Muitos de nós não conseguimos imaginar a vida sem ter alguém que nos compreenda. Para homenagear os nossos amigos de infância, de trabalho, de vizinhança, e outros, selecionamos algumas frases de escritores brasileiros e portugueses que podem servir para demonstrar o quanto eles significam para nós. Por que não compartilhar uma delas com aqueles que estão sempre presentes ao nosso lado?
1. Soneto do Amigo de Vinicius de Moraes
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
Embora o Soneto do amigo seja pouco reconhecido se comparado com sonetos famosos do poeta, como o Soneto de fidelidade e o Soneto do amor total, é uma obra-prima em sua própria direita. Escrito em Los Angeles em 1946, os catorze versos deste poema são uma verdadeira preciosidade na obra do escritor.
A amizade contada nos versos é profunda e duradoura, servindo como um porto seguro para o eu-lírico. O amigo não identificado é a âncora, um abrigo para quando as coisas mais difíceis surgem.
A amizade antiga de Vinicius de Moraes (1913-1980) é um exemplo de como laços podem ser recriados e aproximados ainda mais, mesmo com as idas e vindas que a vida nos traz.
A ideia de identificação que o sujeito poético sente ao interagir com o amigo é destacada pelo soneto, assim como a partilha. Os versos simples trazem à luz a grandeza da amizade.
2. A Discrição, por Mario Quintana
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Mario Quintana, escritor gaúcho (1906-1994), conseguiu expressar em apenas quatro versos o sentimento de descrença que o sujeito poético tem antes de compartilhar seus segredos com um amigo. Ele pensa nas possíveis consequências que isso traria.
O eu-lírico nos alerta para não compartilhar com outras pessoas as confidências mais íntimas, visto que, caso sejam transmitidas para outras pessoas, isso pode transformar o que deveria ser um assunto reservado em algo de conhecimento público.
Conteúdo similar
- "A Amizade em Poemas de Carlos Drummond de Andrade".
- Grandes poemas de amor ao longo da história
- Os 12 Poemas mais Conhecidos da Literatura Brasileira
3. Carta para os Amigos Distantes, de Cecília Meireles
Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.
Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.
Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.
Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.
Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.
Cecília Meireles (1901-1964) escreveu o seu poema em 1951, quando tinha cinquenta anos. Nele, expressa o seu amor e carinho por amigos distantes, com quem tinha pouco contato.
Apesar de sua maneira nômade de andar pelo mundo, o sujeito poético guarda grande afeto pelos amigos. Contudo, entende que as idas e vindas, e grande parte das vezes a ausência de sua parte, podem exigir um pouco de compreensão dos que ele tanto ama.
4. A Autobiografia de Fernando Pessoa
Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais. [...]
Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.
Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia -
O amigo como esse que a falar amamos.
Em Autobiografia, de Fernando Pessoa (1888-1935), o sujeito poético aborda a amizade como um tema central. O extenso poema retrata a importância desta relação na vida do sujeito.
O eu-lírico é tomado por uma saudade enorme de um amigo que partiu. Ficou para trás um vazio que não pode ser preenchido, pois nada pode substituir aquilo que esse amigo significava.
Sentimos a dor e o desespero de quem perdeu um ente querido e agora vive dias de solidão, sem ter alguém para compartilhar suas vivências. Embora não saibamos o motivo da morte, a tristeza e o vazio são palpáveis.
5. Tristeza de Carlos Drummond de Andrade: Um Convite
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.
Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.
Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.
Drummond (1902-1987) celebra ao longo dos versos o amigo com quem divide os bons momentos (por exemplo, quando contemplam as estrelas) e também aqueles em que ambos sofrem juntos.
Comentando sobre experiências cotidianas, ele menciona a mesa de bar, as conversas leves, a discussão a respeito dos problemas conjugais que são algo tão comum e onde muitas vezes procuramos o apoio de um amigo.
