O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1971. Seus poemas românticos, traduzidos do espanhol, conquistaram o coração de milhares de pessoas em todo o mundo e cada vez são mais celebrados.
Revisite-se agora os mais inspiradores poemas de amor dos talentosos escritores da literatura latino-americana.
1. Extrato I dos Cem Sonetos de Amor
Matilde, nome de planta ou pedra ou vinho,
do que nasce da terra e dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio rebenta a luz dos limões.
Nesse nome correm navios de madeira
rodeados por enxames de fogo azul-marinho,
e essas letras são a água de um rio
que em meu coração calcinado desemboca.
Oh nome descoberto sob uma trepadeira
como a porta de um túnel desconhecido
que comunica com a fragrância do mundo!
Oh invade-me com tua boca abrasadora,
indaga-me, se queres, com teus olhos noturnos,
mas em teu nome deixa-me navegar e dormir.
O começo desse poema tão aclamado de Neruda é uma homenagem à amada, com louvores ao seu nome. É a partir dessa premissa que vêm as inúmeras elogios às suas virtudes.
Ao longo do poema, observamos diversos elementos que remetem à natureza, como a terra, os frutos e o rio. De forma simbólica, o elogio do nome é elevado a um patamar poético que nos deixa admirados.
Ao término da leitura, suspiramos, maravilhados com o poder do amor e a habilidade de Neruda em expressar, por meio de suas palavras, a imensidão do sentimento.
2. Soneto 66
Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.
Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.
Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.
Nesta história apenas eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.
Pablo Neruda usa o soneto como meio de expressão em seus versos acima. Esta forma fixa de literatura serve como uma forma de traduzir para o leitor a sensação de estar apaixonado.
Exemplifique as paradoxais oscilações das emoções, como o coração que muda bruscamente de frio a quente e o afeto que se alterna entre o ódio e o amor.
Não se trata tanto da aparência da pessoa amada, mas sim dos sentimentos que ela provoca.
3. Anseio por Seus Beijos
Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo
e por estas ruas me vou sem alimento, calado,
não me nutri o pão, a aurora me altera,
busco o som líquido de teus pés neste dia.
Estou faminto de teu riso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso silo,
tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,
quero comer teu pé como uma intacta amêndoa.
Quero comer o raio queimado em tua formosura,
o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de tuas sobrancelhas.
E faminto venho e vou olfateando o crepúsculo
buscando-te, buscando teu coração quente
como uma puma na solidão de Quitratúe.
Pablo Neruda é conhecido como o poeta das mulheres, e isso fica claro na obra poética dele. Por exemplo, no soneto acima ele expressa a urgência de amor e a espetacular forma com que a amada consegue satisfazer todos os anseios e necessidades de quem a ama.
O enamoramento é retratado como algo da ordem da fome e da necessidade. O sujeito poético é caracterizado como dependente de sua parceira para se manter de pé, destacando a carência e a incapacidade de estar completo sem ela.
Ao terminarmos a leitura dos versos, ficou claro que a calma e o aconchego só são possíveis quando a pessoa amada está presente.
4. Explorando as Possibilidades de Integração
Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.
Perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua guitarra
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.
Nos versos de Integrações, percebemos um tom de promessa, pois aquele que está apaixonado se dirige à sua amada e lhe faz um compromisso para o futuro.
A partir deste trecho inicial do poema, fica evidente o efeito que a amada provoca. Para demonstrar o quanto a necessidade de tê-la é grande, o poeta expõe exemplos simples e familiares, como aqueles encontrados nos tempos de infância. Assim, com as palavras, ele nos ajuda a nos identificar com a situação.
A lírica de Neruda é conhecida por sua grandeza poderosa: simplicidade, humildade e a habilidade de transformar a vida cotidiana em poesia.
5. Eu Te Amo
Te amo de uma maneira inexplicável,
de uma forma inconfessável,
de um modo contraditório.
Te amo, com meus estados de ânimo que são muitos
e mudar de humor continuadamente
pelo que você já sabe
o tempo,
a vida,
a morte.
Te amo, com o mundo que não entendo
com as pessoas que não compreendem
com a ambivalência de minha alma
com a incoerência dos meus atos
com a fatalidade do destino
com a conspiração do desejo
com a ambigüidade dos fatos
ainda quando digo que não te amo, te amo
até quando te engano, não te engano
no fundo levo a cabo um plano
para amar-te melhor
No início de Te amo, o poeta expressa a força do sentimento arrebatador que sente pela sua amada.
Ele tenta contar como é profunda a estima que sente, apesar de ser uma tarefa difícil.
Ele se dedica mais ao estudo das características do amor do que às conversas sobre ela, encantado com a habilidade de amar, que parece ser interminável.
Embora diga que não ama, o sujeito poético admite que na realidade isso é uma estratégia para amar com mais profundidade e intensidade.
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6. Uma Noite na Ilha
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.
Neste poema, Neruda aborda o conforto da intimidade do sono compartilhado entre aqueles que se amam.
O poeta expressa a sensação de adormecer ao lado de sua amada, imaginando que mesmo inconscientes, eles se encontram e se separam, como é comum entre casais apaixonados.
No fim, ele descreveu o beijo matinal da amada como algo ligado à natureza, como se ela estivesse beijando o amanhecer em si.
7. A Montanha e o Rio
Na minha pátria tem um monte.
Na minha pátria tem um rio.
Vem comigo.
A noite sobe ao monte.
