Fernando Pessoa escreveu o poema intitulado "Presságio", mais conhecido como "O amor, quando se revela", em 24 de abril de 1928. Esta composição, escrita na fase final da vida do autor, foi assinada com seu nome (ortônimo) e é caracterizada por vários elementos típicos de sua lírica.
Apesar de lidar com o tema do amor, Pessoa não o celebra, o que seria habitual em poesia. Ao invés disso, o sujeito lírico desabafa sobre suas limitações em estabelecer laços amorosos.
Presságio: um Poema
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Interpretação e Análise do Poema
Esta composição conta com cinco estrofes de quatro versos cada. Os versos rimam segundo o esquema cruzado, ou seja, o primeiro e o terceiro, o segundo e o quarto rimam entre si (A – B – A – B).
Apoiando-se na tradição poética popular e na linguagem simples e acessível, o poema conquista o interesse de todos os tipos de leitores.
O amor é um dos temas mais tocantes da poesia. No entanto, é nos versos de Pessoa que encontramos uma abordagem única e diferenciada. O poeta não se dedica a descrever a felicidade que o amor proporciona, mas sim à angústia do homem apaixonado e à triste realidade de não ter seu amor correspondido.
Primeira Estrofe
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
A estrofe inicial, além de apresentar o tema do poema, também mostra o posicionamento do sujeito. O autor cria um jogo de palavras com a repetição de "revela" e "revelar", criando assim uma antítese, que é um recurso utilizado por toda a composição.
Quando o sentimento amoroso surge, o sujeito não sabe como se confessar e, então, Pessoa recorre à personificação, representando o amor como uma entidade que age de forma autônoma, ignorando a vontade do sujeito.
Sem saber o que dizer, ele não conseguiu controlar o que sentia ao olhar para a mulher amada. Ele ficou sem jeito.
Estrofe Dois
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
A segunda estrofe reforça a ideia de que o amor não pode ser expressado corretamente por palavras, especialmente por aquela pessoa. Não há maneira de traduzir o sentimento, pelo menos, não para aquele.
A inadequação do sujeito em relação aos seus pares é algo evidente na poesia de Pessoa ortônimo. A dificuldade em estabelecer comunicação com os outros dá a sensação de que ele está sempre cometendo algum tipo de erro.
Ele teme a avaliação dos outros a respeito de suas atitudes. Tem medo de que, se compartilhar seus sentimentos, sejam considerados falsos; mas também teme ser punido por não demonstrar o amor por alguém.
O sujeito se torna um mero espectador da própria vida, incapaz de agir de alguma forma, ciente da lógica que lhe é imposta.
Terceira Estrofe
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Após a formatura das duas primeiras estrofes, a terceira cria um ambiente de fragilidade. Entristecido, ele se lamenta e deseja que ela possa compreender seu amor somente pelo olhar.
Neste poema, vemos uma sinestesia, técnica literária que mistura elementos sensoriais diferentes. Na obra, o sujeito tem a convicção de que o olhar da amada mostra mais o seu sentimento do que qualquer outra declaração.
Ela suspirou, imaginando como seria se ela pudesse entender sem que ele tivesse que explicar tudo verbalmente.
Quarta Estrofe
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Chegamos à conclusão de que "quem sente muito, cala", o que significa que aqueles que estão verdadeiramente apaixonados guardam segredo sobre seus sentimentos.
De acordo com sua perspectiva pessimista, expressar amor significa perder parte de si mesmo. Sente que falar o que está no coração o deixará vazio e sozinho.
Assumir um amor é quase como estabelecer uma sentença de morte para o sentimento, pois não há saída para a paixão. A única opção é sofrer e lamentar.
Estrofe Cinco
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Apesar de seu vocabulário simples, a quadra final se torna complexa pela inversão da ordem dos elementos de uma oração, conhecida como hipérbato. Isso dificulta a compreensão inicial dos versos, deixando aberta a possibilidade de serem interpretados de várias maneiras.
Ele tem dificuldade em expressar seu amor, mas não consegue discutir esta inabilidade. Assim, seu relacionamento é limitado a algo platônico e unidimensional. Se pudesse explicar esta dificuldade à outra pessoa, não seria mais necessário mostrar seu amor de outras formas.
