Marília de Dirceu, de Tomás António Gonzaga: Uma Leitura


Escrito por Rebeca Fuks

Tomás Antônio Gonzaga, um poeta luso-brasileiro, escreveu o extenso poema autobiográfico Marília de Dirceu, considerado uma obra fundamental do arcadismo brasileiro.

O poema de 1792 foi o primeiro a ser escrito e postado pelo escritor, sendo seguido pelas partes de 1799 e 1812. Estas foram publicadas em épocas diferentes, todas elas durante a vida do autor.

A escrita mistura traços do Arcadismo com sentimentos anteriores ao Romantismo.

Análise e Resumo de Marília de Dirceu

Os versos de Marília de Dirceu carregam forte cunho autobiográfico, trazendo referência ao amor proibido entre Maria Joaquina Dorotéia Seixas e o poeta, que se refletem nos versos como o pastor Dirceu.

Dirceu é o sujeito lírico de Gonzaga, e quem canta o seu amor é Marília, o sujeito lírico de Maria Joaquina. Naquela época, havia a tradição de exaltar as musas como se fossem pastoras.

A jovem é admirada pela sua beleza, assim como o encantador cenário ao seu redor. A paisagem campestre é digna de elogios, com sua beleza serena e tranquila.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte e prado;

Porém, gentil pastora, o teu agrado

Vale mais que um rebanho e mais que um trono.

A criação literária naquela época tendia ao pastoralismo. Os poetas assumeiam identidades de pastores para manifestar uma nobre simplicidade, afastando-se assim das desigualdades sociais e da hipocrisia que acreditavam ser próprias das cidades.

Tomás não foi o único a idealizar o amor. A estética da época refletia a imagem de uma amada loira com faces brancas, como Marília. Seu rosto era perfeito e seus cabelos eram como "fios de ouro". Ela se destacava por sua beleza externa e interna, servindo de exemplo de gentileza.

Noto, gentil Marília, os teus cabelos.

E noto as faces de jasmins e rosas;

Noto os teus olhos belos,

Os brancos dentes, e as feições mimosas;

Quem faz uma obra tão perfeita e linda,

Minha bela Marília, também pode

Fazer os céus e mais, se há mais ainda.

De acordo com o poema, o eu-lírico acredita que bastaria um aceno da amada para alcançar a felicidade plena.

Marília domina o coração dele, preenchendo-o com o amor mais forte. Ele é escravo dessa paixão.

Para viver feliz, Marília, basta

Que os olhos movas, e me dês um riso.

A enorme discrepância na idade entre o casal foi um dos principais motivos da recusa da família da moça: ele tinha 40 anos, e ela era apenas 17.

Apesar de todas as desavenças, os dois chegaram ao ponto de noivar, mas nunca se casaram.

Neste poema, a natureza é idealizada de uma forma primaveril, alegre e acolhedora, dando ao ambiente um tom bucólico, típico dos poetas da época.

Nos campos verdes, a desejamos uma vida calma, equilibrada e feliz. Esta atmosfera simples e singela permite que nos conectemos com aqueles que nos cercam.

Os pastores que habitam este monte

Respeitam o poder de meu cajado.

Com tal destreza toco a sanfoninha

A força do amor é tão profunda que o eu-lírico fantasia uma vida inteira ao lado da amada, planejando ao ponto de desejar que até mesmo a morte os una, enterrando seus corpos lado a lado.

Dirceu deseja que o seu amor sirva de inspiração para aqueles que exercem o ministério pastoral.

Depois que nos ferir a mão da morte,

Ou seja neste monte, ou noutra serra,

Nossos corpos terão, terão a sorte

De consumir os dois a mesma terra.

Na campa, rodeada de ciprestes,

Lerão estas palavras os pastores:

“Quem quiser ser feliz nos seus amores,

Siga os exemplos que nos deram estes.”

É surpreendente como o poema aponta o endereço de Maria Dorotéia, em Ouro Preto, ao incluir instruções geográficas para a localização da casa de Marília.

"Pois ah! quem me dera/ não ser ali nascido/ para viver no porto/ e não no meu país amado". Na lira XXXVII do poema, há um detalhe espacial marcante: "Pois ah! quem me dera/ não ser ali nascido/ para viver no porto/ e não no meu país amado".

Entra nesta grande terra,

Passa uma formosa ponte,

Passa a segunda, a terceira

Tem um palácio defronte.

Ele tem ao pé da porta

Uma rasgada janela,

É da sala, aonde assiste

A minha Marília bela.

Marília desafia as normas da época, sendo uma mulher que representa ao mesmo tempo a idealização feminina e a sensualidade. Ao invés de manter a postura casta e intocável tão esperada dos padrões de feminilidade da época, Marília os subverte.

Personagens em um poema

A Pastorinha Marília

Nascida em 1767, a jovem Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, cujo nome de batismo era Marília, vivia em Ouro Preto. Ela era fruto de uma família abastada e, aos quinze anos, apaixonou-se pelo poeta Tomás António Gonzaga, a quem chegou a ser noiva.

Aos sete anos, Maria Dorotéia ficou órfã da sua mãe, passando a ser criada pela família. Seu sobrenome tradicionalmente associado à coroa portuguesa, possivelmente foi um dos fatores que complicaram a relação entre ela e Tomás António Gonzaga, importante personagem da Inconfidência Mineira.

