A composição de Mano Brown, "Jesus Chorou", foi lançada em 2002, no álbum Nada como um dia após o outro dia pelo grupo de rap Racionais MC's. O estrondoso sucesso da música é refletido em seus quase sete minutos e 150 versos.
A adivinha abre o assunto, explorando a relação do rapper com a sua periferia de origem. A partir daí, o tema narra o vínculo especial que o artista tem com o bairro em que cresceu.
Explorando os Significados da Análise
A música de Mano Brown tem uma letra longa e diversificada, que conjuga uma narrativa complexa. Seu tema central versa sobre tristeza e angústia, lembrando-nos de que Jesus, embora sendo Deus na terra, também chorou. O título da canção reflete esse sentimento.
Introdução
O que é, o que é?
Clara e salgada
Cabe em um olho e pesa uma tonelada
Tem sabor de mar
Pode ser discreta
Inquilina da dor
Morada predileta
Na calada ela vem
Refém da vingança
Irmã do desespero
Rival da esperança
Pode ser causada por vermes e mundanas
E o espinho da flor
Cruel que você ama
Amante do drama
Vem pra minha cama
Por querer, sem me perguntar me fez sofrer
E eu que me julguei forte
E eu que me senti
Serei um fraco quando outras delas vir
Se o barato é louco e o processo é lento
No momento
Deixa eu caminhar contra o vento
Do que adianta eu ser durão e o coração ser vulnerável?
O vento não, ele é suave, mas é frio e implacável
(É quente) Borrou a letra triste do poeta
(Só) Correu no rosto pardo do profeta
Verme, sai da reta
A lágrima de um homem vai cair
Esse é o seu B.O. pra eternidade
Diz que homem não chora
Tá bom, falou
Não vai pra grupo irmão, aí
Jesus chorou!
"O que é o que é?", o primeiro verso da música, é uma frase comum entre jogos de adivinhação. Estas brincadeiras caracterizam-se por sua natureza lúdica, que se opõe ao tema sério da obra. As metáforas e metonímias presentes nesta primeira parte da música cumprem o papel de instigar e incitar o ouvinte a adivinhar o sentido da mensagem.
Figuras de linguagem tornam a letra mais poética, unindo objetos às emoções. As aproximações começam com a descrição de algo físico: "clara, salgada, sabor de mar". Essas características também se associam a sentimentos, como "irmã do desespero" ou "rival da esperança".
A adivinhação prossegue e as lágrimas são associadas com seu motivo mais comum: "o espinho cruel da flor que você ama". A letra então faz uma curta divagação e o autor começa a expressar seus próprios sentimentos: "eu que me julgava forte".
Chegando ao final da primeira parte, a referência bíblica surge, acompanhada pelo verso que é o título da canção.
(É quente)
Borrou a letra triste do poeta
(Só)
Correu no rosto pardo do profeta
Verme, sai da reta
A lágrima de um homem vai cair
Esse é o seu B.O. pra eternidade
Diz que homem não chora
Tá bom, falou
Não vai pra grupo irmão
Aí, Jesus chorou
Estes versos finalizam a primeira parte da letra, trazendo à tona o tema da lágrima e mostrando como ele será abordado pela fé.
Parte Dois
Porra, vagabundo óh
Vou te falar, tô chapando
Eita mundo bom de acabar
O que fazer quando a fortaleza tremeu
E quase tudo ao seu redor
Melhor, se corrompeu
"- Epa, pera lá, muita calma, ladrão
Cadê o espírito imortal do Capão?
Lave o rosto nas águas sagradas da pia
Nada como um dia após o outro dia
Que, sou eu seu lado direito
Tá abalado, por que veio?
Nego, é desse jeito!"
Durmo mal, sonho quase a noite inteira
Acordo tenso, tonto e com olheira
Na mente, sensação de mágoa e rancor
Uma fita me abalou na noite anterior
No segundo verso da canção, o personagem se vê diante de uma situação difícil e troca palavras com um interlocutor. Por meio dessa conversa, ele reflete sobre o que fazer diante de tantas adversidades.
A periferia é apontada como uma solução pelo segundo interlocutor. Ainda que possua problemas, ela é capaz de manter sua força e é nesse espírito que se deve encontrar esperança.
