Análise e Resumo de Dom Casmurro


Escrito por Laura Aidar

O romance "Dom Casmurro", de Machado de Assis, publicado em 1899, narra, de forma autobiográfica, a história de Santiago, protagonista que busca "atar as duas pontas da vida" rememorando o seu passado.

Santiago (Bentinho na época) e Capitu, amigos de infância, começam sua narrativa na juventude. O amor entre eles floresce e eles acabam casando. No entanto, a história também aborda temas como desconfiança, ciúme e traição.

Há uma questão que permanece no ar para o leitor de Machado de Assis: Capitu traiu ou não Bentinho? O narrador parece ter a certeza, mas o leitor desconhece a verdade. A obra de Machado de Assis é a maior de sua carreira, e uma das mais importantes da literatura brasileira. Ao traçar um retrato moral da época, o autor nos leva a desvendar o mistério.

Visão Geral da Trama

Bentinho, apelido dado naquela época, descobre que está profundamente apaixonado pela sua vizinha e amiga de infância, Capitu. A narrativa começa a partir deste momento.

Dona Glória, muito religiosa, havia prometido que, se seu filho nascesse saudável, faria dele um padre. Devido a isso, aos quinze anos, Bentinho se viu obrigado a seguir para o seminário, embora soubesse que não possuía vocação para isso e estivesse apaixonado.

Capitu começa a namorar com Bentinho e tenta, com ajuda de José Dias, encontrar uma maneira de livrá-lo da promessa que fez à D. Glória. Entretanto, todos os seus esforços são em vão e o menino tem que cumprir o que prometeu.

Enquanto Bentinho estava longe, Capitu aproximou-se cada vez mais de Dona Glória, tornando-se insubstituível. Durante a sua estadia no seminário, Bentinho conheceu Escobar, com quem se tornou grande amigo e confidente. Ele confessou ao seu companheiro o seu amor por Capitu, e Escobar apoiou-o, dizendo que também tinha vontade de abandonar o seminário para seguir atrás dos seus sonhos de comércio.

Aos dezessete anos, Bentinho conseguiu se libertar do seminário e começou a estudar Direito. Ele concluiu o bacharelado aos vinte e dois anos e, nessa altura, casou-se com Capitu. Seu amigo Escobar casou com Sancha, uma amiga de infância de Santiago. Os dois casais eram muito próximos e o narrador teve um filho com sua esposa, que recebeu o nome de Escobar: Ezequiel.

No velório de Escobar, o protagonista percebe o olhar de Capitu e, nesse momento, fica obcecado com a ideia de que ela estava apaixonada pelo seu amigo. Isto, mais tarde, desperta ainda mais a sua atenção, pois começa a reparar em cada vez mais semelhanças entre Escobar, que tinha o hábito de nadar no mar todos os dias, e Ezequiel.

Quando era interrompido por Ezequiel, Bentinho não tinha intenção de matar sua mulher ou o menino. Ele diz a Ezequiel que ele não é seu filho e confronta Capitu com isso, que nega tudo, apesar das semelhanças físicas. Com isso, eles decidem se separar.

Santiago parte para a Europa com sua família, sendo que Capitu fica morando com o filho. Ela acaba por morrer na Suíça, e Santiago ficou conhecido na vizinhança como "Dom Casmurro" devido à sua vida solitária. Quando Ezequiel, já adulto, foi visitar Santiago, ele confirmou suas suspeitas de que Ezequiel era na verdade Escobar. Passados alguns anos, Ezequiel morreu, assim como todos os outros familiares e amigos de Santiago, que ficou sozinho. Foi então que decidiu escrever o livro.

Personagens Centrais

Ao longo do tempo, o narrador-protagonista experimenta diferentes aspectos de sua personalidade, representados por como ele é chamado por outras pessoas. Na adolescência, ele é conhecido como Bentinho, uma figura inocente que luta contra a vontade materna (sacerdócio) e os desejos da namorada (casa).

Após deixar o seminário e concluir os seus estudos, Santiago casou-se com Capitu e passou a ser referido por este nome. Neste momento, deixou de ser visto como um menino para ser considerado como um advogado, marido e pai. Completamente dedicado à sua família e obcecado por Capitu, começou a demonstrar gradualmente sinais de desconfiança e ciúme.

