Analisando o Significado da Música "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso


Escrito por Rebeca Fuks

No ano de 1967, Caetano Veloso apresentou uma de suas mais conhecidas músicas, Alegria, Alegria, no Festival da Record.

"A música se tornou um símbolo do movimento Tropicalista, que contou com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes entre seus principais líderes."

A letra, moderna com características da cultura pop, foi imediatamente aceita pelo público, tornando-se um grande hit. Embora tenha se tornado popular entre os ouvintes, Alegria, Alegria acabou em quarto lugar no concurso.

O Poder das Palavras

Caminhando contra o vento

Sem lenço, sem documento

No sol de quase dezembro

Eu vou

O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em Cardinales bonitas

Eu vou

Em caras de presidentes

Em grandes beijos de amor

Em dentes, pernas, bandeiras

Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista

Me enche de alegria e preguiça

Quem lê tanta notícia

Eu vou

Por entre fotos e nomes

Os olhos cheios de cores

O peito cheio de amores vãos

Eu vou

Por que não, por que não

Ela pensa em casamento

E eu nunca mais fui à escola

Sem lenço, sem documento

Eu vou

Eu tomo uma coca-cola

Ela pensa em casamento

E uma canção me consola

Eu vou

Por entre fotos e nomes

Sem livros e sem fuzil

Sem fome sem telefone

No coração do brasil

Ela nem sabe até pensei

Em cantar na televisão

O sol é tão bonito

Eu vou

Sem lenço, sem documento

Nada no bolso ou nas mãos

Eu quero seguir vivendo, amor

Eu vou

Por que não, por que não

Explorando a Letra

A letra de Caetano Veloso se inicia com versos que sugerem liberdade, uma nota de esperança e resistência, mesmo no difícil contexto político da época.

O eu-lírico interpreta o vento como símbolo da ditadura militar, que impôs censura e reprimiu o país. O movimento incessante do verbo "caminhar" transmite a ideia de que, ainda assim, persistirá na luta diante das dificuldades.

, o poeta descreve a chuva. O poeta narra a chuva no próximo verso.

Sem lenço, sem documento

Caminhando pelas ruas da cidade, o eu-lírico se mistura entre os demais sujeitos, preservando o seu anonimato.

Em "Alegria, Alegria", Caetano Veloso descreve, sob a forma de um relato na primeira pessoa, a cena de um jovem típico da época, caminhando pelas ruas da cidade. O autor usa o mínimo de recursos possível para criar uma imagem visual, ao mencionar os nomes de produtos, personalidades, locais e funções.

O compositor transporta o ouvinte para um cenário específico ao mencionar "o sol de quase dezembro", indicando que já começa a fazer calor e que é quase dezembro.

Ouvimos o forte refrão que ecoa ao longo da música:

Eu vou

A letra de "Alegria, Alegria" de Caetano Veloso é praticamente toda escrita no presente. Esta narração em tempo presente representa o aqui e o agora do Brasil naquela época, oferecendo-nos um registro histórico dessa época.

A música continua e nós podemos perceber algumas referências à cultura popular.

O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em Cardinales bonitas

Eu vou

Claudia Cardinale é uma famosa atriz italiana, muito popular durante os anos sessenta, conhecida também como "Cardinales".

O sobrenome da atriz tornou-se uma referência para as mulheres bonitas de sua época, sendo apropriado por Caetano para essa finalidade.

Outra referência à atriz Brigitte Bardot aparece em alguns versos seguintes:

Em caras de presidentes

Em grandes beijos de amor

Em dentes, pernas, bandeiras

Bomba e Brigitte Bardot

Durante a década de sessenta, a atriz francesa recebeu grandes elogios.

Nomes estrangeiros aparecem frequentemente na música tropicalista, pois eles defendiam a ideia de canibalizar a cultura exterior, incorporando elementos de outros países aos seus projetos estéticos e políticos.

As bandeiras e os rostos dos presidentes estão mescladas com elementos inesperados, como dentes e pernas. É possível afirmar que o eu-lírico não se trata de alguém bastante politizado, como se comprova em seguida na canção.

