10 Poemas Fundamentais da Literatura Portuguesa


Escrito por Carolina Marcello

Você conhece quantos dos talentos preciosos que a literatura de língua portuguesa nos apresenta? O manancial de obras é grande, mas quantos dos gênios reconhecidos você realmente conhece?

Embora falemos a mesma língua e, assim, desfrutemos de uma fácil acessibilidade à literatura gerada no estrangeiro, a realidade é que temos limitado conhecimento do que é produzido do outro lado do oceano.

Aproveite esta oportunidade para explorar o maravilhoso universo da lusofonia e desfrutar de dez poemas inesquecíveis da literatura portuguesa.

1. A Transformação do Amador em Objetos de Amor, Camões

Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho logo mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;

[E] o vivo e puro amor de que sou feito,

Como matéria simples busca a forma.

Luís de Camões (1524/25-1580) é considerado um dos maiores escritores da língua portuguesa, sendo o poema acima um clássico dentro de sua obra.

A forma clássica de um soneto foi usada para expressar como o amor idealizado é transformado naquilo que é amado. Não há rimas nestes versos, mas o tema é bem frequente na lírica amorosa.

Ao ler os versos de Camões, percebemos o amor como um sentimento versátil, capaz de unir o sujeito que ama com a pessoa amada. O eu-lírico deseja alcançar o amor na sua plenitude, não apenas unindo os corpos, mas também as almas.

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2. Comemorando o Aniversário de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

O poema Aniversário, do heterônimo Álvaro de Campos de Fernando Pessoa (1888-1935), trata da fugacidade do tempo. O trecho inicial deste poema retrata o sentimento do eu-lírico, que usa o aniversário como oportunidade para observar o quanto as coisas mudaram em sua vida. Assim, o aniversário passa a ser um momento para a reflexão e para o balanço de sua existência.

O sujeito poético vê o passado como um lugar de plenitude, quase idealizado, enquanto percebe o presente como algo que causa ausência e sofrimento. É uma perspectiva pessimista do curso do tempo.

O eu-lírico sente-se confuso e decepcionado, sem saber o que fazer em relação a seu próprio destino, diante dos dois momentos e das transformações ocorridas.

3. Amor de Florbela Espanca

Eu quero amar, amar perdidamente!

Amar só por amar: Aqui... além...

Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...

Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...

Prender ou desprender? É mal? É bem?

Quem disser que se pode amar alguém

Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:

É preciso cantá-la assim florida,

Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada

Que seja a minha noite uma alvorada,

Que me saiba perder... pra me encontrar...

No soneto de Florbela Espanca (1894-1930), ela exalta o amor, retratando-o como um sentimento forte e inescapável.

Neste soneto dedicado ao amor, não há a idealização Ocidental do sentimento, como a crença de que se possa amar a mesma pessoa durante toda a vida.

Os versos são usados pelo sujeito poético para desfazer a ideia romântica de amor por outra pessoa e para incentivar uma perspectiva de amar a si mesmo.

Durante todo o poema, o amor é retratado como um meio para se ter um futuro próspero, abarrotado de chances e reuniões.

4. Morte por Amor de Maria Teresa Horta

Morrer de amor

ao pé da tua boca

Desfalecer

à pele

do sorriso

Sufocar

de prazer

com o teu corpo

Trocar tudo por ti

se for preciso

A celebrada poetisa portuguesa Maria Teresa Horta (1937) revela-nos em Morrer de amor versos apaixonados que prometem uma entrega irrestrita e total.

Embora possa ser aterrorizante, a figura poética mostra intensa alegria por estar completamente fora de controle.

O eu-lírico faz todos os esforços possíveis para alcançar seu amado, que parece estar em um pedestal inatingível. Colocando-o como a única fonte de sua felicidade, o eu-lírico se torna responsável por todas as tentativas de conseguir o objetivo desejado.

5. Sophia de Mello Breyner nos Jardins de Todos

Em todos os jardins hei-de florir,

Em todos beberei a lua cheia,

Quando enfim no meu fim eu possuir

Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,

A tudo quanto existe me hei-de unir,

E o meu sangue arrasta em cada veia

Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo

Todo o fogo que habita na floresta

Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,

A secreta abundância dessa festa

Que eu via prometida nas imagens.

A natureza é um tema constante na poesia de Sophia de Mello Breyner (1919-2004). O mar, particularmente, é um elemento recorrente em sua obra. A lírica portuguesa é repleta de referências ao meio ambiente.

No poema Em Todos os Jardins, escrito em 1944, o eu-lírico anseia por uma conexão com a natureza, desejando encontrar uma harmonia com o meio ambiente no momento da sua morte.

É importante enfatizar o papel protagonista do sujeito poético nos versos, dando destaque aos elementos naturais (fogo, água, ar e terra).

6. Recreando-se com Mário de Sá-Carneiro

Na minha Alma há um balouço

Que está sempre a balouçar ---

Balouço à beira dum poço,

Bem difícil de montar...

- E um menino de bibe

Sobre ele sempre a brincar...

Se a corda se parte um dia

(E já vai estando esgarçada),

Era uma vez a folia:

Morre a criança afogada...