Apesar de se separar da família, Dom Casmurro continuou sua vida de maneira reclusa e silenciosa. Tornou-se um homem solitário e amargo, conhecido pelos vizinhos como Dom Casmurro, pois o relacionamento social foi praticamente inexistente.

Desde a sua infância, Capitu é uma companheira próxima de Santiago. Ao longo do livro, é descrita como uma mulher inteligente, alegre, apaixonada e decidida. É no início de seu namoro que vemos sua determinação para libertar Bentinho do seminário, chegando a recorrer a artimanhas e ameaças.

A figura de Capitu é frequentemente associada à manipulação e ao perigo, acusação que é estabelecida no início da narrativa por José Dias quando ela é qualificada com "olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Esta expressão é reiterada pelo narrador ao longo da obra, sendo, inclusive, comparada com "olhos de ressaca" que exercem "uma força que arrastava para dentro”.

Ezequiel Escobar e Santiago se conheceram durante o seminário e tornaram-se bons amigos e confidantes. No entanto, desde o início, como acontecera com Capitu, havia uma suspeita em relação a Escobar. Ele possuía olhos claros, um pouco fugitivos, assim como suas mãos, pés, fala e tudo mais. Além disso, Escobar não fitava os rostos das pessoas e não falava com clareza.

Escobar e Santiago eram próximos como irmãos. Sua ligação era tão forte que Escobar batizou seu filho com o nome do amigo. Infelizmente, Escobar morreu afogado enquanto ainda era jovem, e tornou-se um assombro no caminho de Santiago - destruindo sua família ao longo do caminho.

Importância das Personagens Secundárias

Dona Glória, mãe do protagonista, era uma viúva ainda jovem e de bondade extrema. Durante a adolescência de Bentinho, ela se encontrava dividida entre sua desejo de ter seu filho perto e a promessa que havia feito durante a gestação. Embora, inicialmente, se mostrasse contra a relação dos adolescentes, Dona Glória acabou por apoiar a união dos dois.

José Dias é descrito pelo narrador-protagonista como "o agregado". Ele é um amigo da família que se mudou para a casa de Matacavalos quando o marido de Dona Glória ainda estava vivo. Foi José Dias quem primeiro sugeriu um possível namoro entre Bentinho e Capitu, antes mesmo de Bentinho perceber seus próprios sentimentos por ela. Ele também foi o primeiro a suspeitar do caráter da menina.

Para agradar a viúva, o padre que Bentinho encarrega de ouviu confessar a sua vontade de não ser padre inicialmente incentiva a entrada do garoto no seminário. Contudo, quando Bentinho se abre com ele e manifesta a sua vontade, o padre revela-se um verdadeiro amigo e passa a conspirar com ele para libertá-lo da vida sacerdotal.

Dona Glória e Cosme formam a famosa "casa dos três viúvos" em Matacavalos. Cosme, irmão de Glória, é notado pelas suas grandes paixões, mas com o passar dos anos tornou-se apático e desinteressado. Apesar de observar atentamente o que acontece ao seu redor, mantém uma postura neutra e não assume partido.

Justina, prima de Glória e Cosme, é apresentada como alguém que questiona o status quo. Ela é a primeira a discordar da decisão de levar Bentinho para o seminário, pois acredita que o menino não tem intenção de seguir essa carreira.

É a única em Matacavalos que não tem um caráter tolerante com relação a Capitu, mostrando-se claramente desconfortável com sua aproximação com Glória e suas frequentes visitas à casa da família. Também é a única do lugar que não se sente simpatizante para com o Escobar.

Depois que o narrador-protagonista negou ser o pai da criança de Capitu e Santiago, devido à sua semelhança com Escobar, eles se separaram.

Explorando a Obra: Uma Análise e Interpretação

Contar a História

Na obra Dom Casmurro, a narrativa é contada na primeira pessoa, com Bento Santiago, o personagem-narrador, rememorando seu passado. Sendo assim, a narração é dependente da memória do protagonista, apresentando os fatos segundo o seu próprio ponto de vista.

