Descobrindo Pablo Neruda: Uma Análise de 5 Poemas


Escrito por Sónia Cunha

Pablo Neruda (1905-1973) é amplamente reconhecido como um dos maiores poetas latino-americanos do século XX.

O escritor, nascido no Chile, deixou um legado literário formado por mais de quarenta obras que abarcam os mais variados temas, desde poesias épicas com cunho político até versos românticos de amor.

Ele foi amplamente reconhecido durante sua vida, tendo recebido o Prêmio Nobel de Literatura em 1971.

1. A Tristeza da Desesperança

Eu já tenho as pupilas desoladas

de não ver um caminho enganador!

Pensar que o Sol, quando eu houver morrido,

sairá...! Por que não deverá sair?

Sou uma esponja que ninguém premeu,

e sou um vinho que ninguém bebeu.

A publicação "O rio invisível" de 1982 contém diversos textos líricos de Neruda feitos durante sua adolescência e começos de vida adulta, sendo que "Balada do desespero" é integrante daquela obra.

O poema não tem nenhuma rima e já mostra algo sobre o autor, que é ainda jovem, mas que tem consciência de sua fragilidade e percebe a insignificância de cada pessoa diante da imensidão do universo.

A perda da mãe ainda bebê talvez seja a razão para o interesse do poeta sobre a temática da morte. Ele passou a infância com o pai na cidade de Temuco, que fica no sul do Chile.

Antes dos quinze anos, Neftali Ricardo Reyes decidiu adotar o nome de Pablo Neruda, homenageando o escritor tcheco Jan Neruda.

2. A Eu Pássaro

Chamo-me pássaro Pablo,

ave de uma pena só,

voador na escuridão clara

e claridade confusa,

minhas asas não são vistas,

os ouvidos me retumbam

quando passo entre as árvores

ou por debaixo das tumbas

qual funesto guarda-chuva

ou como espada desnuda,

estirado como um arco

ou redondo como uma uva,

voo e voo sem saber,

ferido na noite escura,

aqueles que vão me esperar,

os que não querem meu canto,

os que me querem ver morto,

os que não sabem que chego

e não virão para vencer-me,

a sangrar-me, a retorcer-me

ou beijar minha roupa rota

pelo sibilante vento.

Por isso eu volto e vou,

voo mas não voo, mas canto:

pássaro furioso sou

da tempestade tranquila.

O poeta Neruda demonstrou grande entusiasmo pelas aves e pela natureza, como se pode ver em seu poema publicado no livro Arte de pássaros (1966).

Ao representar-se como uma ave em seu autorretrato, o poeta criou uma imagem quase mística, fundindo a figura humana com a de um animal.

Como um símbolo de liberdade, o pássaro é usado como metáfora para demonstrar partes da personalidade. Dizer que é “ave de uma pena só” significa que sua conduta e princípios são consistentes, sem mudanças.

Quando Neruda usa a frase “me querem ver morto”, ele parece se referir à repressão que enfrentou por conta de seu envolvimento com o Partido Comunista. O poeta foi reconhecidamente um membro desta organização política, e sofreu consequências por isso.

3. Data de 4 de Setembro de 1970

Que se recorde: por fim há unidade!

Viva o Chile, Aleluia e Alegria.

Viva o cobre e o vinho e o nitrato.

Que vivam a unidade e a porfia!

Sim, senhor. O Chile tem candidato.

Muito custou era uma fantasia.

até que hoje a luta se compreende.

Marchar, marchar como a luz do dia.

O presidente é Salvador Allende.

Toda a vitória causa calafrio,

porque se ganha o povo há uma lasca

que entra no focinho do invejoso.

(Um sobe e o outro para seu buraco

desce fugindo do tempo e da história.)

Enquanto Allende chega à vitória

vão-se os Baltras como sujas baratas.

Em 1973, Pablo Neruda publicou a obra Incitação ao nixonicídio e louvor da revolução chilena, uma homenagem à revolução do povo chileno. O livro aborda temas políticos, servindo como uma defesa da luta de libertação do povo chileno.

Salvador Allende foi finalmente bem-sucedido nas eleições de 1970, depois de ter se candidatado três vezes antes. O poema celebra esta grande vitória.

Nos anos 1970, Allende foi o primeiro presidente socialista a ser eleito democraticamente. Infelizmente, três anos depois, ocorreu o golpe de Estado que colocou em vigor a ditadura militar de Pinochet. Esse fato resultou na morte de milhares de pessoas.

