O tema da maternidade é uma representação frequente na literatura, especialmente em poesia. A ocasião do dia das mães é uma ocasião especial para muitas pessoas e, nessa data, é comum ler poemas para homenagear esses seres especiais.
Nesta ocasião, queremos dedicar homenagem às mulheres que nos trouxeram ao mundo e nos amaram, dando-nos o seu melhor em todos os momentos.
Nós escolhemos poemas inspiradores sobre mães para lhes mostrar o quanto são significativas em nossas vidas.
1. Conceição Evaristo: Foi de Minha Mãe Todo o Meu Tesouro
O cuidado de minha poesia
Aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida.
A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo.
Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
de minha fala.
O poema de Conceição Evaristo foi publicado no Coletivo Quilombhoje, em 2002, nos Cadernos Negros. Ele nos emociona profundamente.
A protagonista deste texto expressa seu agradecimento à sua mãe (e, de certa forma, às suas ancestrais) por tê-la ensinado a sentir e se situar no mundo com grande beleza poética.
A mãe de Conceição Evaristo é descrita como sendo uma grande mestra, sábia no conhecimento de viver e extremamente incentivadora com relação às artes da filha.
2. Mario Quintana: Uma Homenagem à Mãe
Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito;
Também o céu tem três letras
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disser
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer.
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do céu
E apenas menor que Deus!
Mario Quintana foi reconhecido como o "poeta das coisas simples". Seu estilo de escrita surpreendeu pelo seu talento em traduzir sentimentos com palavras e imagens de simplicidade, mas profundamente poéticas.
Em Mãe, Quintana homenageia sua mãe e todas as mães comparando-as ao céu. Esta pequena palavra é usada como um fio condutor e como uma forma de destacar a capacidade que elas têm de amar sem limites.
3. Alice Ruiz: Sem Título
Depois que um corpo
comporta
outro corpo
nenhum coração
suporta
o pouco
Alice Ruiz, em poucas palavras, consegue expressar como se sente a mãe que gesta. O poema captura o sentimento físico e emocional que ela experimenta ao dar à luz uma criança.
Assim, sugere-se que sua habilidade para sentir e amar se expande, da mesma forma que seu ventre cresce.
A maternidade é uma experiência profundamente transformadora que pode ser vivida de várias maneiras, não se limitando necessariamente à gravidez.
4. Manoel de Barros - O Menino Que Transportava Água Na Peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
O livro Exercícios de ser criança, de Manoel de Barros, publicado em 1999, traz um poema que retrata a infância de maneira incrível. A obra revela a inventividade e as brincadeiras do menino.
A mãe é descrita como um alicerce emocional, ressaltando sua criatividade e motivando-o a expressar poesia com as coisas mais banais da vida.
É muito importante que as crianças tenham cuidadores que as valorizem, para que possam desenvolver uma auto-estima saudável.
5. Os Mistérios Não Compreendidos por Elisa Lucinda
Saudades de minha mãe.
Sua morte hoje faz um ano e um fato
Essa coisa fez
eu brigar pela primeira vez
com a natureza das coisas:
que desperdício, que descuido
que burrice de Deus!
Não de ela perder a vida
mas a vida de perdê-la.
Olho pra ela e seu retrato.
Nesse dia, Deus deu uma saidinha
e o vice era fraco.
No poema de Elisa Lucinda é possível sentir toda saudade por sua mãe. Uma tristeza que vem acompanhada de indignação por não poder mais contar com a presença dessa figura tão querida.
"Deus" é censurado por Elisa pela partida da mãe, e ela afirma que foi a vida quem perdeu, provavelmente a sua própria. Assim, ela invertia a ordem das coisas.
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6. Tudo o que eu Queria - Paulo Leminski
Minha mãe dizia:
– Ferve, água!
– Frita, ovo!
– Pinga, pia!
E tudo obedecia.
Neste poema de Leminski, a figura materna é glorificada como quase mística. O autor cria um cenário em que a mãe consegue fazer tudo de maneira extraordinariamente simples.
O poema é uma homenagem às mães, mas também serve como uma ocasião para colocarmos em discussão se as tarefas domésticas são mesmo tão simples e prazerosas ou se são historicamente impostas principalmente às mulheres e mães. Com isso, fica evidente a necessidade de buscarmos formas de dividir melhor esse trabalho entre todos os membros de uma família.
7. Eternamente - Drummond
Por que Deus permite
Que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite
É tempo sem hora
Luz que não apaga
Quando sopra o vento
E chuva desaba
Veludo escondido
Na pele enrugada
Água pura, ar puro
Puro pensamento
Morrer acontece
Com o que é breve e passa
Sem deixar vestígio
Mãe, na sua graça
É eternidade
Por que Deus se lembra
Mistério profundo
De tirá-la um dia?
Fosse eu rei do mundo
Baixava uma lei
Mãe não morre nunca
Mãe ficará sempre
Junto de seu filho
E ele, velho embora
Será pequenino
Feito grão de milho
No poema "Mãe", presente em "Lição de Coisas", de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1962, a figura materna é retratada como um símbolo de eternidade, que liga o ser humano à natureza e é uma presença constante na vida de seu filho ou filha.
O escritor questiona a Deus por que as mães têm de partir, afirmando que o amor por elas nunca desaparece, que não importa quanto tempo passe, o laço de afeto será eterno.
8. Vinícius de Moraes e Minha Mãe
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.
Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.
Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
Vinícius de Moraes, em seu poema, capturou a fragilidade, a saudade e o desejo de estar novamente nos braços de sua mãe. É um profundo retrato de todos os sentimentos que uma criança nutre por sua mãe.
O receio de Vinícius diante da vida fez com que ele buscasse a proteção maternal, tentando assim recuperar, mesmo que por pouco tempo, a segurança que sentia enquanto criança.
Seu primeiro livro, O caminho para a distância, foi publicado em 1933, quando o autor tinha apenas 19 anos.