Devido à subjetividade e parcialidade da narrativa, o leitor não consegue decidir qual a parte realidade e qual a parte imaginação do Santiago. Isso gera uma dúvida na fiabilidade do narrador. Por esse motivo, esse livro oferece ao leitor a oportunidade de interpretar os fatos e decidir se está a favor ou contra o protagonista, diante da possibilidade de traição.

Medindo o Tempo

O romance começa em 1857, indicando que Bentinho tinha quinze anos e Capitu catorze. É nesse momento que José Dias expõe a Dona Glória a possibilidade de um namoro entre os dois.

O livro Dom Casmurro reúne momentos de presente, quando Santiago escreve a obra, e também o passado, quando ele foi adolescente, namorou com Capitu, frequentou o seminário, teve uma boa amizade com Escobar, se casou e sofreu com a suposta traição. Todos esses acontecimentos culminam em conflitos que mesclam o passado e o presente.

Acontecendos relevantes são relatados através da memória do narrador-protagonista, e ajudam a situar cronologicamente tais acontecimentos. Indicações temporais são usadas para permitir que o leitor se coloque no momento específico da narrativa.

Em 1858, o jovem embarcou em uma jornada rumo ao seminário.

Em 1865, Santiago e Capitu se casaram. Eles selaram esse momento importante com um grande casamento.

Com a morte do Escobar, melhor amigo de Santiago, em 1871, suas suspeitas de traição começaram a surgir.

Santiago informou a Ezequiel que não era seu filho, gerando um grande conflito entre o casal. Como solução, eles decidiram partir para a Europa, para evitar um escândalo. Porém, o protagonista voltou para o Brasil sozinho, e a família se desfez para sempre.

Explorando o Universo

Situada no início / final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro era a sede do Império brasileiro desde a Independência em 1822. Enquanto isso, a ascensão da burguesia e pequeno-burguesia carioca era notável.

A família de Santiago pertence a uma classe social de maior poder aquisitivo e reside em algumas das mais antigas regiões do Rio de Janeiro, passando pelos bairros de Matacavalos, Glória, Andaraí e Engenho Novo.

Introdução do Narrador Principal e do Enredo

No início da narrativa, o narrador-protagonista conta a história de seu apelido, “Dom Casmurro”. Ele explica que foi dado por um rapaz do bairro, como uma ofensa ao seu jeito calado e introvertido. Em seguida, fala sobre seu objetivo ao escrever a obra, expondo suas motivações.

"Vivo só, com um criado” - é assim que ele descreve a sua situação atual. A casa onde reside é uma réplica exata da casa de sua infância, o que o leva a almejar o retorno aos tempos passados. Contudo, diante da vida atual, admite sua insuperável sensação de solidão: “falto eu mesmo, e esta lacuna é terrível”.

Escreva sua história para reviver as memórias passadas e conectar o que foi com o que é. Reviva os momentos que viveu como um jovem e reflita sobre como esses acontecimentos moldaram o homem que se tornou. "Viverei o que vivi" e unirei o meu passado e o meu presente.

Explorando o Amor na Adolescência

O narrador inicia sua história a partir de um evento que lhe foi marcante: aos quinze anos, ele presencia uma conversa entre José Dias e Dona Glória que sugere a proximidade entre Bentinho e Capitu, que pode culminar em um namoro.

A frase de José Dias reverberava na mente do adolescente, produzindo uma epifania.

Com que então eu amava Capitu e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto.

Nos capítulos seguintes, acompanhamos o eterno embate entre o amor de duas pessoas jovens, que culmina num primeiro beijo (capítulo XXXIII) e num voto de amor perpétuo (capítulo XLVIII : “juremos que nos havemos de casar um com o outro, haja o que houver”).

Capitu resolveu que não deixaria o namorado partir para o seminário, então ela preparou várias estratégias para que Bentinho não fosse, que ele cumpriu obedientemente.

A partir deste trecho da história, fica evidente o perigo que a personagem representa, com seus olhos "de ressaca", "de cigana oblíqua e enganosa".

Capitu, aos quatorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois.

Logo no início da trama, o leitor fica desconfiado dos movimentos de Capitu, enquanto se depara com a narrativa de uma história de amor, na qual ela parece estar totalmente entregue, apaixonada, pronta para tudo para ficar com seu grande amor e garantir-lhe a felicidade.

