - foi apresentada no 3º Festival de MPB da TV Record e se tornou um clássico da Tropicália. Esta música conquistou o grande público e se tornou uma das canções mais populares de todos os tempos.

Caetano Veloso liderou o grupo musical no festival, apresentando-se com um conjunto argentino de rock que usava guitarras elétricas. Isso causou muita agitação entre o público, pois instrumentos elétricos não eram frequentemente aceitos nos eventos desse tipo.

A partir do trecho acima, fica evidente que Caetano está criticando os intelectuais de esquerda e expondo os novos rumos estéticos do Brasil. Esta composição é como um manifesto que mostra sua opinião sobre os assuntos discutidos.

Esta música é simples, moderna e cheia de confiança, tornando-se um retrato verdadeiro da nossa época.

2. Abraçando o Gilberto Gil

O Rio de Janeiro continua lindo

O Rio de Janeiro continua sendo

O Rio de Janeiro, Fevereiro e Março

Alô, alô, Realengo

Aquele Abraço!

Alô torcida do Flamengo

Aquele abraço

Chacrinha continua

Balançando a pança

E buzinando a moça

E comandando a massa

E continua dando

As ordens no terreiro

Um baiano expressou seu amor ao Rio de Janeiro em Aquele abraço, oferecendo um abraço de adoração à cidade.

No trecho inicial da música, são feitas várias menções culturais relacionadas ao Rio de Janeiro, considerado o centro da cena musical brasileira por várias décadas.

Inspirada na cultura de massa brasileira, a música traz à tona o bairro Realengo, o programa Chacrinha e o time de futebol Flamengo. Ao mesmo tempo, ela reflete um olhar alegre e positivo sobre a realidade vivenciada na época.

3. Os Mutantes Cantam 'Panis et Circenses' de Caetano Veloso e Gilberto Gil

Eu quis cantar

Minha canção iluminada de sol

Soltei os panos sobre os mastros no ar

Soltei os tigres e os leões nos quintais

Mas as pessoas na sala de jantar

São ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer

De puro aço luminoso um punhal

Para matar o meu amor e matei

Às cinco horas na avenida central

Mas as pessoas na sala de jantar

São ocupadas em nascer e morrer

Gilberto Gil e Caetano Veloso, famosos compositores brasileiros, criaram a música que se tornou conhecida ao redor do mundo graças à voz do trio Os Mutantes, formado por Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee.

Uma composição gravada em 1968, contida no álbum Tropicália ou Panis Et Circenses, pode ser vista acima.

A canção tem um título com fortes conexões políticas, referindo-se ao "pão e circo" do período do Império Romano. Naquela época, entretenimento e alimentação eram usados para desviar a atenção da população enquanto os líderes políticos faziam o que desejavam.

As pessoas da sala de jantar são usadas como símbolos da crítica aqui. Representando uma elite fútil e desconectada do cenário político de repressão no Brasil, mostram como seus interesses e preocupações diferem muito dos problemas reais enfrentados pelo país.

4. A Gostosa Geleia Geral de Torquato Neto e Gilberto Gil

Um poeta desfolha a bandeira

E a manhã tropical se inicia

Resplendente, cadente, fagueira

Num calor girassol com alegria

Na geleia geral brasileira

Que o jornal do Brasil anuncia

Ê bumba iê iê boi

Ano que vem, mês que foi

Ê bumba iê iê iê

É a mesma dança, meu boi

A expressão "Geleia Geral" é um verso criado por Décio Pignatari que foi transformado em uma canção-manifesto por Torquato Neto e Gilberto Gil.

Estes versos são parte de uma canção icônica do movimento Tropicalista, que celebra nossa cultura diversa e rica. Também serve como manifesto contra a repressão do passado, encorajando a todos a serem provocadores e ativos na luta por mudanças. A letra traz muito significado para quem abraça a liberdade de expressão.

