Conheça a Literatura Contemporânea Brasileira Com 10 Livros


Escrito por Sónia Cunha

A literatura brasileira contemporânea frequentemente envolve produções que foram publicadas a partir dos anos 2000, mas teóricos podem identificar datas iniciais diferentes, que começam desde a década de 80 e 90. É importante destacar que não há nenhum projeto comum, tanto estético, político, quanto ideológico, entre essas produções literárias. Por isso, não se trata de um movimento organizado.

1. Itamar Vieira Junior - Torto Arado (2019)

Torto arado

O livro foi muito bem recebido pela crítica e reconhecido com grandes prêmios. Itamar Vieira Junior, um escritor baiano estreante, obteve grande reconhecimento com o seu primeiro romance publicado. A obra retrata a situação dos trabalhadores rurais do Brasil, que não se difere muito dos tempos da escravatura. Esta narrativa foi extremamente bem recebida pelo público e ganhou diversos prêmios fundamentais como o Jabuti de Literatura e o Prêmio Leya de Livro do Ano.

No sertão da Bahia, Bibiana, Belonísia e seus familiares, descendentes de escravos, continuam a lidar com uma sociedade rural profundamente conservadora e preconceituosa, mesmo após a abolição da escravidão.

Belonísia possui um perfil mais conformado e trabalha na fazenda ao lado de seu pai sem muitas dúvidas. Por outro lado, Bibiana tem consciência de que ela e seus companheiros estão submissos à condição de servidão. Com sua idealização, ela resolve lutar pela terra na qual todos trabalham e pela libertação dos trabalhadores.

O trabalho literário de Itamar busca evidenciar realidades mais desconhecidas e distanciadas das grandes metrópoles, revelando ao público aspectos marginalizados da literatura contemporânea brasileira.

Atualmente, a literatura contemporânea busca ampliar os horizontes das vozes existentes para incluir vozes que antes não tinham autorização, como mulheres, negros, moradores da periferia e outras minorias.

Antigamente, a literatura brasileira era produzida, principalmente, por homens brancos de classe média, oriundos do eixo São Paulo/Rio, que criavam personagens que refletiam sua identidade. No entanto, hoje em dia, a literatura contemporânea abre espaço para vozes diferenciadas, possibilitando que novos lugares de fala sejam ouvidos e compreendidos.

A internacionalização dos autores brasileiros, que foi exemplarmente alcançada por Itamar, está alinhada à projeção mundial da literatura do nosso país. Embora esse processo fora um tanto quanto tardio, foi possível devido às feiras literárias nacionais em que as editoras nacionais participam, assim como aos programas de ajuda à tradução e aos prêmios que destacam as obras produzidas aqui.

2. Julián Fuks: A Ocupação (2019)

A ocupação

Julián Fuks foi premiado com o José Saramago por sua obra anterior, A resistência. Agora, em A ocupação, ele segue por um caminho diferente, unindo sua experiência individual com o objetivo de refletir sobre o complexo cenário brasileiro atual. A narrativa desta obra segue os passos de sua obra anterior.

Sebastián, o protagonista desta narrativa, é a versão ficcional de Julián Fuks. A obra de Julián é resultado de sua experiência pessoal no Hotel Cambridge, em São Paulo, que foi ocupado pelo Movimento Sem Teto em 2012. A história se desenvolve a partir dessa vida renovada do edifício, sendo uma das principais frentes do enredo.

A obra tem um grande foco nas interações entre o protagonista e o pai, que está hospitalizado, assim como na discussão com a parceira sobre se eles deveriam ou não ter um filho.

A obra Ocupação, da literatura contemporânea brasileira, é um exemplo de romance que brinca com as fronteiras entre a ficção e a biografia, unindo elementos da vida do autor com fatos inventados. Esta interseção entre experiência pessoal e literária é um dos traços mais destacados da produção literária presente.

3. Manual Antirracista para Iniciantes (2019), de Djamila Ribeiro

Pequeno manual antirracista (2019), de Djamila Ribeiro

A jovem ativista brasileira Djamila Ribeiro é reconhecida como uma das principais vozes da luta contra o racismo na atualidade. Seu trabalho curto de onze capítulos oferece ao leitor a oportunidade de refletir sobre o racismo estrutural, que permanece profundamente enraizado na nossa sociedade.