O sol nas bancas de revista

Me enche de alegria e preguiça

Quem lê tanta notícia

Eu vou

No meio da rotina do dia a dia, o eu-lírico admite não ter disposição para se aprofundar nas notícias, optando apenas por ler as manchetes nas bancas de jornal.

O sujeito mantém-se bem informado sobre as notícias políticas globais, limitando-se a um rápido olhar para a primeira página de jornais ou revistas.

É possível interpretar esse trecho como uma crítica à alienação da maioria, pois ela não se preocupava em ir além do que era noticiado.

Por entre fotos e nomes

Os olhos cheios de cores

O peito cheio de amores vãos

Eu vou

Por que não, por que não

Nos dias atuais, somos inundados por informações, desde rostos, nomes, cores e amores até dados científicos. Essa profusão de dados muitas vezes nos deixa desorientados, nos fazendo sentir-nos perdidos.

Movido por uma fervorosa agitação de ideias e emoções, o eu-lírico decide se aventurar em uma jornada ao desconhecido, não sabendo para onde está indo.

Eu tomo uma coca-cola

Ela pensa em casamento

E eu nunca mais fui à escola

Sem lenço, sem documento

Eu vou

Um verso se refere ao refrigerante que é um ícone da cultura pop e representação do imperialismo norte-americano. Esta imagem também é usada como um retrato da vida convencional, um registro de um momento comum do cotidiano.

Em meio à canção, temos a aparição de uma parceira. Não é possível saber nada a seu respeito, como seu nome ou qualquer característica física. Porém, sabemos que ela deseja se casar. Seria interessante analisar se esse anseio por um casamento representa a idealização das mulheres daquela época.

A canção tocando ao fundo era a sua trilha sonora enquanto ele ponderava sobre seu casamento. Embora ela lhe trouxesse algum consolo, ele decidiu partir.

ela é o toque de luar, o significado das estrelas. A amada é novamente evocada quase no fim da canção: ela é como a luz da lua, dando significado ao céu estrelado.

Ela nem sabe até pensei

Em cantar na televisão

O sol é tão bonito

Eu vou

A letra de Alegria, Alegria, de Caetano Veloso, reflete a consciência do cantor sobre a presença dos meios de comunicação de massa. Com um tom de humor, ela ilustra o que o artista faz com sua música: a apresentação na televisão. A relevância da canção ficou comprovada quando ela foi apresentada no Festival da TV Record.

O eu-lírico, impressionado com a beleza do dia lá fora - com o sol brilhando - reafirma sua vontade de partir e começar sua aventura.

Ele reitera sua condição anônima e afirma que não pretende levar nada para o seu novo destino.

Sem lenço, sem documento

Nada no bolso ou nas mãos

Eu quero seguir vivendo, amor

Eu vou

Por que não, por que não

O verso “Nada no bolso ou nas mãos” foi retirado da última página de As palavras, a autobiografia de Sartre. Um cantor baiano foi o responsável por incorporar essas palavras a uma letra popular, demonstrando a apropriação da alta cultura.

"Alegria, Alegria" é um manifesto político e social de uma geração que foi afetada pela ditadura militar. Porém, a letra de Caetano também reflete a necessidade universal que os jovens sentem de desafiarem o novo. É algo atemporal.

Histórico Contexto

1967 foi um grande ano para a música brasileira. Neste ano, Gilberto Gil apresentou sua canção Domingo no Parque e Caetano Veloso também surgiu com Alegria, Alegria.

Aos 25 anos, Caetano embarcou no palco com a intenção de conquistar o prêmio mais alto do Festival. Acompanhado da banda Beat Boys, grupo brasileiro composto por músicos argentinos, o cantor se apresentou com a intenção de vencer.

Durante a exibição, o cantor baiano e os Beat Boys surpreenderam o público ao tocarem guitarras elétricas, algo que era visto como uma inovação para o período histórico. Naquela época, a guitarra elétrica ainda era alvo de algumas críticas por ser identificada com a cultura norte-americana.

A canção, que foi muito polêmica e desafiadora, ficou entre as quatro melhores e o autor foi recompensado com cinco milhões de cruzeiros antigos.

A apresentação de Caetano, realizada em 21 de outubro de 1967, está disponível para ser visualizada online.

