Análise e Significado da Música O Tempo Não Para, de Cazuza


Escrito por Rebeca Fuks

O sucesso de Cazuza, "O Tempo Não Para", está presente no álbum homônimo de 1988. Gravado ao vivo, este foi o quarto disco a solo do cantor e o último de seus registros live. O álbum conquistou a maioria dos fãs e foi um dos mais lucrativos de sua carreira.

A letra da canção, escrita por Cazuza e Arnaldo Brandão, representa o seu tempo. Ela aborda as disparidades na sociedade brasileira, que apesar de ter alcançado a liberdade da ditadura, ainda era moralista e conservadora.

Capa do álbum O Tempo Não Para de Cazuza, 1988.

A Letra da Música 'O Tempo Não Para'

Disparo contra o sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas

Eu sou um cara

Cansado de correr

Na direção contrária

Sem pódio de chegada ou beijo de namorada

Eu sou mais um cara

Mas se você achar

Que eu tô derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para não, não para

Eu não tenho data pra comemorar

Às vezes os meus dias são de par em par

Procurando agulha num palheiro

Nas noites de frio é melhor nem nascer

Nas de calor, se escolhe, é matar ou morrer

E assim nos tornamos brasileiros

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro

Transformam um país inteiro num puteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para não, não para

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

Não, o tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para não, não, não, não, não para

Explorando a Música: Uma Análise

Parecendo um desabafo, "O Tempo Não Para" mostra o grito de revolta do sujeito para com a sociedade que o exclui. Ele tem a certeza de que as coisas mudarão, mesmo diante da hipocrisia dela. Está pronto para a batalha.

Disparo contra o sol

Sou forte, sou por acaso

Minha metralhadora cheia de mágoas

Uma imagem de raiva e violência é retratada na primeira estrofe: um tiro disparado contra o sol. Esta ação é vista como um ato de revolta inútil, pois não tem propósito. O sujeito reconhece sua própria força, mas destaca que está sendo movido apenas "por acaso", sem racionalidade ou lógica.

Atire sua "metralhadora carga de mágoas": a sua proteção para enfrentar o mundo é o seu pesar, suas dores, o que já experimentou e tudo o que carrega consigo.

Eu sou um cara

Cansado de correr

Na direção contrária

Sem pódio de chegada ou beijo de namorada

Eu sou mais um cara

Descrevendo-se primeiro como "um cara", e logo depois como "mais um cara", transmite-se a ideia de que é apenas uma pessoa comum, não possuindo nada de extraordinário.

Uma pessoa cansada de não seguir as regras estabelecidas pela sociedade, e trabalhar contra elas, acaba sofrendo com as consequências desse esforço. Este desgaste e esgotamento são inevitáveis.

Não há amor, estabilidade emocional (ou, pelo menos, conforme os padrões atuais), nem triunfos ou elogios pelos seus esforços.

Mas se você achar

Que eu tô derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para

A partir da terceira estrofe, o sujeito começa a se dirigir diretamente ao seu ouvinte com um tom de desafio. Ele desafia aqueles que o consideram um perdedor ao dizer que nada está decidido ainda, pois "ainda estão rolando os dados". Ele salienta que ninguém sabe o que o futuro reserva, tudo está em aberto.

O primeiro verso de toda a canção é, também, seu título: "o tempo não para". A vida é repleta de mudanças, com coisas se transformando a todo instante. Não há como prever o futuro, de modo que ninguém deve desistir, mesmo nas piores situações.

Dias sim, dias não

Eu vou sobrevivendo sem um arranhão

Da caridade de quem me detesta

As dificuldades a que o sujeito é diariamente submetido exigem que ele lute para sobreviver. Porém, mesmo encarando todos os desafios, ele mantém-se forte e não vê nenhum arranhão, seguindo sempre em frente.

Ele afirma de forma provocativa que sua subsistência se deve à benevolência de seus inimigos; ou seja, ele depende dos que o odeiam.

A tua piscina tá cheia de ratos

Tuas ideias não correspondem aos fatos

O tempo não para

Dirige-se mais uma vez ao seu ouvinte (a sociedade brasileira), utilizando os pronomes possessivos "tua" e "tuas". Uma piscina é um símbolo externo de riqueza, de luxo, que contrasta com a presença de ratos, geralmente associados ao desorden e à sujeira.

A piscina cheia de ratos parece símbolo da vida das classes sociais abastadas, cujas riquezas não conseguem abafar as podridões, segredos obscuros e fatos escandalosos.