A fome desce ao rio.
Vem comigo.
E quem são os que sofrem?
Não sei, porém são meus.
Vem comigo.
Não sei, porém me chamam
e nem dizem: “Sofremos”
Vem comigo
E me dizem:
“Teu povo,
teu povo abandonado
entre o monte e o rio,
com dores e com fome,
não quer lutar sozinho,
te está esperando, amigo.”
Ó tu, a quem eu amo,
pequena, grão vermelho
de trigo,
a luta será dura,
a vida será dura,
mas tu virás comigo.
Pablo Neruda foi notável por seus poemas de amor, mas também era um poeta dedicado aos problemas globais, assumindo um posicionamento comunista.
No poema "O monte e o rio", o autor conecta as duas áreas ao relatar sua busca pela transformação social. Ao mesmo tempo, ele expressa o desejo de que sua amada o acompanhe nessa caminhada com a promessa de um bem-estar em meio à "vida dura".
8. A Vida do Inseto
Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.
Sou menor do que um insecto.
Vou por estas colinas,
que têm a cor da aveia,
e sinais pequeninos
que somente eu conheço,
centímetros queimados,
pálidas perspectivas.
Há aqui uma montanha.
Dela nunca hei de sair.
Ó que musgo gigante!
Uma cratera, rosa
de fogo umedecido!
Por tuas pernas desço
tecendo uma espiral
ou dormindo na viagem
e chego a teus joelhos
de redonda dureza
como as alturas duras
de um claro continente.
Para teus pés resvalo
entre as oito aberturas
de teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles na amplidão
do nosso lençol branco
caio, querendo cego,
faminto teu contorno
de vasilha escaldante!
Neruda estabelece uma conexão poética e divina entre a amada e o meio ambiente. Ele associa a aparência de sua amante à natureza, traduzindo seu corpo como um grande e magnífico mundo.
Neruda explora todos os aspectos corpóreos do que deseja como se fosse desvendar os mistérios do amor e da paixão.
9. Pés Teus
Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.
Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.
O escritor procura estabelecer ligações entre o corpo da amada e a natureza nas suas obras, deslumbrosamente exaltando cada parte deste ser.
O poeta se concentra em agradecer os pés da mulher por terem possibilitado o encontro entre os enamorados, expressando-o através de uma descrição.
10. Para Sempre
Antes de mim
Não tenho ciúmes.
Vem com um homem
às tuas costas,
vem com cem homens entre os teus cabelos,
vem com mil homens entre teu peito e teus pés,
vem como um rio
cheio de afogados
que encontra o mar furioso,
a espuma eterna, o tempo!
Traz todos eles
para onde eu te espero:
sempre estaremos sós,
sempre seremos tu e eu
sozinhos sobre a terra
para começar a vida!
O escritor mostra consciência de que antes dele a amada teve outros homens e amores. Seu texto é poético, evidenciando como este conhecimento o afeta.
O poeta compreende a natureza transitória da vida e a novidade que cada amor traz. Por isso, ele não possui ciúmes e possui plena segurança no amor que os une.
11. O Sonho de Todos
Andando pelas areias
decidi te deixar.
Pisava um barro escuro
que tremia,
me atolando e saindo
decidi que saíras
de mim, que me pesavas
como pedra cortante,
preparei tua perda
passo a passo:
cortar tuas raízes,
soltar-te só no vento.
Ai, nesse minuto,
coração meu, um sonho
com asas terríveis
te cobria.
Te sentias tragada pelo barro,
e me chamavas, mas não te acudia,
tu ias imóvel,
sem te defender
até que te afogavas na boca da areia.
Depois
minha decisão encontrou teu sonho,
de dentro da rotura
que partia nossa alma,
surgimos limpos outra vez, desnudos,
nos amando,
sem sonho, sem areia, completos e radiantes,
selados pelo fogo.
Neste poema, Pablo Neruda narra um sonho em que a relação com a amada termina. O sentimento de desolação e angústia por causa da separação é inegável e bem transmitido ao leitor.
O poeta nos sugere que os amantes, antes dilacerados pelo sofrimento, ainda que se vejam afundando-se em melancolia, não desistam de se amar. É possível encontrar-se novamente, e a chama do desejo reacender-se, permitindo vivenciar a beleza e a emoção do amor.
A Vida e Obra de Pablo Neruda
Nascido em 14 de julho de 1904, o chileno Ricardo Eliécer Neftali Reyes decidiu adotar o pseudônimo Pablo Neruda ao entrar para o mundo da literatura.
O poeta teve uma infância trágica, uma vez que, logo cedo, ficou órfão de mãe. Filho de um ferroviário e uma professora, já na escola ele mostrava sua vocação literária publicando seus poemas em um jornal local.
Ricardo, além de ser um escritor de talento, desempenhou também o cargo de diplomata. Ele representou o seu país como cônsul-geral em consulados ao redor do mundo, como no Siri Lanka, México, Espanha e Singapura.
Neruda jamais abandonou sua paixão pela poesia, mesmo com a vida de funcionário público. Sua produção literária foi tão significativa que o poeta foi premiado com o maior reconhecimento da literatura mundial, o Prêmio Nobel, em 1971.
Depois das liberdades políticas terem sido restabelecidas, o poeta comunista retornou para o Chile, embora tenha passado por problemas e chegado a ser exilado do país.
Nesta data, a capital chilena se despediu de Pablo Neruda, que partiu em 2 de setembro de 1973.