Fernando Pessoa (1888 — 1935), considerado um dos mais importantes nomes da poesia e da crítica literária portuguesa, criou Álvaro de Campos, um dos seus heterônimos.
O amor, esse tema tão universal, foi abordado pelo poeta português pioneiro do modernismo. Ele escreveu sobre diversos assuntos.
Todas as cartas de amor são ridículas
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Explorando o Poema: Uma Análise e Interpretação
O poema modernista apresenta uma liberdade formal distinta, evidenciada por estrofes e métrica irregulares, assim como pela ausência de rimas e pelo uso de vocabulário próximo à linguagem coloquial.
Empregando termos inusualmente associados à poesia, os versos contemplam o tema do amor a partir de uma perspectiva única.
Algo que chama a atenção imediatamente é a presença de uma ideia recorrente ao longo da composição, como se o autor estivesse tentando defender um argumento.
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
A partir dos versos iniciais, o eu-lírico parece afirmar que as cartas de amor são, por natureza, ridículas. Esta ideia parece ser algo comum e universal, contudo, poderia soar ainda mais controversa na época em que foi dita.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
Na segunda estrofe, o sujeito se sente parte dessa história e assume que, anteriormente, também havia escrito cartas de amor. Contudo, ao retrospectivamente observar suas declarações, reconhece que elas eram tão extravagantes quanto às de todos os outros.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Voltando à sua tese, o indivíduo afirma na terceira estrofe que quando o amor é verdadeiro, é impossível escapar do caráter exageradamente emotivo.
Afinal, é natural que as cartas de amor sejam repletas de expressões usuais e sentimentos intensos; elas não poderiam ser diferentes.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
A quarta estrofe reveste-se de importância para que o leitor compreenda o significado real do poema. Aquilo que poderia parecer uma crítica ao sentimentalismo romântico até então, é alterado nestes versos, sugerindo um novo quadro.
O eu-lírico afirma que é ridículo o comportamento das pessoas que não expressam suas emoções com sinceridade e sem quaisquer restrições. A repreensão parece dirigida àqueles que criticam os outros por nunca se terem apaixonado.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
Ele se aprofunda na memória e revive aqueles tempos com saudade. Recorda o passado com nostalgia, enxergando em suas lembranças uma inocência e esperança encantadoras.
No passado, quando escrevia correspondência amorosa, o sujeito não se importava com o que os outros pensariam sobre o seu comportamento, nem estava consciente de que isso poderia parecer ridículo.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
Agora, mais velho e mais cético, o narrador poético tem vergonha das palavras ardorosas que antes escreveu. Nessa estrofe, ele nota que o que é realmente triste é como ele se lembra de tudo isso, possivelmente com desgosto e ressentimento.
Com o passar do tempo, parece que houve uma mudança na forma como essa pessoa entende e vivencia o sentimento amoroso. Fica evidente que ela se tornou mais reservada e incapaz de expressar-se com tanta intensidade e sinceridade.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
No último verso, o eu-lírico resume a sua mensagem anterior, dando-lhe um tom de confissão adicional.
Ao ler uma carta romântica, aqueles que estão de fora podem se sentir estranhados, até mesmo com escárnio. É possível que a mensagem seja percebida como cômica, melosa ou até absurda. Porém, deve-se lembrar que a paixão é capaz de tomar conta e dominar um indivíduo, fazendo-o cometer atos inesperados e, muitas vezes, incompreensíveis para aqueles que estão à volta.
Amar é um sentimento que desafia as convenções e comportamentos sociais. Pode significar perder a racionalidade e expressar os sentimentos de forma incomum. Contudo, essa expressão pode soar bizarra para pessoas ao redor.
Ele deseja transmitir o indizível: expressar por palavras aquilo que domina o coração, demonstrando que a linguagem é insuficiente para manifestar as mais profundas emoções.
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Amor às Cartas: O Legado de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa escreveu diversas cartas românticas para Ofélia Queiroz, que é conhecida como sua única namorada. Esta informação é de grande relevância para uma análise mais aprofundada da obra do poeta.
Em 1920, ele começou a trocar correspondência com a jovem, enviando diversos bilhetes românticos. Esses bilhetes são hoje publicados.
Nas suas palavras, transparecia o delicado tom, doce e até ingênuo, do grande poeta da língua portuguesa quando se dirigia à sua mulher amada.
Confira o poema declamado pela cantora brasileira Maria Bethânia: "O amor que faz voltar".