Análise e Interpretação dos Versos Íntimos de Augusto dos Anjos


Escrito por Sónia Cunha

Augusto dos Anjos é celebrado por seu poema Versos Íntimos, o quais expressam um profundo sentimento de decepção e pessimismo sobre os relacionamentos interpessoais.

Em 1912, Augusto dos Anjos teve seu único livro editado: Eu. Lançado naquele ano, ele tinha 28 anos e o soneto presente nele foi escrito por ele mesmo.

Poesia Íntima

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de sua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

Decifrando os Versos Íntimos: Uma Análise

O poema reflete uma perspectiva sombria da existência. A linguagem empregada pelo autor é uma repreensão ao parnasianismo, uma corrente literária caracterizada por uma expressão erudita e um sentimentalismo exagerado.

A dualidade da vida do ser humano é clara nesta obra, mostrando como o bem pode se tornar o mal a qualquer momento.

Ao ler o poema intitulado "Versos Íntimos", há um contrastante desvio entre o que o título sugere e o que o poeta apresenta. Apesar do título remeter para o romantismo, o conteúdo do poema não segue esta temática.

Depois, oferecemos uma interpretação possível para cada verso.

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de sua última quimera.

Somente a Ingratidão – esta pantera –

Foi tua companheira inseparável!

O enterro da última quimera indica o término da esperança ou o desaparecimento do último sonho. Esta temática transmite o sentimento de que as pessoas geralmente são ingratas como animais selvagens. Por exemplo, a descrição de uma feroz pantera reflete esse pensamento, pois ninguém se importa com os sonhos destruídos dos outros.

Acostuma-te à lama que te espera!

O homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

O autor sugere que é melhor se acostumar com a realidade cruel e miserável do mundo o mais cedo possível, pois isso tornará mais fácil enfrentar a inevitável queda. Afinal, é inevitável que o Homem volte à lama e se transforme em pó.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

O poeta adota uma linguagem coloquial ao alertar o seu "amigo" para os perigos de confiar demais nas outras pessoas, pois de acordo com o poeta, elas podem trair ou desprezar o seu sentimento.

O amor não é algo fácil de manter, e o que começa como demonstrações de carinho e amizade pode acabar em desilusão. Apesar de um beijo ser uma prova de amizade, ele também pode sinalizar o início de um mal que irá proporcionar sofrimento. A boca que antes contribuía para a alegria, pode virar a causadora de dor e desapontamento.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

O autor defende que, para prevenir o sofrimento futuro, é necessário "cortar o mal pela raiz". Para tal, sugere que cuspamos na boca de quem nos beija e apedrejemos a mão que nos acaricia. A ideia é que, mais cedo ou mais tarde, as pessoas nos desiludem e nos magoam, por isso é importante prevenir essa situação.

Veja mais

Análise da Poética de Versos Íntimos

Uma obra poética que é classificada como um soneto consiste em quatro estrofes: dois quartetos, cada um com quatro versos, e dois tercetos com três versos cada.

O poema de Augusto dos Anjos possui versos decassílabos com rimas regulares no estilo de soneto francês (ABBA/BAAB/CCD/EED). Veja abaixo a disposição das rimas:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável(A)

Enterro de tua última quimera.(B)

Somente a Ingratidão — esta pantera -(B)

Foi tua companheira inseparável!(A)

Acostuma-te à lama que te espera!(B)

O Homem, que, nesta terra miserável,(A)

Mora, entre feras, sente inevitável(A)

Necessidade de também ser fera.(B)

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!(C)

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,(C)

A mão que afaga é a mesma que apedreja.(D)

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,(E)

Apedreja essa mão vil que te afaga,(E)

Escarra nessa boca que te beija!(D)

Publicação de um Poema

O livro "Eu, único" de Augusto dos Anjos (1884-1914) contém o poema intitulado "Versos íntimos". Esta obra é considerada uma das principais produções do autor do século XIX.

A obra do autor, lançada em 1912, no Rio de Janeiro, quando tinha 28 anos, é reconhecida como um dos principais exemplos de pré-modernismo. Esta compilação de poemas apresenta uma abordagem melancólica, mas ao mesmo tempo dura e crua.

Primeira edição do livro Eu, publicado em 1912, que abriga o soneto Versos íntimos.

Em 1912, o poeta publicou seu trabalho mais conhecido. Infelizmente, apenas dois anos após a publicação, ele veio a falecer precocemente devido a uma pneumonia.

Declamação de Versos Íntimos

Othon Bastos recita o poema "Eu" de Augusto dos Anjos. O resultado pode ser conferido na íntegra.

Versos Íntimos foi eleito por diversos escritores consagrados como um dos cem melhores poemas brasileiros do século XX.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.