Entendendo a Poesia Concreta Com 10 Poemas


Escrito por Carolina Marcello

No meio dos anos 50, o Brasil viu o surgimento do Concretismo. Em 4 de dezembro de 1956, o MASP apresentou a Exposição de Poesia Concreta, trazendo destaque à cena artística da época.

A mostra foi idealizada por Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Wladimir Dias Pino.

Os concretistas visavam à construção de uma literatura e de uma arte inovadoras, focando-se em experimentos. Esse movimento insurgiu-se contra os versos longos e solilóquios, optando por composições breves, precisas e certeiras. Assim, poesias visuais foram desenvolvidas, com imagens que suscitam diferentes interpretações.

1. Luxo, Lixo de Augusto de Campos

Lixo Luxo Augusto de Campos

Augusto de Campos, em 1966, compôs o poema "Lixo, Luxo", um dos mais emblemáticos da poesia concreta.

Esta criação visual apresenta a palavra "Lixo" construída através de outra palavra de menor tamanho, em movimento de repetição (Luxo). As palavras lixo e luxo são muito parecidas graficamente, além de serem quase idênticas foneticamente. A única diferença está na vogal: i e u.

A compilação de apenas duas palavras no poema leva a uma discussão a respeito da temática social e estimula inúmeras possibilidades de interpretação.

Será que nosso desejo por luxo nos leva ao lixo? Vivemos em uma sociedade que aprecia o luxo, mas não considera o que a acumulação ocasiona? A prática do esbanjamento e da acumulação nos transforma em seres humanos desumanos? Ou o sistema econômico em que vivemos nos oferece produtos e demandas não essenciais, para satisfazer os interesses de alguns bilionários?

Como outras obras poéticas concretas, Lixo, Luxo estimula o leitor a mergulhar em um pensamento profundo.

2. Décio Pignatari Convida Você a Beber Coca-Cola

Coca Cola

O poema “Beba Coca Cola”, do movimento concretista, foi publicado na edição número 4 da revista Noigandres, em 1958. Criado em 1957, é um dos poemas mais conhecidos desta corrente literária.

Em seu poema, Décio Pignatari evidencia a influência da linguagem da propaganda ao parafrasear o slogan de um popular refrigerante. Ao descontextualizar (e recontextualizar) a frase publicitária, o conteúdo passa a possuir uma grande carga de ironia.

Décio utiliza uma sequência de palavras que se repetem para formar uma sonoridade única: "beba coca cola / babe cola / beba coca / babe cola caco".

Ao recriar o anúncio, Décio desestrutura a linguagem publicitária, transformando o poema numa crítica à sociedade de consumo.

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3. José Lino Grünewald: Cinco

Cinco de José Lino Grunewald

No poema concreto "Cinco", José Lino Grünewald (1931-2000) se diverte ao combinar os números e as letras do alfabeto.

O poeta aponta a curiosa coincidência de que o número de letras da palavra "cinco" é igual ao próprio número que ela designa. Isso significa que a palavra "cinco" também possui cinco letras.

A geração concretista destacou-se ao investir na questão gráfica: a distribuição das palavras na folha de papel segue a forma de escada, resultando numa criação inovadora.

A geração de poetas concretos aproveitou a página branca para imprimir significado no texto. Isso leva os leitores a compreender que os espaços vazios da página também fazem parte significativamente da criação poética.

4. A Lua na Água de Paulo Leminski

lua na agua de leminski

Publicado em 1982, o poema de Paulo Leminski (1944-1989) une imagem e texto em uma forma original, que faz a forma refletir o conteúdo dos versos. É como a lua se refletindo na superfície da água, espelhando as palavras.

Com uma poesia visual, Paulo Leminski criou em "Lua na água" uma obra que une literatura e arte plástica. A obra se destaca pela criação de jogos gramaticais, além da imagem rebatida que lembra espelhos em formato de degraus.

O haicai, construção poética oriental concisa, é uma presença importante na obra do criador e também está presente em Lua na água.

O poeta, Paulo Leminski, começou a experimentar com poesia concreta em 1964, quando publicou cinco poemas na revista Invenção, dirigida por Décio Pignatari. O objetivo era obter efeitos gráficos que não pudessem ser alcançados com os versos tradicionais.

5. Arnaldo Antunes e Sua Gente

gente de arnaldo antunes

O poema Gente, de Arnaldo Antunes (1960), é característico do gênero poesia concreta. Ele tem uma escrita concisa, quase telegráfica, e objetiva, oferecendo uma experimentação radical com a linguagem, como se fosse feita por uma criança.

Ao separar a palavra "gente" na sílaba "et", o verso tradicional é substituído por uma composição única e criativa.

Um poema feito com uma única palavra que se expande para outra oferece diversas maneiras de ser interpretado. Quer ET esteja contido em gente, significa que estamos todos juntos? Seria nós, uns com os outros, ETs, desconhecidos misteriosos? Ou seria, talvez, uma crítica ao individualismo contemporâneo?

O leitor deve prestar muita atenção à tipologia, cor e forma das letras utilizadas para realçar a palavra ET - elementos essenciais para o desenvolvimento de um projeto concretista.

6. Ferreira Gullar: Girassol

Ferreira Gullar

No poema de Ferreira Gullar (1930-2016), a palavra "girassol" é apresentada de modo inovador: o termo “gira”, localizado no centro da página, desencadeia o fluxo de movimento necessário para que a palavra “sol” seja circundada. Tal conceito de mobilidade pede ao leitor uma postura investigativa.