Seminário: Tempos de Aprendizado

O personagem Bentinho acabou indo para o seminário, onde conheceu Ezequiel de Sousa Escobar. Embora o leitor possa ter dúvidas a respeito da personagem devido aos seus "olhos, de costume fugidos", a amizade entre os dois se tornou grande e profícua.

Bentinho e Escobar tornam-se grandes amigos e confidantes, compartilhando seus desejos: enquanto Bentinho anseia por se casar com Capitu, Escobar deseja seguir uma carreira no comércio, afastando-se dos estudos religiosos.

Bentinho levou seu amigo para conhecer a sua família durante uma visita. Todos receberam-no com afeto, exceto a prima Justina, que expressou desconfiança em relação ao seu caráter. No entanto, o amigo continuou a apoiar e a incentivar o romance.

Escobar era um tanto metediço e tinha uns olhos policiais a quem não escapava nada.

Na ausência do filho, Dona Glória fica mais frágil. Capitu aproveita essa oportunidade para se aproximar dela, criando uma ligação cada vez maior, como se estivesse preparando o caminho para o casamento futuro.

Vida Adulta e Casamento

Ao longo da história, José Dias oferece sua colaboração para que o protagonista, Bentinho, possa abandonar o seminário. Após isto, o personagem segue seus estudos em Direito e alcança o título de bacharel aos 22 anos. Mais tarde, ele se casa com Capitu.

Durante o capítulo CI, o padre proferiu palavras que revelaram a ironia de Machado de Assis.

As mulheres sejam sujeitas a seus maridos…

Ela era quem estabelecia as regras durante o casamento tão bem quanto no namoro. O marido, contudo, demonstrava o seu amor e respeito pela esposa, sem se importar com seus ditames.

Quando a união de Sancha e Escobar foi mencionada pela primeira vez, foi sugerida a possibilidade de um adultério cometido por Escobar, mas logo foi esquecida, já que não houve nenhum escândalo.

Os dois casais desenvolveram uma conexão tão forte que se tornaram inseparáveis. Estavam sempre juntos e passavam a maior parte do tempo compartilhando experiências.

As nossas visitas foram se tornando mais próximas, e as nossas conversações mais íntimas.

A amizade entre Santiago e Escobar aumentava a cada dia, e Capitu e Sancha eram como irmãs. Infelizmente, Escobar morreu afogado no mar revolto e isso destruiu a paz conjugal de Santiago, iniciando sua queda.

Os Perigos do Ciúme e da Traição

O primeiro sinal de ciúmes do narrador vem durante o namoro, quando José Dias visita e menciona a alegria de Capitu, dizendo: “Aquilo até que algum rapaz da vizinhança se case com ela…”.

O amigo do protagonista disse algo que o inspirou a imaginar que a pessoa amada poderia acabar se casando com outra se ele não estivesse presente. Isso provocou uma epifania nele.

No capítulo LXII de Dom Casmurro, intitulado "Uma ponta de Iago", Machado de Assis faz uma referência à tragédia de Shakespeare, Otelo, que aborda temas como ciúme e adultério. O vilão nesta peça, Iago, leva o protagonista a suspeitar da infidelidade de sua esposa. Desconfianças que começam nesse capítulo.

A partir daí, Santiago começou a demonstrar cada vez mais ciúmes, como se tivesse sido acordado pelas palavras do "agregado".

Incomodado com a independência de Capitu na sua vida conjugal (“era como se um pássaro saísse da gaiola”), Bentinho convenceu-se de que todos os homens a desejam quando foi vê-la a um baile com os braços nus. Enciumado, persuadiu-a a não ir ao seguinte e a começar a cobrir os braços.

"Capitu era tudo e mais que tudo" - essa é a obsessão de Bentinho por sua amada. A tal ponto, que suas desconfianças se tornam irracionais: "Cheguei a ter ciúmes de tudo e todos".

Santiago sente-se atraído por Sancha, e ela parece também corresponder: "A mão dela apertou a minha com muita força e demorou-se mais do que o usual." Apesar do seu hábito de controlar tudo e viver em função de Capitu, este encontro parece ter despertado algo nele.