O poema de Neruda é um clássico que exprime sua grande admiração por Allende, bem como sua esperança de dias melhores e seu desprezo pelos seus inimigos. Como reconhecimento de seu trabalho literário e de sua devoção a Allende, o escritor foi nomeado embaixador do Chile em Paris em 1971.

“As minhas palavras são pedras que atiram contra a desilusão e a exploração”. Neruda afirmou: “Minhas palavras são como pedras que visam atingir a desilusão e a exploração”, quando se trata de sua poesia engajada.

É ela que me dá as palavras." Eu não tenho sido instruído para escrever minha poesia política. Não há aprendizagem nem doutrinação por trás dela. É a tragédia de meu povo que me fornece as palavras para expressar meus sentimentos. Vivemos isso juntos e essa é a minha fonte de inspiração.

Ao escrever poesia política, não há outra alternativa num país ou continente em que tudo precisa ser feito do que expressar o apoio aos perseguidos, aos pobres e aos oprimidos. Se um homem não fizer isso, ele não se sentirá um homem; e um poeta não poderá se sentir poeta se não tomar tal atitude.

4. Retrato Autobiográfico

De minha parte,

sou ou creio ser duro de nariz,

mínimo de olhos,

escasso de pelos na cabeça,

crescente de abdomen,

comprido de pernas,

largo de solas,

amarelo de tez,

generoso de amores,

impossível de cálculos,

confuso de palavras,

terno de mãos,

lento de andar,

inoxidável de coração,

aficionado às estrelas, marés, maremotos,

administrador de escaravelhos,

caminhante de areias,

torpe de instituições,

perpetuamente chileno,

amigo de meus amigos,

mudo de inimigos,

intrometido entre pássaros,

mal educado em casa,

tímido nos salões,

arrependido sem objeto,

horrendo administrador,

navegante de boca,

ervateiro da tinta,

discreto entre os animais,

afortunado nos nuvarrões,

investigador em mercados,

obscuro nas bibliotecas,

melancólico nas cordilheiras,

incansável nos bosques,

lentíssimo de contestações,

ocorrente anos depois,

vulgar durante todo o ano,

resplandecente com meu caderno,

monumental de apetite,

tigre para dormir,

sossegado na alegria,

inspetor do céu noturno,

trabalhador invisível,

desordenado, persistente,

valente por necessidade,

covarde sem pecado,

sonolento por vocação,

amável com mulheres,

ativo por padecimento,

poeta por maldição e bobo com chapéu de burro.

Em "Autorretrato", Pablo Neruda se submete a uma profunda auto análise. O poema, com seus versos, descreve sua forma física e emocional. Ele revela suas paixões, como a afinidade com as estrelas, marés e maremotos, e a amabilidade com as mulheres.

Declarando-se “valente por necessidade”, essa afirmação expõe fortemente as convicções políticas e os temores desta pessoa em relação a questões críticas em sua vida.

O poema de Neruda reflete a personalidade única e multifacetada que ele desenvolveu ao longo dos anos, após ter estado em contato com diversas culturas, países e pessoas importantes.

No texto lírico, o poeta faz uso de elementos da natureza para estabelecer comparações com seu modo de ser e agir. A natureza é usada como uma metáfora para desenvolver suas ideias.

5. Para Sempre

Antes de mim

Não tenho ciúmes.

Vem com um homem

às tuas costas,

vem com cem homens entre os teus cabelos,

vem com mil homens entre teu peito e teus pés,

vem como um rio

cheio de afogados

que encontra o mar furioso,

a espuma eterna, o tempo!

Traz todos eles

para onde eu te espero:

sempre estaremos sós,

sempre seremos tu e eu

sozinhos sobre a terra

para começar a vida!

Pablo Neruda é conhecido por seus poemas de amor. Muitos deles discutem o tema em profundidade, explorando sentimentos, relacionamentos e tudo o mais relacionado ao tema.

"Sempre", presente no livro "Os versos do Capitão", foi publicado anonimamente em 1952.

Neste poema curto de Neruda, a ausência de ciúmes é abordada de forma sábia. O personagem entende que sua amada já teve outros amores no passado, mas ele não se sente inseguro ou intimidado, pois sabe que a conexão entre eles é um novo capítulo na vida de ambos.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.