Narciso é um personagem icônico das lendas da Grécia Antiga. Com sua beleza incontestável e sua inabalável vaidade, ele se apaixonou perdidamente por seu próprio reflexo nas águas de um lago. Infelizmente, a trágica história de Narciso acaba nas margens desse lago, já que ele morreu por lá.
O mito é parte da nossa cultura, recriado por diversos escritores e artistas, variando em interpretações e simbologias conforme os tempos mudam.
A Divina Beleza de Narciso
Filho de Cefiso e Liríope, Narciso nasceu com uma aparência tão perfeita que seus pais foram assustados, já que isso poderia ser encarado como uma ofensa aos deuses. Seu pai era um rio e sua mãe, uma ninfa, o que explicaria sua beleza incomum, quase divina.
A mãe, cheia de preocupação, resolveu procurar o profeta Tirésias, um ancião cego, mas que teria a capacidade de ver o futuro. Ela indagou se a vida de seu filho seria longa, e o oráculo respondeu que sim, com uma única condição: que o jovem não visse o seu próprio reflexo, pois isso significaria a sua ruína.
No mundo da cultura clássica, qualquer qualidade exagerada poderia ser considerada perigosa, pois despertaria a hybris - traduzida como arrogância ou orgulho excessivo. Esta foi a consequência que o jovem enfrentou, pois ao crescer, tornou-se o foco central de todos os lugares que frequentava.
Todos se encantavam por Narciso: desde humanos até as divindades imortais. Ovídio conta em sua obra Metamorfoses que mulheres da Grécia inteira desejavam o herói, inclusive as ninfas. Entretanto, ele era frio e soberbo, não dando atenção às suas investidas.
Mais sobre o assunto
- 13 Mitos Gregos Significativos da Grécia Antiga: Análise e Comentários
- Análise do Mito de Sísifo: Resumo e Significado
- Explicação da História da Medusa na Mitologia Grega
A Trágica História de Amor de Eco e Narciso
Devido à ciúmes, Hera decidiu expulsar Eco do Olimpo. Antes, a ninfa do lago adorava contar histórias para a deusa, distraindo-a enquanto Zeus se afastava para traí-la. Em sua ira, Hera condenou Eco a se comunicar através de repetições.
A pobre ninfa nutria grande amor pelo herói, porém, ela sempre foi recusada; por isso, ela se afastou do lago, transformando seu corpo em um rochedo. Com a atitude de Narciso, as outras ninfas se reuniram e recorreram a Nêmesis para se vingarem. A filha de titãs era uma deusa conhecida por sua vingativa personalidade.
Nêmesis decretou que sofreria a dor de um amor impossível, enamorado por sua própria imagem. Quando se curvou para tomar água no lago, descobriu a beleza de sua figura, e de tanto admirá-la, não se desgrudava dali. Seu desejo de apreciar-se foi tão grande, que chegou a abrir mão de se alimentar, e acabou por morrer.
A Flor de Narciso Nasceu de Seu Corpo
Depois da morte de Narciso, Afrodite, deusa do amor, teve pena dele. Em homenagem a ele, ela transformou o seu corpo em uma flor amarela que nasceu na margem de um lago e recebeu o seu nome.
A beleza e fragilidade da flor leva à comparação com Narciso, jovem que contemplou a sua própria imagem no espelho. Frequentemente, o arranjo das pétalas é inclinado para baixo, o que simboliza o momento em que Narciso se encantou com sua aparência. Contudo, por possuir uma vida curta, a flor lembra que tudo no mundo é passageiro.
Explorando o Significado do Mito
Outras versões do mito existem e diferem sobre o motivo da vingança. A história contada por Pausânias menciona que Narciso possuía uma irmã gêmea, que faleceu, e que, apaixonado por ela, era a face da moça que ele se via nas águas. Por outro lado, outro relato diz que quem foi responsável pela vingança não foi Eco, mas sim Amínias, um homem tão enamorado que acabou se suicidando.
Ao longo da história, emergiram novas perspectivas de análise e interpretação. É importante ter em mente que o termo “narke” é a origem do nome deste protagonista, significando “entorpecimento”. Ele representa, portanto, alguém que está encantado com a sua própria hipnose. De certa forma, trata-se do oposto de Eco, que não consegue fazer mais do que repetir o que ouve.
Junito de Sousa Brandão menciona Carlos Byington, psiquiatra, no segundo volume da sua Mitologia Grega: "A esse respeito...”
Se Narciso, argumentou Byington, vai ser um símbolo central de permanência em si mesmo, Eco, ao revés, traduz a problemática da vivência de seu oposto. Para se compreender o mito, é preciso frisar que Narciso e Eco estão em relação dialética de opostos complementares, (...) de algo que permanece em si mesmo e de algo que permanece no outro.
A narrativa do mito de Narciso pode ser interpretada como uma reflexão sobre a identidade e individualidade. Nela, o homem é tanto o sujeito quanto o objeto do seu amor. Contudo, a descoberta desse amor é o que condena Narciso, pois ele passa a se tornar seu próprio universo, esquecendo todo o resto.
A ideia de espelhos e seu significado simbólico são encontrados em diversas mitologias. Esses reflexos são vistos como algo mágico, um duplo, uma sombra ou, até mesmo, a manifestação da alma. Por isso, os espelhos possuem forte carga simbólica.
No século XIX, o mito de Narciso foi amplamente explorado para fins de estudo. Foi nesse período que o termo "narcisismo" surgiu na Psiquiatria e foi posteriormente incorporado à Psicanálise.
De acordo com Freud, o narcisismo representa uma etapa do desenvolvimento humano, na qual a libido de uma pessoa é totalmente direcionada para si mesma. Para Jung, a história de Narciso captura a complexidade da psique humana, pois, ao se preocupar apenas consigo mesmo, Narciso acabou por ignorar tudo o mais.
Atualmente, a Psicologia está discutindo o Transtorno de Personalidade Narcisista, uma condição na qual o indivíduo tem uma visão exagerada e inflada de si mesmo.
Explorando o Mito de Narciso
Desde Ovídio, o mito tem sido frequentemente retratado e reinventado em diversos períodos e áreas. Uma das obras mais conhecidas é a peça de teatro de Jean-Jacques Rousseau intitulada Narciso ou o Auto-Admirador (1752).
O herói trágico é um tema comum nas artes visuais, em telas famosas de John William Waterhouse, Caravaggio e Salvador Dalí. As imagens acima trazem belos exemplos desta representação.
A letra da música "Sampa", de Caetano Veloso, é conhecida por muitos brasileiros. Os versos "É que Narciso acha feio / o que não é espelho" se tornaram inesquecíveis.
Referências Bibliográficas
- ÁVILA, Lazslo Antonio. "Psicanálise e Mitologia Grega", in Pulsional Revista de Psicanálise, Anos XIV/XV.
- BRANDÃO, Junito de Sousa. Mitologia Grega, volume II. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.