O narrador foi profundamente tocado pelo momento que partilhou com a outra pessoa ("os olhos que trocámos"), mas teve o respeito para não ceder à tentação, pois Escobar era seu amigo ("rejeitei a figura da mulher de meu amigo, e chamei-me desleal").

Parece não ter muita relevância na história, mas este episódio sugere que os casais estavam tão próximos que eram propensos a se envolverem em casos de infidelidade.

O narrador só discorre sobre o relacionamento entre o amigo e a esposa em questão durante o velório de Escobar (capítulo CXXIII), apesar de ter deixado algumas dicas, ao longo da obra, de possíveis defeitos de caráter. Assim, ele expõe ao leitor o caso entre os dois.

Capitu era observada de longe, ela estava fitando o corpo de forma apaixonada e tentava esconder as lágrimas, limpando-as atrás das costas enquanto olhava para aqueles que se encontravam na sala.

A expressão na face da mulher é tão desoladora que chama a atenção do protagonista que reflete sobre a tristeza que se conecta aos "olhos de ressaca" de que fala no título do capítulo.

Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.

Como se fechasse um ciclo, o perigo inerente à personagem, profetizado no começo do livro por José Dias, revela-se finalmente. Ela tem consciência (ou imagina) da traição sofrida enquanto lê o elogio fúnebre ao seu amigo.

Nessa passagem, é feita uma comparação com Príamo, rei de Troia, que beijou a mão de Aquiles, o assassino de seu filho: "Eu havia acabado de elogiar as qualidades de alguém que agora recebia os olhos do seu falecido".

O sentimento de traição e ódio criados nesta situação são o que motivam o resto da trama, determinando a atitude do protagonista e as decisões que ele toma.

Enfrentando a Divisão

seu tio. Desde a infância, Ezequiel já tinha a tendência de imitar pessoas, sendo o tio de Sancha o principal alvo dessa mania.

Alguns dos gestos já lhe iam ficando mais repetidos, como o das mãos e pés de Escobar; ultimamente até apanhara o modo de voltar da cabeça deste, quando falava, e o de deixá-la cair, quando ria.

Santiago não consegue deixar de pensar no amor entre ele e Capitu após presenciar seu sofrimento durante o velório do amigo. O protagonista é assombrado pela semelhança física do filho dele com seu rival.

Escobar vinha assim surgindo da sepultura (…) para se sentar comigo á mesa, receber-me na escada, beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do costume.

Um ano após a morte de Escobar, Santiago permanecia casado com Capitu, contudo, a desconfiança em relação à sua infidelidade era cada vez mais forte. O seu ódio crescia a cada dia e a necessidade de vingança se tornava evidente através de frases como “eu jurei que os mataria aos dois”.

Atraído pela coincidência, ele foi ver Otelo, de Shakespeare, e teve uma fantasia violenta e trágica, como aquela da peça: “Capitu devia morrer”. Comparou a sua amada a Desdêmona, a esposa que Otelo matou cego de ciúmes, acreditando que ela o havia traído com Cássio, seu homem mais fiel.

Ele estava desesperado ao ponto de querer se envenenar, mas essa atitude foi interrompida por Ezequiel. Em vez de tentar se matar, ele escolheu vingar-se com palavras cruéis: "Não, não, eu não sou teu pai”.

Ao encarar Capitu com relação ao possível adultério com Escobar, a mulher fica surpresa. Ela menciona que, apesar de Bentinho ter seu comportamento controlador, nunca revelou sequer a mais ínfima dúvida sobre sua relação. “Você, que tanto se preocupava com o mais insignificante movimento, nunca demonstrou qualquer sinal de desconfiança”.

Assumindo "a casualidade da semelhança" entre Escobar e Ezequiel, o personagem principal é suavemente dissuadido da ideia, sendo sugerido que foi influenciado por seu comportamento possessivo e desconfiado.

Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!

O narrador conclui o casamento dizendo: “A separação é coisa decidida”. Apesar de terem tentado reconciliar-se, Santiago, Regina e André não conseguiram evitar o divórcio. Por isso, pouco tempo depois, os três partiram para a Europa. Mais tarde, Santiago foi o único que regressou ao Brasil.

No ano seguinte, ele viaja, apenas para manter as aparências, sem chegar a visitar a mulher e o filho que havia deixado na Europa.

