Análise de 12 Poemas de Amor de Carlos Drummond de Andrade


Escrito por Laura Aidar

O poeta modernista Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) é um dos grandes nomes da poesia brasileira. Ele escreveu algumas das mais célebres linhas da nossa literatura.

O poeta, que prestaria atenção às mudanças que aconteciam nas grandes cidades, também observava as profundas emoções humanas e expressava-as através da sua poesia. Por isso, dedicou muitas das suas obras ao extenso universo do amor.

1. O Tempo do Amor

Amor é privilégio de maduros

Estendidos na mais estreita cama,

Que se torna a mais larga e mais relvosa,

Roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,

O prêmio subterrâneo e coruscante,

Leitura de relâmpago cifrado,

Que, decifrado, nada mais existe

Valendo a pena e o preço do terrestre,

Salvo o minuto de ouro no relógio

Minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,

Depois de se arquivar toda a ciência

Herdada, ouvida. Amor começa tarde.

O sentimento amoroso é descrito como algo precioso, destinado apenas àqueles que são maduros o suficiente para compreender seu significado. O sujeito afirma que tanto a intensidade quanto a profundidade do amor dependem do tempo, pois quanto maior for o envolvimento, melhor será a experiência.

Encontrar o céu no corpo do outro é o que torna o amor tão mágico. A cama dos amantes é o espaço onde eles se conectam e desvendam segredos, surpreendendo-se mutuamente. É este amor cristalizado que torna tudo o resto tão importante.

Ao longo da vida, adquirimos conhecimento, e essa aquisição nos traz uma sabedoria transformadora.

2. Dança da Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

Drummond representa o amor como uma dança de quadrilha, na qual os parceiros se trocam, causando desencontros.

O sujeito transmite uma visão muito pessimista: pessoas se apaixonam, mas não há reciprocidade e poucos conseguem alcançar seus objetivos. O tom do discurso é quase infantil e divertido.

Aqui, a maioria dos personagens é delineada com destinos marcados pela solidão ou tragédia. Contudo, Lili foi exceção, pois na primeira estrofe ela não amava ninguém, porém teve sorte de casar.

Apesar da inicial inocência sugerida pelo poema, o modo como o nome do marido é mencionado reflete uma frialdade e um tom impessoal. Isto transmite uma sensação de desencanto, destacando a impossibilidade de um amor real e recíproco.

3. O Amor que Unimos

O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo

acha a razão de ser, já dividido.

São dois em um: amor, sublime selo

que à vida imprime cor, graça e sentido.

"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa

embalsamando a tarde melodiosa

no canto mais oculto do jardim,

mas seu perfume não chegou a mim.

O ser humano foi criado com o intuito de se relacionar com os demais. É necessário que haja laços entre as pessoas para que cumpra o seu propósito.

Ele descobre a felicidade verdadeira quando encontra alguém para amar. É como se parte dele, que estava incompleta, fosse de repente preenchida com a chegada dessa pessoa. A união de duas pessoas passa a ter um significado maior para ele.

O sentimento amoroso é glorificado por Drummond: ele nos concede alegria e encher nossas vidas de cor. O seu poder é tão grande que se manifesta sem qualquer explicação, mas que tem o poder de transformar o nosso mundo.

4. Última Canção

Oh! se te amei, e quanto!

Mas não foi tanto assim.

Até os deuses claudicam

em nugas de aritmética.

Meço o passado com régua

de exagerar as distâncias.

Tudo tão triste, e o mais triste

é não ter tristeza alguma.

É não venerar os códigos

de acasalar e sofrer.

É viver tempo de sobra

sem que me sobre miragem.

Agora vou-me. Ou me vão?

Ou é vão ir ou não ir?

Oh! se te amei, e quanto,

quer dizer, nem tanto assim.

A separação parece ter inspirado o autor a escrever este poema, quando ele se deu conta do grande amor que sentia pela sua ex-parceira.

Ele sente que o tempo e a distância o deixaram confuso, com sentimentos como tristeza e saudade abalando sua visão.

A solidão, a tristeza e o vazio do momento presente parecem amplificar ou exacerbar a antiga paixão. É o que o eu-lírico confessa na última estrofe, como se tivesse consciência de que, no fundo, não amava "tanto assim".

5. A Ravinação da Destruição

Os amantes se amam cruelmente

e com se amarem tanto não se veem.