Mencionando as falsas aparências, contradições e preconceitos, foi declarado que as ideias do interlocutor não se alinharam aos fatos, deixando claro que ele estava errado e a realidade não é como ele imaginava.

Eu vejo o futuro repetir o passado

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não para

Não para não, não para

Refletir sobre a passagem inevitável do tempo é algo que nosso sujeito faz, sublinhando como a História tende a se repetir ("Eu vejo o futuro repetindo o passado"). O que é novo agora, em breve se transformará em algo antigo, tornando-se parte dos relatos históricos, tornando-se, então, parte do passado.

Eu não tenho data pra comemorar

Às vezes os meus dias são de par em par

Procurando agulha num palheiro

O sujeito retoma a descrição de seus dias, que começou algumas estrofes antes. Não há nada de que comemorar, pois não há alegrias ou vitórias. Descreve como vive, sem nunca conseguir encontrar aquilo que procura, como quem busca "uma agulha num palheiro".

Nas noites de frio é melhor nem nascer

Nas de calor, se escolhe, é matar ou morrer

E assim nos tornamos brasileiros

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro

Transformam um país inteiro num puteiro

Pois assim se ganha mais dinheiro

Em qualquer situação, o desafio, o combate e o sofrimento são presentes. Ao dizer que “assim nos tornamos brasileiros”, o sujeito insinua que o brasileiro é o resultado desse empenho diário. Seu caráter valente, voluntarioso e capaz de resistir surge de todos os obstáculos que enfrenta e é forçado a ultrapassar.

A sociedade costuma ofender e julgar aqueles que não conhece, apenas baseando-se nos comportamentos que considera desviantes. Alguém que não segue os padrões impostos (por exemplo, pela orientação sexual e vida boêmia) é frequentemente classificado como marginal, sem nenhum tipo de caráter.

O autor faz uma forte crítica aos governantes, acusando-os de colocar os interesses econômicos acima dos interesses do país e da população. Ele denuncia a ganância e o egoísmo destes líderes, que sacrificam as necessidades dos cidadãos em nome de seus próprios interesses.

Popularidade das Interpretações

Análise Crítica da Sociedade e Denúncia dos Aspectos Políticos

“O Tempo Não Para” é o grito de um indivíduo cansado, mas decidido em lutar “contra a corrente”. Esta expressão tem como objetivo alertar para a hipocrisia e incoerências do conservadorismo brasileiro, assim como para a corrupção e a avareza dos políticos, que levaram ao descalabro do Brasil.

Enfrentando o Preconceito A respeito da Aids

Em 1988, um ano após Cazuza anunciar publicamente que havia sido infectado pelo vírus HIV e estava com Aids, a música foi lançada.

Naquela época, a doença ainda era pouco compreendida, ocasionando o medo na sociedade, que estabelecia, de maneira preconceituosa, um elo entre o vírus e condutas imorais.

O soropositivo da época, não tendo nenhum tratamento viável à sua disposição, tinha que enfrentar a humilhação e a discriminação de aqueles que o julgavam, o excluíam e o puniam.

Muitas vezes é dito que o verso "A tua piscina tá cheia de ratos" guarda relação com uma experiência triste que o cantor viveu depois de anunciar ao Brasil que ele tinha Aids. Conta-se que alguém teria proibido que ele entrasse numa piscina pública, talvez por discriminação ou por ignorância.

Nesses versos, Cazuza responde às acusações e ao discurso de ódio que lhe eram dirigidos. "Se você achar que eu tô derrotado / Saiba que ainda estão rolando os dados" são palavras de desafio e resiliência.

Rebate os que o consideravam morto, provando que ainda estava vivo, criando, compondo, tocando e promovendo shows.

A Experiência da Ditadura Militar e da Repressão

A letra da música apresenta uma conexão clara com a ditadura militar. Seu tom de revolta, que poderia ser comparado a um grito de guerra, remete diretamente à opressão política e social que marcaram aqueles tempos. Embora tenha sido escrita após o fim da ditadura, o seu significado é ainda mais forte.

O primeiro verso da letra expressa resistência ao sistema, representado pelo sol, que possui o controle absoluto. Então, este verso seria simbolicamente uma reação à autoridade do sol.

Mesmo diante do contexto ditatorial, "O Tempo Não Para" é uma clamorosa declaração de resiliência. O jovem protagonista segue firme em sua luta por liberdade, mantendo a fé e esperança de que um novo amanhã brevemente chegará. Ainda que enfrentando dificuldades, sua determinação permanece inabalável.