A Solidão do Isolamento

As mortes dos demais membros da família noticiadas nos últimos episódios da obra deixam o narrador-protagonista cada vez mais solitário. Capitu e Ezequiel, ambos afastados, falecem antes de Santiago. Com o nome Dom Casmurro, o personagem principal evita assim o contato social.

Tenho-me feito esquecer. Moro longe e saio pouco.

Analisando sua existência desde que se separou, notou que passou bem, acompanhado de muitas mulheres, todavia não se apaixonou por nenhuma delas com a mesma intensidade que amou Capitu, pois nenhuma possuía aqueles "olhos de ressaca, ou de cigana oblíqua e dissimulada”.

Embora não haja provas ou qualquer compreensão do que motivou a possível infidelidade, a obra termina com a lembrança da traição de ambos como "a soma de todos os sumos, ou o fim de tudo", no seu caminho.

(...) a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me… A terra lhes seja leve!

Aprenda mais

A Traição de Capitu a Bentinho: Verdade ou Ficção?

Suspeitas de Infidelidade

A obra tem se mostrado cativante para os leitores de todas as épocas graças ao trabalho de investigação que ela promove. A narração focalizada no protagonista faz com que muitos indícios de traição sejam desnecessários ao longo da história.

Ao longo do livro, o leitor acompanha o processo de Santiago enquanto ele coloca as peças do quebra-cabeça de Escobar juntas. Depois do velório, o próprio leitor também começa a ver os sinais que passou despercebidos até então.

Lembravam-me episódios vagos e remotos, palavras, encontros e incidentes, tudo em que a minha cegueira não pôs malícia, e a que faltou o meu velho ciúme. Uma vez em que os fui achar sozinhos e calados, um segredo que me fez rir, uma palavra dela sonhando, todas essas reminiscências vieram vindo agora, em tal atropelo que me atordoaram…

Capitu respondeu que era a beleza do mar que a deixava assim. No início de seu matrimônio, num momento de tranquilidade conjugal, Santiago se encantou ainda mais com Capitu. Quando ele notou que ela olhava para o mar com ar reflexivo, perguntou o que havia acontecido. Ela simplesmente respondeu que era o encanto do mar que a deixava assim.

A esposa espantou-o ao revelar que tinha uma surpresa: ela havia economizado parte do dinheiro das despesas da casa e o trocou por dez libras esterlinas. Ele ficou surpreso e questionou como ela havia conseguido fazer aquela troca.

– Quem foi o corretor?

– O seu amigo Escobar.

– Como é que ele não me disse nada?

– Foi hoje mesmo.

– Ele esteve cá?

– Pouco antes de você chegar; eu não lhe disse para que você não desconfiasse.

No momento, aquilo pareceu ser uma conspiração inocente ("ri-me do segredo de ambos"), mas pode ser entendido como um indício de que Capitu e Escobar se encontravam sem que o protagonista soubesse.

Quando Capitu disse estar doente e Santiago foi à ópera sozinho, ele voltou para casa no intervalo e encontrou o amigo Escobar na entrada do corredor.

Capitu já não estava doente, mas seu estado de saúde havia melhorado significativamente. Seu comportamento, entretanto, havia mudado um pouco.

Não falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia.

"Escobar me observava, encarando-me desconfiado. No entanto, o protagonista acreditava que isso fosse relacionado com os assuntos que estávamos discutindo".

Ao relermos a passagem, observamos que Capitu e Escobar tinham sido apanhados em um encontro em segredo.

Apesar de acontecer quase no final da narrativa, este reencontro não se trata de uma pista escondida, mas sim de uma confirmação das suspeitas do narrador.

"Seu rosto ainda era o mesmo, cada ruga, cada gesto, suas dores, seus amores, tudo ainda estava lá, guardado com muito cuidado". Ao rever Ezequiel, adulto, sem aviso prévio, o protagonista ficou abismado com o seu rosto: "Seu rosto ainda era o mesmo, cada ruga, cada expressão, suas dores, seus amores, tudo estava lá, guardado com muita precisão". Apesar de ter certeza da traição, não conseguiu evitar um sentimento de admiração.

“Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar”

O narrador sublinhou repetidamente que era "o mesmo rosto" e que "a voz era a mesma". Ele continuava sendo assombrado pelo seu antigo companheiro do seminário, que "ressurgia cada vez mais do cemitério".

Ezequiel faz lembrar o pai ao narrador. O narrador não pode ignorar as parecenças físicas entre Ezequiel e seu pai. Apesar de Santiago já não formar mais parte da vida do menino, Ezequiel trata-o com carinho e saudade, como se lembrasse dos motivos da separação. O que mais choca o narrador é que Ezequiel o faz lembrar a seu próprio pai.

(...) fechava os olhos para não ver gestos nem nada, mas o diabrete falava e ria, e o defunto falava e ria por ele.

Capitu morrera na Europa algum tempo antes, deixando o rapaz desolado. No entanto, finalmente teve a certeza acerca da sua paternidade, mas isso o entristeceu profundamente: “doeu-me que Ezequiel não fosse, de fato, meu filho”.

A Inocência Possível de Capitu: Uma Nova Perspectiva

Apesar de a interpretação mais comum de “Dom Casmurro” apontar Capitu como responsável por adultério, outras teorias relacionadas ao texto acabaram tendo maior popularidade. Uma delas afirma que a mulher foi totalmente fiel ao seu marido, e que o adultério teria sido só um produto da imaginação de Santiago, devido ao seu ciúme doentio.

Referências a Otelo, de Shakespeare, aparecem constantemente, pois a trama gira em torno de um suposto adultério da esposa, o que leva o protagonista a matar Desdêmona. Em Machado de Assis, no entanto, Capitu não é assassinada, mas sim enviada para o exílio na Europa por seu castigo.

A semelhança física entre Ezequiel e Escobar pode ser colocada em dúvida. Quando Ezequiel era criança, muitos poderiam afirmar que tinha traços parecidos com o rival. Porém, só o narrador pode confirmar isso na idade adulta, pois estamos dependentes de sua palavra.

O termo "casmurro" possui um sentido mais profundo do que apenas "fechado" ou "calado"; na verdade, este termo também significa "obstinado" ou "teimoso". Deste modo, podemos supor que o adultério de Bentinho foi motivado pela sua teimosia, ciúmes que, de certa forma, levaram à destruição de sua família e à mudança de rumo na sua vida.

Explorando o Significado da Obra

Neste romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, a complexidade das relações humanas é tratada de forma muito peculiar. Verdades e imaginações se misturam, gerando um enredo cheio de traição e desconfiança. Assim como na vida real, o possível adultério nesta obra surge envolta em mistérios, gerando muitas perguntas sem resposta.

No último capítulo do livro de Bento Santiago, ele parece questionar se o caráter de alguém já é predeterminado ou se pode ser modificado ao longo do tempo.

O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: «Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti.» Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.

Na sua visão, nenhuma força externa a teria forçado a escolher Escobar. Capitu já possuía inclinações infiéis desde a juventude, e os "olhos de ressaca" eram um sinal premonitório do seu perigoso destino. Logo, foi inevitável que ela optasse por traição.

O leitor poderia também realizar o mesmo exercício com o narrador-protagonista, identificando que Dom Casmurro já se encontrava na figura de Bentinho da juventude, que dependia de Capitu e se deixava levar pelos seus ciúmes.

Explorando o Estilo

A trilogia realista de Machado de Assis é composta por Dom Casmurro (1899), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891). Nestas obras, Machado de Assis faz retratos do seu tempo, transmitindo, entre as narrativas, fortes críticas sociais.

Dom Casmurro retrata a elite carioca e as intrigas que aconteciam nas mansões da burguesia da época. Nele, são mostradas as traições e jogos de poder que existiam entre aqueles que detinham o privilégio da fortuna.

Com capítulos curtos e uma linguagem intencionalmente informal, como se estivesse conversando com o leitor, o narrador-protagonista vai contando a história de forma progressiva, como se fosse se lembrando dela aos poucos. Os acontecimentos não seguem uma sequência linear, permitindo que o leitor explore as memórias de Santiago e as suas ambiguidades.

Muitos leitores e estudiosos consideram o romance de Machado de Assis como a obra-prima do autor, sendo este considerado um dos principais precursores do Modernismo no Brasil.

Leia o Romance "Dom Casmurro

Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.