5. Caetano Veloso e Gilberto Gil em Lindonéia

Na frente do espelho

Sem que ninguém a visse

Miss

Linda feia

Lindonéia desaparecida

Despedaçados atropelados

Cachorros mortos nas ruas

Policiais vigiando

O sol batendo nas frutas

Sangrando

Ai meu amor

A solidão vai me matar de dor

Nara Leão cantou Lindonéia, uma música composta por Caetano e Gilberto Gil, inspirada por uma notícia de jornal que falava sobre a desaparição de uma pessoa chamada Lindonéia no subúrbio.

Após ler a notícia, Rubens Gerchman criou a tela A bela Lindonéia (1966). Nara, então, sugeriu para Caetano que transformasse a história em música.

Quadro A bela Lindonéia de Rubens Guerchman que inspirou a canção

Nara Leão não está presente na imagem da capa do álbum, tal como o seu personagem sumido. É intrigante.

A música abrange um conflito entre o âmbito privado e o público: por exemplo, a intimidade do espelho do lar versus o medo de estar nas ruas sob a vigilância policial.

6. Coração de Mãe - Vicente Celestino

Disse um campônio a sua amada

Minha idolatrada, diga o que quer

Por ti vou matar, vou roubar

Embora tristezas me causes, mulher

Provar quero eu que te quero

Venero teus olhos, teu porte, teu ser

Mas diga tua ordem, espero

Por ti não importa, matar ou morrer

E ela disse ao compônio, a brincar

Se é verdade tua louca paixão

Partes já e pra mim vá buscar

De tua mãe inteiro o coração

E a correr o campônio partiu

Como um raio na estrada sumiu

E sua amada qual louca ficou

A chorar na estrada tombou

A faixa "Coração Materno", presente no icônico álbum Tropicália ou Panis Et Circenses, é considerada um dos marcos da música brasileira.

A canção é uma mistura de tragédia e melodramatismo, e por isso tem sido interpretada como tendo um tom de ironia, pastiche e paródia.

O arranjo de cordas de Rogério Duprat e a interpretação marcante de Caetano exaltam a diferença entre o tropicalismo e a bossa nova. A letra de destaque mostra a conquista daquela geração ao ter conseguido se libertar de padrões musicais.

7. Imploremos Piedade a Nós (Gilberto Gil)

Miserere-re nobis

Ora, ora pro nobis

É no sempre será, ô, iaiá

É no sempre, sempre serão

Já não somos como na chegada

Calados e magros, esperando o jantar

Na borda do prato se limita a janta

As espinhas do peixe de volta pro mar

Inspirada na cultura cristã, a canção "Miserere nobis" é título produzido pela Tropicália. Expressão latina encontrada nas missas católicas, ela remete à influência religiosa sentida indiretamente pelos artistas da região nordestina. Refletindo a matriz cristã do contexto em que Gil e Caetano foram criados, essa influência retorna à poética do grupo como uma homenagem à sua geração.

A faixa de Gilberto Gil começa com um clima solene, que remete aos cultos religiosos. A letra da música junta o sangue de Cristo e o vinho para criar um discurso político. Esta composição reflete a preocupação com a questão social e o comprometimento desta geração.

8. Industrial Park - Tom Zé

É somente requentar

E usar,

É somente requentar

E usar,

Porque é made, made, made, made in Brazil.

Porque é made, made, made, made in Brazil.

Retocai o céu de anil

Bandeirolas no cordão

Grande festa em toda a nação.

Despertai com orações

O avanço industrial

Vem trazer nossa redenção.

Tem garota-propaganda

Aeromoça e ternura no cartaz,

Basta olhar na parede,

Minha alegria

Num instante se refaz

Um parque industrial é um retrato da atualidade, destacando as dinâmicas de poder entre nações. Aqui há intensa troca de produtos e bens de consumo, além de riquezas culturais.

Tom Zé destaca a antropofagia como elemento constitutivo da cultura brasileira, bem como o intenso diálogo entre o passado (arcaico) e o presente (moderno), mesmo o país estando sob a ditadura. Vale lembrar que naquela época ainda havia uma significativa divisão entre o meio urbano e o rural, criando-se um ambiente híbrido.

