A escritora brasileira Clarice Lispector (1920-1977) é amplamente aclamada e reconhecida.
Muitos principais estudiosos do pensamento humano descreveram a escrita dele como "difícil de compreender", pois ela frequentemente se mistura com elementos filosóficos, tratando de temas existencialistas, da introspecção e do mistério da vida.
Com dedicação e disposição, o leitor ou leitora poderá desfrutar o patrimônio literário deixado pela maravilhosa autora.
Nosso objetivo é que você possa mergulhar no fascinante universo da escritora Clarice Lispector. Por isso, selecionamos 8 obras da autora, dispostas em ordem cronológica, para que você possa desfrutar ao máximo da experiência.
1. Aproximando-se do Coração Selvagem (1943)
Publicado em 1943 quando Clarice Lispector tinha apenas 23 anos, o seu primeiro romance causou grande impacto na crítica devido à sua intensidade e à sua enorme sensibilidade.
A noite veio e ela continuou a respirar no mesmo ritmo estéril. Mas quando a madrugada clareou o quarto docemente, as coisas saíram frescas das sombras, ela sentiu a nova manhã insinuando-se entre os lençóis e abriu os olhos. Sentou-se sobre a cama. Dentro de si era como se não houvesse a morte, como se o amor pudesse fundi-la, como se a eternidade fosse a renovação.
Clarice, com seu estilo filosófico e singular, já mostra sua marca logo em sua obra de estreia. Isso a acompanhará durante toda sua trajetória literária.
A história gira em torno de Joana, que está em um período em que está fazendo a transição da infância para a idade adulta. Ela tem muitas dúvidas e questões existenciais, buscando experimentar a vibração de ser livre, selvagem e de coração.
A autora apresenta ao leitor e leitora o universo íntimo de Joana ao explorar detalhes, sonoridades e texturas, assim como todo o ambiente que ela permeia. É possível mergulhar nesse mundo através da leitura.
A inspiração para o nome do livro veio de uma citação do romance Retrato do artista quando jovem, de James Joyce: "Ele estava sozinho. Abandonado, porém feliz, perto do íntimo coração da vida."
2. Família Unida por Laços (1960)
1960 foi o ano de lançamento de um dos livros mais conhecidos de Clarice Lispector, com 13 contos que retratam cenas domésticas. Nele, a mulher possui destaque, contudo, outras personagens também são focos da narrativa.
O discurso indireto é uma característica marcante desta obra. O narrador e os personagens parecem compartilhar uma cumplicidade, com sobreposições de pensamentos e fluxos de consciência.
Nos contos deste livro, o tema recorrente é a rotina e como ela pode ser interrompida, especialmente quando vista por meio da perspectiva feminina. Clarice faz uma reflexão sobre as experiências femininas neste cenário relacional que, embora traga o sentimento de segurança, acaba limitando a liberdade e a subjetividade das mulheres.
A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados – e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.
(Conto "Feliz aniversário". Laços de Família -1960)
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3. A Maçã no Escuro: 1961
Martim é o protagonista do romance A Maça no Escuro, escrito por Clarice. Ele acabou de cometer um crime e o livro o acompanha em sua jornada.
O livro sagrou-se vencedor do prestigiado Prêmio Carmem Dolores Barbosa em sua época.
O homem atormentado da narrativa opta por matar a esposa e, em seguida, parte em uma jornada de autodescoberta, deixando tudo para trás.
Martim examina suas ideias a respeito da vida, morte, existência, transgressão, poder e linguagem, buscando humanizar-se.
Nas trevas nada viu da sacada, e nem sequer adivinhou a simetria dos canteiros. Algumas manchas mais negras que o próprio negrume indicaram o provável lugar das árvores. O jardim não passava ainda de um esforço de sua memória, e o homem olhou quieto, adormecido. Um ou outro vaga-lume tornava mais vasta a escuridão.
O título "Maçã no Escuro" sugere uma conexão com a passagem bíblica em que a maçã é vista como um fruto proibido. Contudo, aqui, a fruta é usada como um símbolo para algo que não pode ser descrito com palavras. A autora, entretanto, persiste em tentar expressar esse sentimento "no escuro".
4. G's Passion
A obra-prima de Clarice Lispector, A paixão segundo G.H, foi desvendada em 1964.
Considerado um dos mais complexos trabalhos da escritora, esse romance combina fortes elementos filosóficos de existencialismo e promove muitas reflexões sobre o sentir e o ser.
A leitura costuma trazer aos leitores sentimentos ambíguos. Alguns amam a experiência da leitura, enquanto outros não conseguem prosseguir.
"O leitor precisa conhecer o passado para entender o que este livro quer dizer". Clarice advertiu para que o leitor conhecesse seu passado antes de iniciar a leitura de seu livro, pois somente assim eles podem entender o real significado das suas palavras.
Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente - atravessando inclusive o oposto daquilo de que se vai aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, a personagem G.H foi dando pouco a pouco uma alegria difícil; mas chama-se alegria.
Nos livros da escritora, é possível ver a fixação em encontrar o indizível. Ela busca expressar o silêncio e a maravilha da vida de maneira pungente, como se fosse uma tarefa de seu próprio sentimento.
G.H é a heroína desta narrativa. Ao entrar no quarto no fundo da casa, onde anteriormente Janair, a empregada, residia, ela fica profundamente emocionada e surpresa.
Ao avistar uma barata no cômodo, G.H é tomada por reações contraditórias, resultando na abdicação de um comportamento razoável e na manifestação de tendências peculiares que constituem sua essência.
Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
5. O Livro dos Prazeres: Uma Aprendizagem (1969)
Em 1969, o sexto romance de Clarice foi lançado e recebeu elogios da crítica. Além disso, conquistou o prêmio Golfinho de Ouro pela sua atuação no MIS - Museu da Imagem e Som do Rio de Janeiro.
A história desta obra narra a relação entre Lóri, uma professora primária, e Ulisses, um professor de filosofia. Ao longo da trama, acompanhamos o percurso de Lóri, suas dúvidas, fragilidades e sentimentos à medida que ela se aproxima cada vez mais de Ulisses.
Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.
Descrições dos acontecimentos são fornecidas por Clarice, mas o que mais se destaca é a sua habilidade de retratar os sentimentos e anseios da personagem, além da própria narrativa. O lirismo com que ela descreve tudo é o que mais chama a atenção.
O romance trata da iniciação amorosa de um casal e seus rituais. Seu enredo gira em torno da busca pelo prazer e satisfação na vida, especialmente na companhia de outro ser humano. O título da obra reflete bem esse tema central.
6. A Felicidade Oculta (1971)
Ao publicar Felicidade Clandestina em 1971, o autor reuniu 25 contos, alguns dos quais já eram conhecidos. Esta obra aborda temáticas familiares, como a passagem do tempo, bem como as alegrias e angústias que permeiam a vida humana.
Muitas das narrativas compartilhadas são auto-biográficas e contadas em primeira pessoa, como recordações de dias passados.
A protagonista do livro ansiava ler Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Quando descobriu que sua colega de classe era filha do dono de uma livraria, pediu-lhe que conseguisse o livro para emprestar a ela. No entanto, a menina, com malícia e crueldade, adiou o empréstimo.
A garota ficou eufórica ao receber o empréstimo do livro, após muita insistência.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes.
Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar ... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
7. Vida Aquática (1973)
Publicada em 1973, esta obra é composta por um poema em prosa.
De acordo com Clarice, o "improviso verbal" não se enquadra em nenhum gênero já estabelecido, como o romance, o conto ou a poesia. Trata-se de um fluxo de ideias sobre a criação, escrito de forma fragmentada, visando desvendar os segredos da linguagem.
Estas minhas frase balbuciadas são feitas na hora mesma em que estão escritas e crepitam de tão novas e ainda verdes. Elas são o já. Quero a experiência de uma falta de construção. Embora o meu texto seja todo atravessado de ponta a ponta por um frágil fio condutor - qual? O do mergulho na matéria da palavra? O da paixão?
A autora de Água viva se empenha em sua busca incessante pela união entre arte/escrita e vida. Seu objetivo é captar o agora, criar uma realidade, usando a escrita como forma de entender aquilo que não tem expressão verbal.
8. A Estrela da Hora (1977)
Alguns críticos consideram A Hora da Estrela, obra de Clarice Lispector lançada em 1977, como a obra-prima da autora. Infelizmente, foi publicada poucos meses antes de sua morte.
Macabéa, uma órfã nordestina que vive sozinha, se vê desamparada ao chegar ao Rio de Janeiro em busca de oportunidades. Ingenuamente, ela partiu sozinha para a grande cidade, desconhecendo o que a aguardava. O romance narra sua história.
Ela era uma "matéria rala", ignorante do seu próprio sofrimento, desconhecendo sua existência. No entanto, é relevante mencionar isso.
Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar. Essa economia lhe dava alguma segurança pois, quem cai, do chão não passa. Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: Quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar.
A obra de Clarice conta a história de uma moça, que é narrada por um personagem fictício chamado Rodrigo S.M. Essa figura é fundamental para a trama, pois ao levantar questões sobre a dificuldade de traduzir sentimentos e fatos da vida, ela amplia a discussão contida na obra.
Em 1985, Suzana Amaral adaptou o romance para o cinema, tornando-o um sucesso e um dos grandes clássicos do cinema brasileiro.
Amaral, Emília. Para amar Clarice: descubra e aprecie os elementos mais inovadores de sua obra. 1ª edição - Barueri, SP: Faro Editorial, 2017.