A Criação em Detalhes

Em seu livro Verdade Tropical, Caetano conta como a ideia para o que se tornaria um símbolo do Tropicalismo foi criada.

decidi que no festival de 67 nós deflagraríamos a revolução. No meu apartamentinho do Solar da Fossa, comecei a compor uma canção que eu desejava que fosse fácil de apreender por parte dos espectadores do festival e, ao mesmo tempo, caracterizasse de modo inequívoco a nova atitude que queríamos inaugurar (...) Tinha que ser uma marchinha alegre, de algum modo contaminada pelo pop internacional, e trazendo na letra algum toque crítico-amoroso sobre o mundo onde esse pop se dava.

Refletindo sobre a Escolha do Título da Canção

A escolha do título para a música é altamente irônica, mas curiosamente não é referida ao longo da letra.

Até hoje, grande parte das pessoas acredita que a música se intitula "Sem Lenço, Sem Documento", um dos seus mais poderosos versos.

O icônico Chacrinha e seu programa de rádio e televisão eram muito populares. Seu bordão, "alegria, alegria!", reverberava muitas vezes nos ouvidos dos telespectadores e se enraizou na cultura brasileira, até ser apropriado por Caetano Veloso.

Conteúdo interessante

Explorando a Tropicália

1967 foi o ano em que o movimento tropicalista começou a ganhar força. No ano seguinte, alcançou maior destaque. Artistas como Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa passaram a fazer parte da MPB (Música Popular Brasileira).

Os artistas tentavam transformar a música, buscando influências da juventude, especialmente do pop nacional e internacional. Suas letras começaram a refletir os problemas da época e abordar questões do cotidiano.

Os artistas tinham como principais aspirações internacionalizar a cultura brasileira e se aproximar das raízes do país. Além disso, a inovação e a experimentação foram valorizadas na obra dos tropicalistas.

“[...] o Movimento foi o movimento das manifestações culturais brasileiras que buscavam renovar o discurso artístico de maneira radical e antropofágica. Os artistas de então utilizaram muito dos ideais de Oswald de Andrade. Em uma entrevista, Caetano Veloso destacou: “[...] O Movimento Antropofágico foi a renovação radical do discurso artístico brasileiro.

A ideia do canibalismo cultural servia-nos aos tropicalistas como uma luva. Estávamos “comendo” os Beatles e Jimmy Hendrix. Nossas argumentações contra a atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta e exaustiva. Claro que passamos a aplicá-la com largueza e intensidade, mas não sem cuidado, e eu procurei, a cada passo, repensar os termos em que a adotamos.

Ao longo dos anos difíceis da ditadura militar, que começou em 1964, os jovens artistas procuravam, acima de tudo, deixar um registro do seu tempo.

A publicação do manifesto "Cruzada Tropicalista" no jornal Última Hora do Rio de Janeiro foi de extrema importância para os Tropicalistas. O documento, de autoria de Nelson Motta, se tornou um marco para o movimento.

É comum pensar que o Tropicalismo se restringia à música, no entanto, o movimento cultural foi abrangente, abordando as artes plásticas, a literatura, o teatro e o cinema também.

Celebrando a Canção: Festivais Musicais

Na década de 60, a Rede Record criou os Festivais de Música Popular Brasileira, que se tornaram um grande sucesso desde então.

Os programas de televisão deram a oportunidade para uma série de artistas de se apresentarem cantando suas músicas. Durante os primeiros anos da ditadura militar, essa foi uma oportunidade única e peculiar para a manifestação de alguma liberdade.

Em 1967, Alegria, Alegria foi o destaque no terceiro Festival de Música Popular Brasileira da Record. A música foi recebida com entusiasmo e cantada pelo público, tornando-se imediatamente popular.

Exílio de Caetano

Em 1967, Caetano cantou Alegria, Alegria com total liberdade e emoção para o público, sem se importar com o regime militar vigente.

A medida do Ato Institucional número 5, publicada em dezembro de 1968, aumentou a pressão sobre a sociedade brasileira. Com essa política, o tempo foi se tornando cada vez mais difícil.

Em 1970, apenas um ano após a performance de "Alegria, Alegria", Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e posteriormente liberados. Como consequência, ambos decidiram exilar-se na Inglaterra.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).