Marília, a pastora, é característica do movimento árcade. Ela é uma jovem atraente, idealizada e repleta de qualidades e vive no campo, sendo cortejada por um pastor habilidoso.

Dirceu, o Pastor

Tomás António Gonzaga foi retratado na poesia por Pastor Dirceu, personagem que encarnou a personificação do escritor aos 40 anos. Naquela idade, ele se sentiu atraído por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, que ainda era jovem.

A família da jovem se opôs à relação por causa da grande diferença de idade e das discrepâncias políticas e ideológicas. O poeta havia sido envolvido na Inconfidência Mineira e, por esse motivo, foi preso em 1792 e condenado. Assim, o anunciado casamento nunca se concretizou.

Dirceu, o pastor de ovelhas, é um ícone do movimento árcade. O eu-lírico é um apaixonado pela vida no campo e tem como passatempo louvar a beleza da natureza e demonstrar seu amor à pastora Marília.

Explorando o Arcadismo em 'Marília de Dirceu'

Os versos de Marília de Dirceu são marcados pelo estilo árcade. Esta forma literária é caracterizada por sua profundidade e simplicidade, sendo assim, nota-se na obra de Marília a presença de temas como amor, natureza, ruralidade, lirismo e outros. Ao ler os poemas de Marília, percebe-se claramente a influência do movimento árcade.

  • Culto à natureza e ao pastoralismo, a vida em harmonia com o meio ambiente;
  • Repúdio à vida citadina;
  • Culto à simplicidade;
  • Exaltação do bucolismo de origem Greco-latina;
  • Preocupação formal com o poema;
  • Linguagem simples e coloquial;
  • Louvação profunda do amor e da amada;
  • Presença de racionalismo em alto grau.

Estrutura de um poema

O poema começa com uma homenagem à pastora Marília, descrevendo-a como uma musa. Os versos dão conta de textos escritos antes de sua prisão.

A segunda parte da obra homenageia a pastora Marília com vários poemas que foram escritos durante sua prisão.

Nesta terceira parte, poemas que Gonzaga escreveu antes de conhecer a sua paixão estão reunidos. Ele ainda estava no começo de seu treinamento como árcade, aplicando os princípios da escrita no movimento. Nesses poemas, Marília é a musa e outras pastoras são louvadas de maneira igualmente significativa.

Aprenda mais

Explorando o Arcadismo

No século XVIII, o movimento teve origem na Europa.

Os poetas árcades se caracterizavam por utilizarem pseudônimos para suas obras, além de seguirem métricas perfeitas. Nessas poesias, exaltavam a natureza e se inspiravam nas musas pastoris. Além disso, a literatura árcade original acabou se tornando uma base para a cultura grega e latina, pois nela eram mencionados vários deuses e figuras da literatura clássica.

A Publicação Explorada

O autor escreveu o poema em três etapas distintas de sua vida.

A obra de D. Fernando de Castro, intitulada "Liras", foi publicada em três partes. Em 1792, saiu a primeira com 33 liras. Cinco anos depois, a segunda parte foi divulgada, contendo 38 liras. A terceira e última parte, lançada em 1812, reunia 9 liras e 13 sonetos.

A seguir, estão as capas das primeiras edições da publicação de Thomaz Antonio Gonzaga. Confira-as!

Capa

Capa

Explore a Vida e Obra de Tomás Antônio Gonzaga

O autor nasceu em agosto de 1744 na cidade do Porto, Portugal. Seu pai, brasileiro, levou-o para Pernambuco, Brasil, onde ele viveu. Infelizmente, ele foi degredado para a África entre 1807 e 1809 e ali faleceu.

Gonzaga foi destacado como jurista, poeta e ativista político. Seu trabalho literário foi marcado pela influência do poeta Cláudio Manuel da Costa.

Em Ouro Preto, o poeta conheceu sua grande paixão, Maria Doroteia Joaquina de Seixas, nascida em 8 de novembro de 1767, em Vila Rica. Ela era vinte e três anos mais nova que ele. Durante sua estadia ali, trabalhou como Ouvidor Geral.

Casa onde viveu Thomaz Antonio Gonzaga em Ouro Preto

Tomás foi condenado durante a Inconfidência Mineira em 1789. Como consequência, foi preso na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Ali, aguardou julgamento até o dia 20 de abril de 1792, quando a sentença de degredo foi oficializada, separando-o da amada.

Em 1792, o poeta viveu um ano de contrastes: mesmo quando a vida lhe parecia cada vez mais difícil, seus versos eram impressos pela Tipografia Nunesiana, em Lisboa. A rainha Maria I havia exilado o poeta para Moçambique, mas o seu trabalho coral e poético encontrava finalmente destino na tipografia.

Durante a sua estadia encarcerada em Fortaleza, José de Alencar redigiu importantes trechos de Marília de Dirceu.

A paixão de Tomás Antônio Gonzaga por Marília foi tão marcante na região que a cidade de São Paulo onde ela nasceu foi batizada em sua homenagem.

Antônio Cândido, um crítico literário brasileiro, foi reconhecido por sua compreensão da literatura.

"Gonzaga é dos raros poetas brasileiros, e certamente o único entre os árcades, cuja vida amorosa tem algum interesse para a compreensão da obra. Marília de Dirceu é um poema de lirismo amoroso tecido à volta duma experiência concreta – a paixão, o noivado e a separação de Dirceu (Gonzaga) e Marília (Maria Dorotéia Joaquina de Seixas)."

Assinatura do escritor.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).