No livro Sentimento do Mundo, publicado em 1940, Carlos Drummond de Andrade organizou uma antologia poética onde se encontra o poema Os Ombros Suportam o Mundo, localizado na parte denominada Na praça de convites, dedicada a obras que abordam questões sociais.
Neste poema, é abordada a realidade dos tempos atuais: guerras, injustiças e sentimentos de resignação. Sugere-se uma reflexão urgente sobre esses assuntos, para que possamos encontrar soluções para o sofrimento causado pela guerra e pela desigualdade.
O Mundo É Suportado nos Ombros
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Examinando a Análise
Publicado em 1940, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o poema de Carlos Drummond refletia a consciência política do autor, que era um homem de esquerda atento aos problemas sociais e ao sofrimento humano. Ele chegou mesmo a integrar o Partido Comunista Brasileiro.
Neste momento, Drummond estabeleceu o quadro social que serviu de pano de fundo para seu poema: "Chega um tempo em que Deus e o amor se foram". Logo a seguir, ele explica que se trata de um tempo sem Deus e sem amor.
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
Existe uma enorme desesperança sem Deus e sem amor. A guerra, infelizmente, ainda é parte da realidade humana, apesar de todos os esforços para acabar com ela.
A mão do poeta é o único instrumento que se esforça para, mesmo diante da dor da Primeira Guerra, não permitir que os olhos se encham de lágrimas. É um tempo de trabalho, de resistência, de resistir a todas as dores do mundo. O tempo de trabalho é valioso, pois é a única coisa que salva a alma do poeta.
O primeiro verso contém elementos que remetem ao tempo, aparecendo três vezes nas primeiras estrofes. Como a temática trata do contexto pré-guerra e da falta de sensibilidade, o que se segue retrata o desânimo e a insensibilidade que tomam conta de todos.
No segundo verso, a imagem que predomina é a de solidão: "ficastes sozinho". No entanto, não há desespero, mas sim uma falta de interesse por amigos e pela vida social.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
As "certezas" que envolvem uma pessoa têm o propósito de a proteger do sofrimento. Por vezes, a solidão não é particularmente dramática, mas é triste e desoladora - como se "a luz se tivesse apagado".
A última e mais longa estrofe é a terceira. Ela contém o verso que dá nome ao poema e aborda o tema central: a existência humana no mundo e na atualidade.
O poeta trata de temas reais, abordando o presente e a interação do indivíduo com o meio em que vive. Esse é o foco de sua obra.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Com o passar dos anos, a velhice não é mais vista como algo a ser temido. Aqueles que antes viam o futuro como promissor agora estão cientes de que os conflitos e guerras que continuam a ocorrer no mundo dão a a sensação de que o presente é tudo o que existe. A carga do mundo é tão grande que não é maior que o peso de uma criança, dando a entender que o horror que presenciamos é tão grande que já podemos compreendê-lo.
Drummond compara as guerras a discussões em prédios – como se ambas fossem “cotidianas” e “insignificantes” num mundo cada vez mais desumano. Não há margem para a sensibilidade, pois este sentimento levaria à desolação e ao anseio por um fim, o que os delicados prefeririam: a morte.
É tempo de aceitação, para uma vida descomplicada e eficaz. Esta resignação desmistificada nos leva de volta ao início do poema.
O poema em questão não procura glorificar o abatimento, torpor e indiferença; ao contrário, o autor realiza uma crítica ao momento atual. Ao invés de aceitar esse sentimento, se mostra preocupado com a situação e faz uma análise aprofundada.
Explorando o Significado e Refletindo sobre Considerações
O tempo presente é o tema principal do poema. É necessário que o poeta tenha uma grande sensibilidade para perceber as nuances deste momento e desenhar um retrato detalhado e intenso das emoções que o permeiam. Geralmente, é preciso um distanciamento para alcançar tal efeito.
A profundidade do poema está presente mesmo sem a necessidade de se ter vivido os anos da Segunda Guerra. O texto poético é tão emblemático que, apesar de criado para um momento específico, tem abrangência o suficiente para ser considerado atemporal.
A grande habilidade de alguém é conseguir olhar para o geral, mesmo mantendo o foco no tema principal.
O tema clássico conhecido como "carpe diem" (viva o dia, aproveite o dia) sugere que a vida é feita para ser desfrutada, mas Carlos Drummond de Andrade vê de forma diferente: para ele, muitas vezes as pessoas são obrigadas a viver o momento presente sem esperança de dias melhores.