O álbum "Nada como um dia após o outro dia" recebeu esse nome por causa do famoso verso da canção "Jorge Maravilha", de Chico Buarque. Embora os temas dos dois não sejam correlatos, ainda assim há alguma aproximação entre os versos.
O passar do tempo e a esperança de um novo dia são fatores que nos dão força para seguir adiante, com a amizade e o suporte de nosso "parceiro". Porém, surge outra questão: o primeiro interlocutor não consegue descansar e não acredita que um novo dia chegará, pois, para ele, os dias parecem não passar.
Última Parte
Alô!
Aí! Dorme, hein, doidão! Mil fita acontecendo e cê ai?
Que horas são?
Meio dia e vinte, ó
A fita é o seguinte, ó
Não é esqueirando não, ó
Fita de mil grau.
Ontem eu tava ali de Cb, no pião
Com um truta firmezão
Cê tem que conhecer
Se pã, cê liga ele
Vai saber, de repente
Ele fazia até um rap num passado recente.
Aham.
vai vendo a fita
Cê não acredita
Quando tem que ser, é, jão. Pres'tenção
Vai vendo, parei pra fumar um de remédio
Com uns moleque lá e pá, trafica nos prédios
Um que chegou depois, pediu pra dar uns 2
Logo um patrício, ó, novão e os carai
Fumaça vai, fumaça vem
ele chapou o coco
Se abriu que nem uma flor, ficou louco
Tava eu mais dois truta e uma mina
Num Tempra prata show filmado, ouvindo Guina
Ih, o bico se atacou, ó! Falou uma pá do cê
Tipo o que?
Esse Brown aí é cheio de querer ser
Deixa ele moscar, vir cantar na quebrada
Vamo ver se é isso tudo quando ver as quadrada
Periferia nada, só pensa nele mesmo
Montado no dinheiro e cês aí no veneno?
E a cara dele, truta?
Cada um no seu corre
Tudo pelas verde
Uns matam, outros morrem
Eu mesmo, se eu catar, a boa numa hora dessa
Vou me destacar pro outro lado depressa
Vou comprar uma house de boy, depois alugo
Vão me chamar de senhor, não por vulgo
Mas pra ele só a Zona Sul que é a pá
Diz que ele tira nós, nossa cara é cobrar
O que ele quiser nós quer, vem que tem
Porque eu não pago pau pra ninguém.?
E eu, só registrei, né? Não era de lá
Os mano tudo só ouviu, ninguém falou um A
Quem tem boca fala o que quer pra ter nome
Pra ganhar atenção das mulher e/ou dos homem
Amo minha raça, luto pela cor
O que quer que eu faça é por nós, por amor
Não entende o que eu sou, não entende o que eu faço
Não entende a dor e as lágrimas do palhaço
A terceira parte começa com um diálogo ao telefone que se desenvolve cada vez mais. A parte inicial é contada na forma narrativa, enquanto a segunda é mais um monólogo.
Mano Brown é originário da periferia e sua música é amplamente influenciada por este meio. Ele tem uma conexão profunda com sua comunidade e se relaciona com as pessoas com muito carinho e respeito. Uma vez, um amigo de Brown ouviu alguém difamando o rapper, revelando a importância da figura de Brown para a periferia.
Muitos se perguntam se Mano Brown de fato se importa com a cultura das comunidades periféricas ou se está simplesmente usando o conhecimento adquirido nesses locais para lucrar. Será que ele está realmente preocupado em contribuir para a comunidade ou é só um meio de obter dinheiro ao se apropriar da cultura local?
Ele rejeita a ideia de que seu objetivo é a riqueza. Reconhece que o dinheiro pode trazer algum conforto, mas percebe que há mais a vida do que isso. Ele entende que é natural querer sair da miséria, mas não se considera mesquinho ou ganancioso.
Em seu monólogo, Brown defende a favela e seus valores, a despeito de entender que sair dela significa encontrar um pouco de paz. Ele usa os mesmos argumentos para atacar seu difamador: falar mal dele é apenas uma forma de chamar atenção; a intriga é como o "verme" se destaca.
Quarto Capítulo
Mundo em decomposição por um triz
Transforma um irmão meu num verme infeliz
E a minha mãe diz:
Paulo, acorda! Pensa no futuro que isso é ilusão
Os próprio preto não tá nem aí com isso não
Ó o tanto que eu sofri, o que eu sou, o que eu fui
A inveja mata um, tem muita gente ruim.