O Conservadorismo versus a Liberdade de Expressão no Contexto Histórico

Em 1988, o Brasil atravessava um período único em sua história. A ditadura havia terminado três anos antes, trazendo a hiperinflação como resultado, mas as atitudes conservadoras ainda eram predominantes.

Esperava-se que as pessoas vivessem de acordo com os padrões sociais e éticos estabelecidos. Qualquer um que contestasse essa moralidade restritiva era marginalizado e excluído pela sociedade brasileira, não mais pelo Estado.

A Nova Constituição de 1988 trouxe consigo a abolição de leis repressoras herdeiras da ditadura militar, reestabelecendo a liberdade de expressão. Contudo, nesta fase de transição entre paradigmas políticos e sociais, a juventude se encontrava desorientada, buscando por seu próprio rumo.

Cazuza e seus amigos da mesma geração não sabiam o que o futuro lhes reservava, mas não desanimaram. Lutaram pelo direito de viver como desejassem, desobedecendo regras e desafiando convenções a cada dia.

Explorando o Significado da Música

A mensagem central deste tema remete a uma figura decidida, que se esforça para desafiar os padrões sociais e os modos de existência pré-estabelecidos. No entanto, nem todos estão dispostos a pagar o preço de tamanha audácia.

Apesar de Cazuza não ser o único responsável pela letra, é plausível que haja um conteúdo autobiográfico. O artista tinha uma personalidade encantadora, mas também foi envolveu em muitos problemas. As canções eram muito apreciadas, mas também ocuparam o assunto de muitas críticas e comentários. A carreira dele era toda fundamentada na sua música e trabalho.

A mídia e a sociedade brasileira eram ambíguas no que dizia respeito ao amor e ódio que sentiam por ele. Por um lado, amavam sua rebeldia, espírito boêmio e irreverência, mas, por outro, criticavam seus relacionamentos amorosos com outros homens. Dessa forma, podemos dizer que ele vivia "da caridade" das pessoas que o detestavam.

Apesar do crescente preconceito que a doença dele despertava na sociedade, fruto da cada vez maior exclusão a que era sujeito, as pessoas continuavam a amar e a cantar em coro as suas músicas.

Em "Brasil", Cazuza enfrenta as críticas e o ódio que recebe, lembrando que as ideias limitadas e intolerantes não durarão, pois o tempo muda tudo. Ele dirige suas palavras diretamente para aqueles que o desprezam e insultam.

Interessante? Leia também

Cazuza: Um Ícone Musical e Cultural

Retrato de Cazuza.

Cazuza, pseudônimo de Agenor de Miranda Araújo Neto, nasceu no dia 4 de abril de 1958. Durante a sua infância, recebeu o apelido que o acompanharia até o fim de sua vida.

Descobriu na música a sua grande paixão, sendo aficionado pelos grandes artistas populares brasileiros e encantado com o rock americano. Além disso, ele também escrevia poesia e vivia uma vida boêmia.

1981 foi o ano em que o vocalista e letrista alcançou a fama com a banda Barão Vermelho. Em 1985, quatro anos depois, ele saiu da banda para iniciar sua carreira solo e lançou o seu primeiro álbum, intitulado "Exagerado".

Em 1987, Cazuza descobriu que era portador de HIV e foi internado. Em meio à consciência de sua doença, ele gravou "O Tempo Não Para", talvez motivado pela realidade de que a vida é passageira e deve ser vivida com intensidade.

Em 1989, ao descobrir que era soropositivo, Nelson Chamisa decidiu contar sua história para o público brasileiro, ajudando assim a desmistificar a doença. Mesmo com a saúde debilitada, tornou-se um exemplo de força e resiliência, ao seguir fazendo aparições públicas.

No dia 7 de julho de 1990, Cazuza foi aos céus aos 32 anos de idade, deixando sua marca na história da música e da sociedade brasileira. Ele foi um grande embaixador de ideias progressistas e foi considerado uma das mais importantes figuras da sua geração. Infelizmente, a sua morte foi causada pelas complicações de saúde da Aids.

Filme de 2004 - Cazuza: O Tempo Não Para

A música e o álbum de Cazuza intitulados "O Tempo Não Para" deram nome ao filme de 2004 dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho.

O filme tem como tema central a vida e o trabalho do cantor, abordando o seu significativo contributo para a modernização das mentalidades brasileiras.

Baseado no livro Só as mães são felizes (1997), escrito pela mãe do cantor Lucinha Araújo e a jornalista Regina Echeverria, foi produzida uma obra cinematográfica.

Poster do filme Cazuza - O Tempo Não Para

Experimente a Cultura Genial no Spotify

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).