O compositor baiano faz uma crítica implacável ao modo como nosso processo de industrialização foi conduzido e aos diversos rumos tomados pelas autoridades responsáveis pelo país.

9. Esperando o Lobo Chegar (Caetano Veloso)

Vamos passear na floresta escondida, meu amor

Vamos passear na avenida

Vamos passear nas veredas, no alto meu amor

Há uma cordilheira sob o asfalto

A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas

(Os clarins da banda militar)

Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas

(Os clarins da banda militar)

Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas

(Os clarins da banda militar)

A música "Enquanto Seu Lobo Não Vem" é uma expressão profundamente política dos tempos de ditadura militar brasileira. Seus arranjos captam o sentimento de opressão que havia tomado conta do país. A composição foi contemporânea das manifestações e protestos antirregime. A melodia conta a história de um impasse e, assim como a luta diária, seu tom fica cada vez mais pesado, apesar de começar com um suposto clima de leveza e otimismo.

Composição musical é um sinal premonitório, pois alguns meses mais tarde, a ditadura (insinuada ao lobo) tirou Caetano Veloso e Gilberto Gil, os destaques da Tropicália, para o exílio.

A música é uma convocação ao protesto e à luta, destacando o endurecimento da posição dos tropicalistas contra os anos de repressão política.

10. Mamãe, Tenha Coragem (Caetano Veloso e Torquato Neto)

Mamãe, mamãe, não chore

A vida é assim mesmo

Eu fui embora

Mamãe, mamãe, não chore

Eu nunca mais vou voltar por aí

Mamãe, mamãe, não chore

A vida é assim mesmo

Eu quero mesmo é isto aqui

Mamãe, mamãe, não chore

Pegue uns panos pra lavar

Leia um romance

Veja as contas do mercado

Inspirados pela peça de Brecht, Caetano Veloso e Torquato Neto criaram a eterna "Mamãe, Coragem". A interpretação de Gal Costa deu ao tema uma grande fama e notoriedade.

Através de uma leitura superficial, a canção pode ser interpretada como uma mãe preocupada com o filho na cidade grande. Porém, muitos acreditam que a canção foi inspirada na vida de Torquato Neto, sendo um diálogo entre o músico e sua mãe, Salomé. Tragicamente, Torquato veio a falecer aos 28 anos, ocasião em que ocorreu seu suicídio.

Coragem é uma descrição sincera de uma mãe e de sua relação com seu filho, mostrando a dureza e a realidade do tempo em que vivem.

Descubra a Tropicália

A Tropicália teve grandes nomes na música, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Gal Costa, Torquato Neto, Guilherme Araújo e Tom Zé.

O movimento tropicalista teve repercussões transformadoras em várias áreas artísticas, indo além da música e abrangendo também teatro, artes plásticas, poesia e cinema.

Os artistas pretendiam, independentemente do meio, fazer uma crítica à cultura brasileira, a fim de promover uma reflexão mais profunda. Mostraram também uma clara rejeição ao lugar comum ultrapassado.

Em 1968, o jornal Última Hora do Rio de Janeiro publicou um manifesto por Nelson Motta, que foi chamado de Cruzada Tropicalista. Esta publicação conferiu às letras o nome que se tornaria consagrado para o grupo.

Os jovens que fizeram o tropicalismo

Havia um anseio comum entre os artistas de cuestionar, experimentar e estimular uma inovação estética.

Uma tentativa de promover o canibalismo cultural pode ser observada na música, ao combinar diferentes estilos como o rock, bolero, bossa nova e samba. Além disso, instrumentos inusitados eram utilizados, fundindo elementos do erudito e do popular.

Transmissões ao vivo dos Festivais da Canção divulgavam ao vivo a ebulição cultural por meio da TV.

. Com a implementação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, a repressão apertou e Caetano Veloso e Gilberto Gil, líderes do movimento, acabaram presos. Depois disso, eles foram exilados na Inglaterra.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.