O Engenho do Menino José Lins do Rêgo


Escrito por Sónia Cunha

O romance de José Lins do Rêgo, intitulado 'Menino de Engenho', foi publicado em 1932. Sendo financiado pela própria autoria, foi recebido com grande êxito tanto nos meios comerciais quanto nas críticas.

O livro narra a infância de Carlos no engenho da Paraíba.

Atenção! Este artigo contém spoilers.

Análise da obra

A Tristeza da Orfandade

Quando Carlos era apenas um menino pequeno, seu pai cometeu um ato terrível ao matar a sua mãe. Depois desse trágico acontecimento, Carlos foi levado para o engenho de seu avô materno, que havia se tornado um lugar mágico em sua imaginação. Embora ele tivesse escutado muitas histórias contadas pela sua mãe, nunca havia visto o engenho com seus próprios olhos.

Chegando ao Engenho

Ao chegar ao engenho, Carlos é tomado por misto de emoções, entre admiração, medo e tristeza pela morte de sua mãe. Logo de cara, se depara com o mecanismo trabalhando, moendo o resto da safra de cana, chamando a atenção de Carlos.

Logo após chegar ao engenho, ele passou a conviver com outras pessoas da família. Sua tia Maria logo se tornou sua segunda mãe, pois ela o protegia dos modos autoritários de sua tia Sinhazinha, que era cunhada de seu avô e responsável pela casa-grande.

Carlos e sua Nova Vida

Ao chegar, Carlos era introduzido ao mundo do engenho quando seus primos chegaram. Com eles, ele passou a tomar banho no rio e se aventurar pelo Santa Rosa. Logo ele se adaptou à vida no engenho, a pele ganhando cor com a incidência do sol e esquecendo, por um momento, a saudade da sua mãe.

Muitos capítulos focam na rotina do engenho, contando a história de um menino que convive com os negros da senzala, caça passarinhos, medita sobre a solidão do campo e ouve lendas e histórias do interior.

O engenho de Santa Rosa recebia grandes acontecimentos, como as fortes chuvas e as inundações da várzea. Por vezes, a casa-grande do avô do lugar abrigava visitas inesperadas, como o cangaceiro que lá passava. Entre esses acontecimentos extraordinários, a rotina do engenho prosseguia.

A Maturidade de Carlos

No romance, Carlos é contado como um personagem que lida com amor e solidão. O seu primeiro sentimento amoroso é por sua prima mais velha, Maria Clara, que vem para passar as férias no engenho. Carlos e Maria Clara se beijam, mas ela acaba voltando para a cidade, deixando-o sozinho.

A saída de Maria da casa-grande deixou Carlos abalado. Era como se tivesse perdido sua mãe, pois ela era quem cuidava dele. Sua tia Sinhazinha, apesar de ser cruel, passou a demonstrar compaixão pelo garoto e a tratá-lo carinhosamente.

Carlos cresceu como um solteirão no engenho, sua liberdade infantil se transformando rapidamente em libertinagem de um pré-adolescente. Sua primeira experiência sexual aconteceu aos 12 anos, com uma negra que zelava por ele. A partir daí, Carlos tornou-se um libertino inveterado, sempre à procura de mulheres no engenho.

A experiência no internato

A ida de Carlos para o internato era vista como a possível solução para o seu mau comportamento. Essa esperança de melhora no futuro também se apresentava como uma oportunidade para ampliar as liberdades da criança. Durante os meses anteriores à sua partida para a cidade, Carlos contava com toda a liberdade do mundo. No entanto, com sua saída do engenho para o internato, veio também o fim dos momentos de alegria e romance vividos anteriormente.

A Rotina da Cana-de-Açúcar

O escritor José Lins do Rêgo criou um ciclo de cinco romances intitulado "Ciclo da Cana", que retratam a decadência dos engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro. Menino de Engenho abre o ciclo literário, sendo que Fogo Morto, último livro publicado por Lins do Rêgo, é considerada sua obra prima.

O avanço das usinas de beneficiamento da cana-de-açúcar fez com que os engenhos perdessem gradativamente sua influência no Nordeste brasileiro.

No romance Menino de Engenho, ambientado em um lugar ligado ao passado e à tradição escravagista, é possível ver a decadência no ar. A casa-grande e o campo da cana são importantes figuras na obra, carregando todo o peso de uma história de luta e resistência.

Minha atenção inteira foi para o mecanismo do engenho. Não reparei em mais nada.

Foco Total no Mecanismo do Engenho, Ignorando Tudo Mais.

José Lins do Rêgo foi influenciado tanto pelas visões literárias de Gilberto Freyre quanto por seus estudos sociológicos. Estas foram fontes de inspiração para o autor.

A Antiga Casa Grande e a Senzala

Embora a escravidão tenha sido proibida, a obra de José Lins do Rêgo carrega fortes evidências da servidão, como se, no estado da Paraíba, ainda existissem vestígios deste regime cruel.

A obra frequentemente retrata figuras do feitor e do eito, ambos sendo responsáveis por supervisionar e trabalhar na roça de escravos, respectivamente.

A senzala do Santa Rosa não desaparecera com a abolição. Ela continuava pregada à casa-grande, com as suas negras parindo, as boas amas de leite e os bons cabras do eito

A Senzala do Santa Rosa Mesmo Após a Abolição: Negras Parindo, Amas de Leite e Cabras do Eito

A casa-grande inspira submissão e gratidão nos negros que se tornaram livres, enquanto o narrador se encanta com o mundo destes antigos escravos.

O fascínio do narrador pela liberdade das crianças negras nos campos acaba por contrastar com o seu próprio destino de servidão nos trabalhos do campo, apesar de sentir-se muito livre e ser parente do senhor de engenho.

Veja também

Regionalismo e Modernismo na Prosa

No início do século XX, o movimento modernista liderado por Mário de Andrade e Oswald de Andrade buscava por meio da modernidade e da criação de uma linguagem brasileira, uma literatura nacional. Por outro lado, nos estados do Nordeste, um conjunto de escritores encontravam na sua terra a inspiração necessária para construírem uma nova produção literária.

No início, o regionalismo e o modernismo divergiram. Os autores do Nordeste defendiam que a motivação dos escritores de São Paulo vinha de fora, dificultando a construção de uma literatura brasileira. Com o decorrer do tempo, tais movimentos foram se aproximando e as duas principais vanguardas culturais do país começaram a ter características em comum.

O regionalismo alcançou uma das principais metas dos modernistas brasileiros: redigir seus escritos numa língua nacional, com mais características regionais do que estrangeiras.

O diabo daquele doutor me fechara num inferno, ali, a dois passos de um paraíso de portas abertas.

Em um Inferno Próximo ao Paraíso: A Experiência do Doutor

A obra de José Lins do Rêgo é marcada por um regionalismo autêntico, fruto de suas memórias da infância passada em um engenho de açúcar. As vivências do menino de engenho são extremamente vivas para o leitor, o que o torna universal, pois é possível desfrutar delas independente do local onde se vive. A autobiografia apresentada é um dos principais pontos de sua literatura, que deixa um marco impactante para todos que a leem.

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.