A tela "Lavrador de Café", de Candido Portinari, é extremamente representativa do artista, sendo amplamente considerada como um retrato da figura do trabalhador brasileiro, particularmente aquele do meio rural.
Portinari demonstra em sua trajetória artística a preocupação em retratar a realidade brasileira, dando enfoque ao povo e às suas dificuldades. O tema do cafezal possui especial significado para o artista, já que foi em uma fazenda de café, propriedade de seus pais, imigrantes italianos, que ele cresceu.
Portinari criou em 1934 uma obra marcante: um homem negro segurando uma enxada diante de um campo de café.
A obra de arte, um óleo sobre tela, possui dimensões de 100 x 81 x 2,5 cm e pode ser admirada no MASP (Museu de Arte de São Paulo).
Examinando a Obra em Profundidade
A cena retratada pelo pintor nos traz um número de detalhes que certamente nos permitem refletir sobre a situação histórica do Brasil e a percepção que o artista tinha da realidade do país.
A figura retratada pode ser vista como um símbolo do trabalhador rural que não possui a terra na qual trabalha. Eles são obrigados a vender sua força de trabalho para os proprietários dos latifúndios, como os fazendeiros e empresários do setor cafeeiro.
Analisando as imagens produzidas por Portinari, é possível entender o caráter social de seu trabalho. O artista era extremamente comprometido com a luta por igualdade, visto que foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e chegou a concorrer a cargo de deputado e senador durante a década de 40. Estes fatos evidenciam seus propósitos.
Na época em que a tela foi pintada, o Brasil estava entre os principais produtores de café para exportação. Embora a crise de 1929 tenha afetado fortemente a economia do país, a produção de café ainda era bastante lucrativa para os barões do café.
Ao retratar as pessoas responsáveis pela plantação e colheita de grãos, o artista evidencia a intenção de denunciar as precárias condições em que elas viviam, ainda que buscando valorizar a figura humana por meio de alguns elementos destacados na imagem.
1. Desproporção de Pés e Mãos
O candido Portinari retrata o protagonista como alguém forte, cujos pés e mãos são exageradamente grandes em relação ao resto da composição da tela.
O expressionismo é comumente refletido em tal recurso, que sugere que os pés e as mãos são capazes e dedicados ao trabalho manual.
Indício da fragilidade da condição das pessoas empregadas, o homem não usava sapatos.
2. Árvore Cortada
O homem tem um tronco cortado ao lado direito. Tal elemento pode ser facilmente ignorado, porém não foi colocado ali por acaso. Estava lá para compor a cena.
O símbolo da árvore cortada evidencia a contradição presente no país entre a grande quantidade de plantações de árvores e a devastação de suas matas nativas. O desmatamento já é um sinal de alerta preocupante para todos.
3. Um Contraste entre o Trem de Ferro e a Plantação
O trem de ferro com quatro vagões de Portinari, desceu o quadro em diagonal, liberando fumaça em sua chaminé.
Na década de 1930, o trem era o principal meio de transporte usado para escoar a produção cafeeira. No entanto, começava a haver uma mudança na malha ferroviária, que chegou ao seu ponto mais baixo nos anos 1940.
4. Expressando a Humanidade
O indivíduo tem um rosto marcado por inquietude e infelicidade. A sua expressão deixa clara a contrariedade que sente. A aparência mostra claramente a desilusão e o esgotamento provocados pelo trabalho, bem como o conhecimento que ele possui sobre a injustiça e a desigualdade a que está submetido.
A face do homem está iluminada pelo canto esquerdo, revelando seus lábios grossos e nariz largo. Ele está de perfil, permitindo a incidência da luz nessa área.
5. Um Céu Nublado
O céu retratado por Portinari tem uma aparência de dia comum, com nuvens volumosas que flutuam sobre um azul profundo.
Aproximadamente um terço do quadro são formadas pelo céu, mostrando a intenção de Portinari de destacar o ser humano. Esta é realçada ainda mais pelo contraste entre o homem de pele escura e as nuvens brancas, que ajudam a destacar o rosto do sujeito.
6. A Utilidade da Enxada
Ele é retratado no local de trabalho, onde gasta a maior parte do seu tempo. Pousando para a câmera, o homem se segura na enxada, ferramenta com a qual executa suas tarefas cotidianas. Mas aqui, ela não tem a função de auxiliá-lo no trabalho, e sim de servir de apoio para o seu descanso.
A enxada é retratada quase como uma extensão dos braços do trabalhador, exibindo traços vigorosos. Além disso, nota-se a sombra projetada na camiseta do homem, que evidenciaria a incidência da luz indo da esquerda para a direita.
O Lavrador por trás do Sujeito
Nilton Rodrigues foi o homem que inspirou a figura do quadro O Lavrador de Café, de Candido Portinari. Ele posou para o pintor em várias obras.
Numa reportagem do Globo Repórter de 1980, Nilton foi entrevistado. A qualidade do vídeo não era a melhor, mas ainda assim é possível perceber a semelhança entre o lavrador retratado no quadro e o homem na entrevista.
A Importância de Candido Portinari na História.
Candido Portinari nasceu em Brodowski, São Paulo, em 1903. A arte foi a maneira encontrada por ele para expressar suas ideias e conceitos sobre o Brasil, tornando-se assim um dos principais nomes do movimento modernista da arte brasileira.
Durante a primeira fase de sua carreira, o artista se dedicou a retratar os tipos brasileiros, destacando a figura do povo humilde e buscando criar uma arte nacional, influenciada pelas vanguardas europeias.
A obra O Lavrador de Café, de autoria de um dos artistas que contribuiu para o retrato moderno do país, transmite com clareza as características e particularidades de um povo miscigenado e diverso. Junto com outros artistas do mesmo período, contribuiu para a construção de um novo panorama artístico brasileiro.
Em obras como Retirantes (1944) e Criança Morta (1944), o trabalho do artista apresenta uma faceta dramática. No entanto, seu trabalho também exibe uma dimensão lírica e nostálgica, evidenciada em telas como Futebol (1935) e Meninos no balanço (1960), que retratam a inocência e a doçura da infância.
O famoso artista brasileiro Portinari conquistou grande destaque nacional e internacional, tendo exposições realizadas em diversos países e sendo agraciado com prêmios e honrarias nos Estados Unidos, França e Polônia.
No início da década de 50, o artista foi convidado para realizar dois grandes painéis chamados Guerra e Paz, para integrar a sede da ONU, em Nova York. Esse trabalho, desenvolvido entre 1953 e 1956, foi considerado sua obra-prima.
Portinari faleceu em 1962 aos 58 anos, devido a complicações de saúde relacionadas à intoxicação por chumbo presente nas tintas com as quais trabalhava.
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