Pô, mãe! Não fala assim que eu nem durmo
Meu amor pela senhora já não cabe em Saturno.
Dinheiro é bom
Quero, sim, se essa é a pergunta
Mas a dona Ana fez de mim um homem e não uma puta!
Ei, você! argentes Seja lá quem for
Pra semente eu não vim
Então, sem terror
Inimigo invisível, descendente de Caim Judas incolor
Perseguido eu já nasci, demorou
Apenas por 30 moeda o irmão corrompeu
Atire a primeira pedra quem tem rastro meu
Cadê meu sorriso? Onde tá? Quem roubou?
Humanidade é má e até Jesus chorou
Lágrimas, lágrimas
Jesus chorou
Mano Brown compreende que a relação do Homem com o meio ambiente é um assunto significativo. A situação o deixa preocupado ao ver as pessoas perderem o rumo devido ao seu entorno. O que torna a música ainda mais profunda é a presença da figura maternal, a sua mãe.
Como uma velha detentora de conhecimento e, mais importante, como uma mãe preocupada, ela surge na canção. Tão profundamente pessoal, que Paulo Brown, seu nome real, é mencionado.
Na canção, Mano Brown retrata a realidade do racismo e da cor da pele. A mãe de Mano Brown é vista como um aviso de que ele também pode passar por essa experiência. Ainda assim, ele rebate as palavras de sua mãe, pois é produto do que ela lhe ensinou.
No final da terceira parte, as referências bíblicas imperam com Caim e Judas retratados como inimigos. O choro de Jesus, que nos lembra do sacrifício de sua vida para nos salvar, reaparece como um simbolo de maldade humana.
Parte Quinta
Vermelho e azul, hotel
Pisca só no cinza escuro do céu
Chuva cai lá fora e aumenta o ritmo
Sozinho, eu sou agora o meu inimigo íntimo
Lembranças más vêm, pensamentos bons vai
Me ajude, sozinho eu penso merda pra carai
Gente que acredito, gosto e admiro
Brigava por justiça e paz, levou tiro
Malcolm X, Ghandi, Lennon, Marvin Gaye
Che Guevara, 2pac, Bob Marley
E o evangélico Martin Luther King
Lembrei de um truta meu falar assim:
Não joga pérolas aos porco, irmão, joga lavagem
Eles prefere assim, cê tem de usar piolhagem!
Cristo que morreu por milhões
Mas só andou com apenas 12 e um fraquejou
Periferia: corpos vazios e sem ética
Lotam os pagode, rumo à cadeira elétrica
Eu sei, você sabe o que é frustração
Máquina de fazer vilão
Eu penso mil fita, vou enlouquecer
E o piolho diz assim quando me vê:
Famoso pra carai, durão! Ih, truta!
Faz seu mundo, não, jão! A vida é curta
Só modelo por aí dando boi
Põe elas pra chupar e manda andar depois
Rasgar as madrugadas só de mil e cem
Se sou eu, truta, tem pra ninguém!
Zé povinho é o cão, tem esses defeito
Quê? Cê tendo ou não, cresce os olhos de qualquer jeito
Cruzar, cê arrebenta
De repentemente, vai, de ponto quarenta
Só querer, tá no pente
Se só de pensar em matar, já matou
Eu prefiro ouvir o pastor
"Filho meu, não inveje o homem violento
E nem siga nenhum dos seus caminhos"
Lágrimas
Molha a medalha de um vencedor
Chora agora, ri depois
Aí, Jesus chorou
A quinta parte de Brown's Saga inicia-se com um solitário monólogo, que reflete o desespero do artista. Ao longo dos últimos versos da música, aborda a cruel maldade humana. Ele dá-nos exemplos de indivíduos que lutaram pela construção de um mundo melhor, mas infelizmente foram mortos.
A periferia volta à cena por pouco tempo. A questão ainda é a mesma: como a pobreza e o desespero levam o indivíduo à prática de atos desonestos.
Ele fala, com certa ironia, de quem pensa que o dinheiro é a resposta para todos os problemas. A música retorna para as lágrimas e a crença, finalizando com uma citação bíblica e um pouco de esperança.
Você pode relembrar a música no vídeo abaixo.
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