Um se beija no outro, refletido.

Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados

pelo mimo de amar: e não percebem

quanto se pulverizam no enlaçar-se,

e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma

que os passeia de leve, assim a cobra

se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.

Deixaram de existir, mas o existido

continua a doer eternamente.

Em "Pablo de Tarso", Carlos Drummond de Andrade aborda a paixão não só como uma força criadora, mas também como uma força que tem um grande potencial destrutivo. O poema reflete sobre essa dualidade, examinando como a paixão pode levar à construção, mas também como ela pode destruir.

O sujeito pensa que, ao amarem, as pessoas mostram a sua crueldade e são dominadas por sentimentos intensos, negligenciando as necessidades do outro. Assim, parece que se trata de uma disputa, uma luta de vontades, onde amam-se a si mesmos a partir do outro.

O amor deixou uma profunda marca em ambos os corações. Nada mais era importante quando o sentimento avassalador tomou conta de suas almas. Apesar do término, a memória desse amor ainda ecoa na vida deles, sempre relembrada nos caminhos que percorreram.

6. Revivendo a Memória

Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

Neste poema sobre a perda e a ausência, o eu-lírico expressa sua admiração por um amor que transcende as barreiras do tempo e do espaço.

Ele confessa que ainda ama alguém que já não está mais ao seu lado, e mesmo que ele queira esquecer, seus sentimentos desobedecem à sua vontade. Isso o leva a entender que, quando algo está em nossas mãos, é possível que nos tornemos indiferentes.

Tudo aquilo que já faz parte do nosso passado é eterno e inesquecível, estando sempre presente ao nosso lado.

7. Mesmo Quando Tudo Parece Errado

Ainda que mal pergunte,

ainda que mal respondas;

ainda que mal te entenda,

ainda que mal repitas;

ainda que mal insista,

ainda que mal desculpes;

ainda que mal me exprima,

ainda que mal me julgues;

ainda que mal me mostre,

ainda que mal me vejas;

ainda que mal te encare,

ainda que mal te furtes;

ainda que mal te siga,

ainda que mal te voltes;

ainda que mal te ame,

ainda que mal o saibas;

ainda que mal te agarre,

ainda que mal te mates;

ainda assim te pergunto

e me queimando em teu seio,

me salvo e me dano: amor.

Neste texto, são elencadas as inúmeras dificuldades que podem surgir em um relacionamento. O sujeito e quem ele ama se desentendem, brigam e se separam, tendo que se reconciliar, e sofrendo durante todo o processo. Além disso, eles não se conhecem bem e há problemas de comunicação entre eles.

Ele não desiste do sentimento amoroso, pelo contrário, o abraça e o segue. Por fim, o eu-lírico reconhece a dualidade deste sentimento, pois o amor pode ser salvador mas também pode ser punitivo.

8. Os Motivos do Amor

Eu te amo porque te amo.

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou de mais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

O poema de Drummond descreve o amor como algo inexplicável. É como se fosse um encanto, um milagre que pode ser sentido em todos os lugares. Não há nenhuma justificativa racional para ele, mas uma sensação de "estado de graça" é espalhada por aí.

O amor é algo que não pode ser expresso em palavras ou seguir qualquer regra pré-determinada. Por isso, o sentimento existe, independentemente de qualquer outra coisa, por conta própria.

Ele é uma contradição insuperável: ao mesmo tempo efêmero e eterno. Pode desaparecer em um instante ou ultrapassar a própria morte.

9. Apaixonar-se Novamente

O amor antigo vive de si mesmo,

não de cultivo alheio ou de presença.

Nada exige nem pede. Nada espera,

mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,

feitas de sofrimento e de beleza.

Por aquelas mergulha no infinito,

e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona

aquilo que foi grande e deslumbrante,

o antigo amor, porém, nunca fenece

e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.

Mais triste? Não. Ele venceu a dor,

e resplandece no seu canto obscuro,

tanto mais velho quanto mais amor.

O poema lembra-nos que o amor não precisa de alimentação ou presença para existir. Ele tem a sua própria força, capaz de sobreviver sem qualquer exigência. É um sentimento que não depende de mais nada para ser sentido.

Nos versos esses, fica evidente que, apesar de não ter esperança, o sujeito não está disposto a aceitar a divisão do destino.