O sujeito expressa seus sentimentos de amor através de sua poesia, contando aquilo que ele não pode dizer de outra forma. Para que esse relacionamento se concretize, é necessário que ela leia os versos e entenda que eles são para ela. Contudo, mesmo assim, o vínculo entre eles ainda não estaria selado.
A perspectiva apontada pelo sujeito do texto é a de que o verdadeiro amor é inefável, algo que não pode ser expressado em palavras. Ele argumenta que só poderia declarar o seu amor se o sentimento já não estivesse mais presente.
"Mas" é uma conjunção adversativa que indica uma oposição entre uma parte anterior e a última estrofe do poema. Esta indicação reforça que, apesar de uma profunda tristeza de não conseguir expressar seus sentimentos, o autor aceita essa realidade, pois sabe que se revelar isso faz com que seu sentimento desapareça.
Interpretação do poema
Pessoa geralmente expressa um pessimismo sobre o amor e a vida, e, na maior parte de suas obras, exibe falta de coragem para enfrentar a realidade. Seus desejos e paixões são, contudo, inegáveis, mas ele reconhece a sua própria incapacidade para agir diante delas. Na poesia que escreve sob seu nome verdadeiro, Pessoa ortônimo, quase todas as rimas resultam de verbos que remetem a ações, porém o poeta não se encontra nelas, pois só observa enquanto tudo passa ao seu lado.
A obra poética do autor destaca-se pela sua análise e intelectualização das emoções, quase até esvaziá-las de sentido. Ao longo do poema, é possível notar sua atitude derrotista em relação ao amor, pois o que deveria proporcionar felicidade e prazer, acaba se tornando fonte de dor.
Esse sujeito tem medo de sofrer, o que o impede de buscar a realização de seus desejos. Para ele, o sentimento só é verdadeiro quando não há consumação ou reciprocidade, mantendo-se oculto. Desta forma, o sentimento acaba se transformando em sofrimento, pois ele não consegue tomar a atitude necessária para alcançar a felicidade.
O poema é o resultado da tristeza de um homem que não consegue estabelecer um vínculo com outras pessoas. Por isso, a ideia de uma paixão correspondida parece ser algo impossível de alcançar, como um sonho que se desfaz assim que se torna real. O poema é, assim, a confissão de um homem que acredita estar condenado à solidão.
Música contemporânea em adaptações
Devido ao seu tema universal, o poema tornou-se cada vez mais popular. Sua característica de transmitir mensagens profundas de forma criativa contribuiu para essa notoriedade.
A presença de um ritmo musical marcado e a divisão em quadras, típica das canções portuguesas, fizeram com que diversos artistas gravassem adaptações de "Presságio". Com isso, mesmo depois de quase um século de sua composição, o poema ainda atrai novos ouvintes.
Camané: Quadras
No filme de 2007, "Fados", o fadista Camané canta a Quadra de Fernando Pessoa.
Salvador Sobral - "Presságio
No show, Salvador Sobral, vencedor do Festival da Eurovisão, apresentou a sua versão de "Presságio" (2017).
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A Obra Polifônica de Fernando Pessoa
Fernando António Nogueira Pessoa, considerado o maior nome da literatura portuguesa, nasceu em 13 de junho de 1888 e faleceu em 30 de novembro de 1935. Não apenas escrevia poesia, prosa, teatro e ensaios críticos e filosóficos, mas também era tradutor, astrólogo, empresário e publicitário, entre outras atividades.
O trabalho literário de que mais se destacou consistiu em poesia, escrita sob vários nomes diferentes. Estes não eram pseudônimos, mas heterônimos, ou seja, entidades individuais com suas próprias preferências, estilos, influências, valores e crenças.
Pessoa criava e incluía muitas personalidades diferentes em seu trabalho, assinando poemas com seu nome próprio para refletir sua fragilidade e relações conturbadas com outras pessoas. Se analisarmos sua vida biograficamente, sabemos que ele tinha um namoro intermitente com Ofélia Queirós, com quem se encontrava e trocava cartas.
Em 1928, quando escreveu "Presságio", a relação de Ofélia e Pessoa já havia acabado. Esta informação nos ajuda a entender melhor toda a tristeza e derrota que o poema expressa. Apesar de terem se reencontrado no ano seguinte, eles não tiveram um desfecho feliz. Nunca se casaram e Pessoa ficou dividido entre a solidão e seu afã por escrever.