O uso de palavras simples e cotidianas desperta a curiosidade do leitor, que tenta entender o que há por trás de cada escolha de palavras e sua disposição na página. É possível identificar pares de palavras que se aproximam pelo som e pela repetição, como é o caso de "girafa-girassol" e "farol-faro".

Ferreira Gullar (1930-2016), que participou da primeira fase do movimento concretista, estando presente na inaugural Exposição Nacional de Arte Concreta de São Paulo em 1956, decidiu romper com o grupo por discordâncias com Haroldo de Campos, expostas num artigo publicado no Jornal do Brasil.

Em 1957, o artigo de Gullar, "Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica", foi publicado no mesmo veículo que abrigara o texto que o incomodou. A resposta de Gullar foi essa crítica poética ao discurso já existente.

"Foi aquele em que a gente se empenhou em buscar um novo caminho, um novo modo de fazer poesia e de fazer arte". Em busca de afirmar sua voz e a dos seus companheiros, Gullar criou, junto com Lygia Clark e Helio Oiticica, o movimento neoconcreto. O poeta olhava para essa fase de sua vida com carinho, revelando que, durante ela, procurou "um novo modo de fazer poesia e de fazer arte".

Lembro-me que defendia a tese de que a questão fundamental da nova poesia não era 'criar um novo verso' e, sim, 'superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo com a sintaxe verbal'.

7. Depois de Tudo, de Augusto de Campos

Em 1984, décadas após o surgimento do concretismo no Brasil, foi criado o Pós-tudo.

A obra poética contida em Despoesia (1994) foi adaptada para o audiovisual, extrapolando a barreira do livro. Isso foi possível com a incorporação de elementos táteis, sonoros e visuais, o que permitiu que ela fosse apresentada em galerias de arte, revistas, na televisão, videoclipes, projeções, etc.

Augusto de Campos (1931) é o representante dos poetas concretos que, em busca de uma nova linguagem, desafiavam o leitor a sair de sua zona de conforto.

No Pós-tudo, o autor examina sua forma de criação literária, sua poesia e sua posição no mundo.

Schwarz fez uma interessante interpretação do poema Pós-tudo ao analisá-lo. Ele sintetizou sua análise e propôs uma interpretação para o poema.

[o poema] solicita a interpretação em chave externa – o que é “tudo”? – ao mesmo tempo que a deixa em aberto, funcionando como uma alusão vazia. O contexto interpretativo é de livre escolha do leitor: a biografia do poeta, a história do movimento concretista, o destino da arte moderna, o ciclo da revolução, todos aceitáveis, embora nenhum tenha apoio diferenciado no interior da composição

8. E: Pêndulo

"Pêndulo" é um poema incluído no livro Ideogramas, lançado em 1961. Foi criado usando apenas uma única palavra que foi desmembrada de modo a refletir o movimento pendular sugerido. Isso cria uma conexão entre o significado e a sua representação gráfica.

O projeto da poesia concreta faz uso intensivo de substantivos e busca condensar a mensagem poética. Verbos e pronomes são usualmente rejeitados com o objetivo de alcançar a essência das palavras. Esse poema está em sintonia com essa ideia.

O autor português Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (1932), destacado por seu trabalho literário, integrou o movimento da Poesia Experimental (PO-EX) na década de 1960 e é considerado um dos grandes representantes internacionais do concretismo.

9. Análise da Desconstrução do Verso de Haroldo de Campos

A desconstrução do verso

Haroldo de Campos (1929-2003) foi uma figura importante na poesia concreta, e refletiu em seu poema "A desconstrução do verso" sobre o processo artístico de criação literária e sobre o ciclo vital da vida.

O poeta adota uma linguagem concisa e eficiente, aproveitando o mínimo de espaço para conseguir o máximo de significado. A preocupação com a simetria e o uso tanto de elementos verbais quanto não verbais são essenciais para o desenvolvimento do pensamento.

A desconstrução do verso é um exemplar característico de poema-objeto – um poema que é autossuficiente. Não se trata de um poema sobre algum tema específico, mas sim de um que desperta a curiosidade do leitor, fornecendo-lhe dicas para que possa decifrar o poema e trabalhá-lo.

10. Acelerando com Ronaldo Azeredo

Velocidade de ronaldo azeredo

A obra Velocidade, de Ronaldo Azeredo (1937-2006), é um dos poemas mais famosos do autor. Composto por uma única palavra, ela foi escrita de maneira inovadora. A estrutura desse poema é essencial para sua criação poética.

O poema traz à tona a materialidade da palavra, assim como o seu protagonismo. Ao projetar cada palavra, ela ganha um maior destaque, despertando consciência sobre a língua.

A importância da criação é destacada pelos poetas concretos: cada elemento é tido como crucial, desde o espaço branco da página, passando por fontes tipográficas, até o meio de veiculação do poema (livro, tela, escultura, monitor, etc.) - essa é uma forma informativa.

A obra Velocidade, da qual os concretistas foram grandemente influenciados pela psicologia da Gestalt, revela essa admiração através da sua construção simétrica.

Lygia Azeredo (1931) apresentou o irmão, Ronaldo Azeredo, ao poeta Augusto de Campos, que posteriormente se tornou o cunhado. Isso despertou o interesse de Ronaldo pela poética inovadora e, em 1956, ele participou da Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Além disso, Augusto de Campos foi um colaborador das revistas concretistas Noigandres e Invenção.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.