A autora enfatiza a necessidade da antirracismo cotidiano ao destacar a dinâmica social que discrimina o negro e o marginaliza, buscando as mais profundas raízes históricas para a compreensão dos resultados observados atualmente. Assim, convida o público a pensar na importância desse ato.

Recebendo o Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas, o livro contribui para um movimento literário presente na literatura brasileira contemporânea: o de ouvir o outro, entender o seu ponto de vista, reconhecer a sua voz e legitimar o seu discurso.

A Literatura tem buscado, cada vez mais, acolher novas vozes e compreender melhor a realidade social em que vivemos.

4. Luiz Ruffato e o Verão Tardio de 2019

O verão tardio (2019), de Luiz Ruffato

A obra O verão tardio, de Luiz Ruffato, faz uma forte denúncia a respeito da apatia que assola os brasileiros nos dias de hoje. Nele, somos apresentados ao clima de radicalização política, isolamento e descaso com a diversidade, que têm se tornado comuns na sociedade. É visível a dificuldade de diálogo e a perda da habilidade de aceitar o outro, independente de sua religião, gênero ou classe social.

Oséias, um indivíduo típico, nos remete à nossa degradação contínua. Por que deixamos de nos relacionar de forma amigável uns com os outros? Qual o momento em que desenvolvemos um pensamento cego, impedindo-nos de ouvir o outro lado? Quando começamos a oprimir aqueles que são diferentes de nós?

Depois de vinte anos de ausência, Oséias retorna à sua cidade natal de Cataguases, Minas Gerais. Anteriormente trabalhando como representante comercial de uma empresa de produtos agropecuários em São Paulo, ele foi abandonado pela mulher e pelo filho na cidade grande. Esta viagem ao passado permite que Oséias mergulhe na sua memória para reavaliar e ressignificar as suas escolhas pessoais. Além disso, ele aproveita para reencontrar a sua família.

Nas obras de Ruffato, o choque entre o cotidiano urbano e o rural está presente com força. Ao retratar essa fragmentação de valores e de tempo, a literatura contemporânea apresenta diversos Brasis, que se confrontam no mesmo universo narrativo. Esta dualidade tem sido a fonte de inspiração para muitos escritores, que exploram o choque entre opostos para dar forma aos seus textos.

5. Marcelo Rubens Paiva - O Homem Ridículo (2019)

O homem ridículo (2019), de Marcelo Rubens Paiva

Marcelo Rubens Paiva, relevante escritor da literatura brasileira contemporânea, reuniu uma série de contos e crônicas que tratam da temática do gênero e lançou O homem ridículo.

Após uma releitura e reescrita destes pequenos textos, o autor pretendeu despertar a discussão acerca dos papéis sociais e dos estereótipos de gênero.

Marcelo Rubens Paiva decidiu aprofundar o conhecimento acerca dos relacionamentos entre homens e mulheres, iluminando a conversa entre eles e criando um retrato afetivo e moderno das relações amorosas.

A partir da mudança que ocorreu no mundo, surgindo um discurso mais democrático, no qual as mulheres têm uma voz mais forte, Marcelo Rubens Paiva decidiu abordar esse tema.

A obra é curta e tem velocidade, refletindo uma tendência dos tempos atuais de produzir materiais em versões menores, para serem consumidos rapidamente.

Marcelo Rubens Paiva é um ícone da profissionalização da literatura brasileira, que está cada vez mais comum. Além de escritor, ele também é jornalista, roteirista e dramaturgo e consegue viver da escrita, o que jamais foi imaginado algumas décadas atrás.

6. Uma visão otimista para o futuro: 'O mundo não vai acabar' de Tatiana Salem Levy (2017)

O mundo não vai acabar

A obra de Tatiana Salem Levy, um compilado de ensaios curtos, oferece uma mistura de assuntos abrangendo questões políticas brasileiras e globais, com foco em figuras como o prefeito Crivella e o presidente Trump. Para além disso, ela também discute a economia e os problemas sociais atuais, como a tendência de aumento da xenofobia no mundo.

A obra apresenta elementos autobiográficos que permitem visualizar como a autora olha para o mundo, muitas vezes manifestando-se por meio de um posicionamento de rebeldia.

Todas as histórias compartilham o objetivo de auxiliar na compreensão do mundo atual.