O eu-lírico enumera situações comuns do nosso cotidiano, que todos nós conhecemos muito bem, e em que a companhia de um amigo se mostra necessária.
6. Florbela Espanca: uma Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for
Bendito sejas to por m’o dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem! ... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados nestas mãos,
Os beijos que sonhei p’ra minha boca! ...
A portuguesa Florbela Espanca (1894-1930), escritora de poesias, escreveu um soneto sobre um relacionamento amoroso que chegou ao fim. Contudo, a mulher do casal sugeriu que eles fossem capazes de transformar o amor em amizade.
Ele desistiu do relacionamento, mas ela prefere mantê-lo perto, mesmo que apenas como um amigo, do que perder o contato para sempre. Os versos nos permitem ver isso.
Apesar da proposta ingênua da amada, seu real objetivo era reativar o relacionamento amoroso, no entanto, sabendo que isso ainda não era viável, a amizade parecia ser a única opção.
7. Alexandre O'Neill – Um Amigo
Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Ao longo de seus versos em Amigo, o poeta surrealista português Alexandre O'Neill (1924-1986) buscou definir o que é uma relação de amizade.
Ele queria alcançar um grande feito, e assim fez: iniciou descrevendo as ações associadas à amizade (tais como o sorriso), depois passou para uma comparação com a arquitetura (pois amigo é como um lar) e, por fim, tentou definir o que a amizade não é.
Nesta obra de 1958, No reino da Dinamarca, o belo exercício poético foi registrado como uma grande homenagem aos seus amigos.
8. Cora Coralina e o Seu Amigo
Vamos conversar
Como dois velhos que se encontraram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.
Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra,
seu cheiro de mato,
seu cheiro de pastagens.
É que havia dentro de mim,
no fundo obscuro de meu ser
vivências e atavismo ancestrais:
fazendas, latifúndios,
engenhos e currais.
Mas… ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.
Você teve medo. O medo que todo homem sente
da mulher letrada.
Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.
Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.
Hoje, no tarde da vida,
apenas,
uma suave e perdida relembrança.
O poema Amigo, de Cora Coralina (1889-1985), reflete um tom intimista e se parece com uma conversa descontraída. A poeta goiana, que só começou a publicar aos 76 anos, revela seu conhecimento profundo sobre o início de um relacionamento.
Nos versos, é difícil identificar se o sujeito poético está se referindo à mera amizade ou se o seu "amigo" na verdade é uma metáfora para o seu companheiro romântico.
O eu-lírico revive o momento em que conheceu aquela pessoa, há tempos atrás, e sente tristeza ao lembrar de como aquela história poderia ter se desenrolado de forma diferente. O que poderia ter sido um momento lindo de encontro foi perdido pelo medo de se aproximar e assumir o que sentia. É uma pena que, no fim, aquelas possibilidades não se tenham concretizado.
9. A Amizade de Paulo Leminski
Meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa
presença
olhar
lembrança, calor
meus amigos
quando me dão deixam na minha
a sua mão
Leminski (1944-1989), curitibano, celebra a amizade, a troca e o intercâmbio entre pessoas através de versos curtos e rápidos. Elas estabeleceram um laço de companheirismo e partilha bem próximo.
Ao abordar o gesto de dar a mão, o poema nos fala da importância do entrelaçar entre o que recebemos dos amigos e o que deixamos com eles. O que guardamos dentro de nós é tão significativo quanto o que deixamos no coração dos outros.
10. A Amizade de Sophia de Mello Breyner Andresen
Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão
Em Os amigos, a escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) trouxe o mar para servir de cenário ao poemas. A sua preferência pela temática marinha já era conhecida.
A poeta trata do tema da amizade usando a paisagem da praia como cenário para o poema. O eu-lírico reflete sobre a própria relação consigo, com o mundo ao seu redor e com amigos que se foram, mas que ainda lhe provocam saudades.