O Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis (1838-1908), é admirado principalmente pelas suas obras de contos e romances realistas. Contudo, também é possível encontrar uma produção literária menor, na forma de poesia.
Em suas obras, Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875), Ocidentais (1880) e Poesias completas (1901), sua poesia pode ser encontrada.
1. Mostrando Carinho Através da Caridade
Ela tinha no rosto uma expressão tão calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus* *,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.
Levava pela mão duas gentis crianças.
Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
À chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.
E tu, ó Caridade, ó virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pão, guarida e amor.
O livro “Crisálidas”, lançado em 1864, foi o primeiro livro de poesia de Machado de Assis. O poema em questão está incluído nesse volume.
O autor apresenta a caridade sob um prisma cristão.
A descrição do poema mostra uma mulher com uma expressão serena, graciosa como um anjo, segurando as mãos de duas crianças que muito provavelmente são seus filhos.
A visão da outra criança, abandonada e faminte, moveu a bondosa moça, comparada à Virgem Maria. Em solidariedade ao sofrimento alheio, ela decidiu prestar auxílio.
Esta homenagem à cultura católica é uma forma de destacar os valores desta tradição; ao mesmo tempo, não se pode negar que a realidade atual é cruelmente desigual.
2. Espiral de Vícios
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
"Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
"Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?"
O poema Círculo Vicioso, que foi incluído na obra Poesias Completas (1901), foi publicado originalmente em Ocidentais (1880).
Neste poema lírico, Machado narrou uma história simbólica, usando o vaga-lume, a estrela, a lua e o sol para personificar os sentimentos como a inveja e o ciúme.
É intrigante como o autor foi capaz de expressar a inquietação intrínseca ao ser humano ao dar “voz” a elementos comuns da natureza, como um pequeno inseto e as estrelas no céu.
Aprendemos que não devemos desconsiderar o nosso potencial, pois não é necessário que a realidade dos outros seja necessariamente melhor que a nossa. Devemos ter o devido respeito e valorização a nós mesmos.
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3. A Beleza de Lindoia
Vem, vem das águas, mísera Moema,
Senta-te aqui. As vozes lastimosas
Troca pelas cantigas deleitosas,
Ao pé da doce e pálida Coema.
Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Que amor desabrochou e fez viçosas
Nas laudas de um poema e outro poema.
Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
De Lindoia, que a voz suave e forte
Do vate celebrou, a alegre festa.
Além do amável, gracioso porte,
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
“Tanto inda é bela no seu rosto a morte!”
Americanas (1875) apresenta o período em que o autor se dedicava ao movimento romântico. A obra contém o texto publicado por ele durante esse período.
O poema em questão tem abordagem indianista, ou seja, o tema principal é o indígena. É um dos muitos poemas no livro que retratam essa característica.
Lindoia, personagem do livro O Uruguay, de Basílio da Gama, é vista como uma representação de diversas mulheres indígenas de literatura, como Iracema e Moema.