A produção literária de Tatiana Salem Levy nos revela um importante aspecto da literatura brasileira contemporânea: o desejo de se retratar a realidade, ainda que frequentemente ela seja apresentada como uma seqüência de fragmentos.

Os autores contemporâneos buscam, ao nos oferecer várias perspectivas de leitura da sociedade atual, criar conosco um cenário social que nos ajude a entender o presente.

7. Miguel del Castillo em Cancún (2019)

Cancún

Miguel del Castillo, escritor carioca, apresenta em Cancún o percurso de vida de Joel desde a adolescência até aos 30 e poucos anos. Num período inicial desconfortável, Joel encontra acolhimento numa igreja evangélica, entrando assim na vida adulta e enfrentando as principais escolhas que teria de tomar.

No livro, Joel é retratado enquanto lida com sua complicada relação com o pai e com a família. Os momentos que guiaram a transformação dele são abordados, possibilitando uma compreensão mais profunda de sua identidade.

Neste romance, que retrata a formação de um menino, são abordados temas como religião, sexualidade e paternidade. Acompanhamos a vida do personagem desde sua infância, vivendo em um condomínio fechado da Barra da Tijuca, passando por sua adolescência desafiadora, até o nascimento de seu primeiro filho.

Miguel del Castillo busca na sua biografia para dar vida ao seu romance de estreia. O livro conta a jornada de um personagem que retrata a vida de uma classe média alta carioca. Ao criar, o autor recorreu também a memórias pessoais.

Ao lermos Cancún, verificamos que o autor procura formar uma identidade própria. Esta busca por uma impressão marcante é um rasgo comum a muitos escritores da literatura contemporânea do Brasil.

Veja também

8. Análise do Autoritarismo no Brasil em 2019 por Lilia Moritz Schwarcz

Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), de Lilia Moritz Schwarcz

As produções brasileiras contemporâneas de Lilia Moritz Schwarcz possuem um forte apelo ao engajamento social e ao conhecimento sobre as nuances da nossa sociedade.

Lilia Moritz Schwarcz, professora da USP, está intrigada com o presente. Em seu ensaio, ela parte em busca de explicações sobre as raízes do autoritarismo na sociedade brasileira, remontando cinco séculos para encontrar suas respostas.

Lilia dirige sua atenção para a origem política e social do nosso país, tendo como base dados estatísticos e informações históricas. Ela também analisa audazmente as questões de gênero, observando que, em 2018, apenas 15% das cadeiras no cenário político foram ocupadas por mulheres, quando elas representam 51,5% da população brasileira.

9. Ninguém Precisa de Si: Uma Obra de Arnaldo Antunes (2015)

Agora aqui ninguém precisa de si (2015), de Arnaldo Antunes

Até agora não discutimos sobre a poesia brasileira contemporânea, que é muito peculiar. A obra de Arnaldo Antunes é um excelente exemplo deste gênero literário, que transmite além das palavras, também pela forma.

A poesia contemporânea é amplamente reconhecida por empregar outros meios além da linguagem verbal, como gráficos, montagens e colagens, proporcionando ao leitor uma experiência poética única e repleta de significados. Trata-se, portanto, de uma poesia visual.

A metalinguagem é um recurso frequentemente presente na poesia contemporânea brasileira. Consiste em uma forma de a linguagem falar sobre ela mesma, isto é, ao longo do poema, encontramos comentários sobre sua própria produção. Por exemplo, Arnaldo Antunes recorreu a esse recurso metalinguístico para refletir sobre a poesia.

10. Ana Miranda - Dias e Dias (2002)

Dias e dias (2002), de Ana Miranda

A romancista Ana Miranda é pouco reconhecida no meio literário brasileiro, porém, ela produziu obras contemporâneas de grande relevância.

O romance Dias e Dias conta a história de amor entre a sonhadora Feliciana e o poeta romântico Antônio Gonçalves Dias, que viveu no século XIX e criou obras importantes como a Canção do Exílio e I-Juca-Pirama. Esta obra mescla realidade e ficção.

A obra de Ana Miranda evidencia o uso da intertextualidade. Esta estratégia de recriação de textos anteriores é bastante comum na literatura brasileira contemporânea. No romance, é possível notar influências da poética de Gonçalves Dias, evidenciando as relações entre um texto e outro, antes e depois.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.