Ele acredita que as lembranças de um amor perdido serão eternas, como raízes que ligam os amantes e desafiam as leis da natureza. Mesmo a passagem do tempo não pode destruir o sentimento, ao contrário, tem o poder de reforçá-lo.

10. Sentir o Amor

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer, amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal,

senão rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o cru,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e

uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,

e na secura nossa amar a água implícita,

e o beijo tácito, e a sede infinita.

Neste poema de Drummond, o amor é apresentado como o principal motivo para a existência humana. O ser humano foi fabricado para amar acima de tudo.

Na imensidão do mundo, os indivíduos se apegam aos laços amorosos como se fossem âncoras, guiando-os pelos caminhos que traçam.

Paixões, despedidas, superações e novos laços de amizade são o que compõem as vidas de todos. O amor é o combustível que dá significado à nossa existência.

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11. Desilusão Amorosa: Um Necrológio

Os desiludidos do amor

estão desfechando tiros no peito.

Do meu quarto ouço a fuzilaria.

As amadas torcem-se de gozo.

Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,

escreveram cartas explicativas,

tomaram todas as providências

para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.

Eu vou, tu ficas, mas nos veremos

seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia

dos desiludidos que se mataram.

Que grandes corações eles possuíam.

Vísceras imensas, tripas sentimentais

e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério

levar os corpos dos desiludidos

encaixotados competentemente

(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,

sem coração, sem tripas, sem amor.

Única fortuna, os seus dentes de ouro

não servirão de lastro financeiro

e cobertos de terra perderão o brilho

enquanto as amadas dançarão um samba

bravo, violento, sobre a tumba deles.

Estes versos trágicos parecem ter sido escritos por um coração partido que experimentou o desprezo de quem amava. Agora, ele ouve e registra o sofrimento dos outros, retratado pela forma como os desenganados se atiram no próprio peito.

Enfurecidos, eles deixam cartas de despedida, na esperança de provocar remorso e culpa nas suas amadas. Embora magoados, ainda acreditam que se verem novamente, seja no céu ou no inferno.

Os românticos são caracterizados por sua sensibilidade, grande coração e propensão à melancolia. O narrador, por sua vez, observa com tristeza e cinismo a despreocupação das pessoas amadas diante da morte de seus amantes.

12. A Porta do Amor Está Batendo

Cantiga do amor sem eira

nem beira,

vira o mundo de cabeça

para baixo,

suspende a saia das mulheres,

tira os óculos dos homens,

o amor, seja como for,

é o amor.

Meu bem, não chores,

hoje tem filme de Carlito!

O amor bate na porta

o amor bate na aorta,

fui abrir e me constipei.

Cardíaco e melancólico,

o amor ronca na horta

entre pés de laranjeira

entre uvas meio verdes

e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,

meu amor, não te atormentes.

Certos ácidos adoçam

a boca murcha dos velhos

e quando os dentes não mordem

e quando os braços não prendem

o amor faz uma cócega

o amor desenha uma curva

propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro

o amor subiu na árvore

em tempo de se estrepar.

Pronto, o amor se estrepou.

Daqui estou vendo o sangue

que escorre do corpo andrógino.

Essa ferida, meu bem,

às vezes não sara nunca

às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor

irritado, desapontado,

mas também vejo outras coisas:

vejo corpos, vejo almas

vejo beijos que se beijam

ouço mãos que se conversam

e que viajam sem mapa.

Vejo muitas outras coisas

que não ouso compreender…

Em seu poema aclamado por leitores de diversas gerações, Drummond aborda a força e o poder do amor. Esta emoção é tão intensa que pode mudar as ações de qualquer pessoa, desafiando até as mais estabelecidas regras sociais - virando tudo "de cabeça para baixo".

Ele vem bater na nossa porta, trazendo consigo uma imagem andrógina de coragem e irresponsabilidade. Uma vez ali, pode nos motivar a cometer os mais audaciosos atos, pois é, ao mesmo tempo, selvagem e astuto.

Às vezes, o amor funciona, mas, em outras, não dá certo, deixando marcas profundas ou desaparecendo rapidamente. Essa é uma das mais grandes complexidades desse sentimento.

A narrativa é feita de uma forma leve e alegre, mostrando que as alegrias e tristezas que o sentimento nos traz fazem parte comum da nossa existência.

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.