- Cá por mim não mudo a corda,

Seria grande estopada...

Se o indez morre, deixá-lo...

Mais vale morrer de bibe

Que de casaca... Deixá-lo

Balouçar-se enquanto vive...

- Mudar a corda era fácil...

Tal ideia nunca tive...

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) escreveu um poema cujo título convida à lembrança da infância. Aponta para o regresso ao universo de memórias felizes dos tempos de menino.

Os versos evidenciam como permanecem na vida adulta algumas características e comportamentos da infância. Além disso, é possível ver a instabilidade da condição da criança, que se diverte num balanço amarrado a uma corda desgastada junto ao poço.

Os versos têm um poder imenso de imaginação: cada leitor tem seu próprio cenário, que mistura a tensão com a diversão.

7. Gonçalo M. e o seu Livro

De manhã, quando passei à frente da loja

o cão ladrou

e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro

o impediu.

Ao fim da tarde,

depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do

jardim

regressei pelo mesmo caminho

e o cão não me ladrou porque estava morto,

e as moscas e o ar já haviam percebido

a diferença entre um cadáver e o sono.

Ensinam-me a piedade e a compaixão

mas que posso fazer se tenho um corpo?

A minha primeira imagem foi pensar em

pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:

Venci-te.

Continuei o caminho,

o livro de poesia debaixo do braço.

Só mais tarde pensei ao entrar em casa:

não deve ser bom ter ainda a corrente

de ferro em redor do pescoço

depois de morto.

E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,

esbocei um sorriso, satisfeito.

Esta alegria foi momentânea,

olhei à volta:

tinha perdido o livro de poesia.

"O Livro" é a obra poética de Gonçalo M.Tavares (1970). Com versos elegantes e expressivos, esse poema conta uma pequena história. O poema nos mostra um cenário bem representado, e o personagem principal, o eu-lírico, passando na frente de um cão bravo com seu livro de poesia embaixo do braço.

Ao regressar para casa, o cão, que estava antes tão feliz, estava agora morto, com várias moscas a rondar o seu corpo. Embora sentisse compaixão pelo seu falecimento, por outro lado sentia-se feliz por estar vivo.

Ao leitor é apresentada uma conclusão inesperada e banal: o livro de poesia foi perdido. O que parecia ser uma mensagem existencial mais profunda ganhou essa forma simples e desapontadora.

8. Cesário Verde e suas Contrariedades

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;

Nem posso tolerar os livros mais bizarros.

Incrível! Já fumei três maços de cigarros

Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:

Tanta depravação nos usos, nos costumes!

Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes

E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora

Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;

Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes

E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!

Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.

Lidando sempre! E deve conta à botica!

Mal ganha para sopas...

Fernando Pessoa é conhecido por muitos, mas poucos conhecem o trabalho de Cesário Verde (1855-1886), o pai do modernismo na literatura portuguesa. Seu trabalho foi inspirador para Pessoa e é considerado como um dos principais precursores do modernismo na literatura portuguesa.

No poema Contrariedades, o eu-lírico é retratado como moderno, ansioso e angustiado. A velocidade do tempo e a transformação contínua das paisagens urbanas são temas que despertam sua preocupação.

Sendo um grande poeta, Cesário Verde também é um excelente retratista da vida da sua época. Ele presencia a devastação ao seu redor e fica desorientado, sem saber o que fazer ou como se comportar.

9. Análise de um poema de Herberto Helder

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol.

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento,

- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas,

a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Estes versos são característicos de um metapoema, ou seja, são usados para representar o processo de composição do poeta.

O eu-lírico criado por Herberto Helder (1930-2015) estabelece com o leitor uma relação de cumplicidade e partilha. Ao observarmos a estrutura das poesias, vemos que são compostas de versos livres, tendo como principal característica a ausência de rigor estético.

O sujeito poético é o responsável por discorrer sobre a estrutura do poema e, ao mesmo tempo, retratar a origem do poema e suas características biológicas.

Percebemos, a partir dessas poucas linhas, que o poeta não detém o domínio do poema. O processo de criação tem desdobramentos imprevistos, causando, desse modo, surpresa ao próprio autor.

10. Pôr a Mesa: Uma História de Cinco Pessoas, de José Luís Peixoto

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viúva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.

José Luís Peixoto (1974) é considerado um dos mais notáveis nomes da poesia portuguesa contemporânea. Seus versos íntimos descrevem o cotidiano familiar e se esforçam para traduzir a fluidez do tempo.

Ao longo dos ciclos da vida, a família muda e evolui. Os versos evidenciam esta mudança: alguns saem de casa, outros se casam, o pai parte e o poema é o testemunho desta transformação.

Mesmo com o passar do tempo e todas as mudanças que foram acontecendo, o sujeito poético chegou à conclusão de que seu sentimento interior ainda se manteve inalterado.

Carolina Marcello
Escrito por Carolina Marcello

Formou-se em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes pela mesma instituição. Durante os estudos universitários, foi co-fundadora do Grupo de Estudos Lusófonos da faculdade e uma das editoras da revista da mesma, que se dedica às literaturas de língua portuguesa.