Capitães da Areia, de Jorge Amado


Escrito por Sónia Cunha

Capitães da Areia, romance escrito pelo brasileiro Jorge Amado em 1937, mostra a vida de uma série de crianças órfãs ou abandonadas lutando para sobreviver nas ruas de Salvador, na Bahia. Elas praticam furtos e roubos para se manterem vivas.

A obra pertence à segunda fase do modernismo, na qual a literatura dirigiu sua atenção para questões sociais.

Uma Revisão de Capitães da Areia

Os jovens de Salvador, conhecidos como Capitães da Areia, são forçados a enfrentar a fome e o abandono. Para sobreviver, eles são obrigados a recorrer ao roubo. Contudo, devido à repressão e às torturas policiais, esses jovens se tornam parte de uma gangue violenta que domina as ruas da cidade.

Os jovens liderados por Pedro Bala desenvolvem um forte sentimento de lealdade entre si, fundamentado em laços de camaradagem, amizade e partilha. Possuindo pontos de vista variados, eles seguem caminhos diferentes enquanto experimentam o crescimento e definem seus próprios destinos.

Alguns garotos têm finais trágicos, tais como morte e prisão. Contudo, há aqueles que persistem no mundo do crime. Por outro lado, há também aqueles que conseguem transformar suas vidas, buscando por outros ofícios como a política, a arte e até mesmo o sacerdócio.

Explorando a Obra: Uma Análise e Interpretação

A Magia das Cartas: O Começo de um Romance

O Jornal da Tarde publicou inúmeras cartas sobre os Capitães da Areia, o grupo de menores abandonados que assolavam a cidade de Salvador. A linguagem usada expressava a forma como os órgãos oficiais tratavam tais crianças. Com isso, o romance começou.

Capitães da Areia - filme

O jornal relatou um assalto e pediu que tanto a polícia quanto o Juizado de Menores tomassem alguma ação. No entanto, houve um empurra-empurra de responsabilidades entre ambos os órgãos.

Uma carta da mãe de um menino internado em um reformatório relatando os abusos que as crianças ali sofriam foi recebida por um padre, que enviou outra carta confirmando o tratamento ruim. No entanto, nenhuma dessas cartas foi destacada na publicação.

A carta do diretor do reformatório, que elogia o seu trabalho, apesar das denúncias de violência, revela que as autoridades estão dispostas a se mostrar negligentes em relação ao problema. A matéria que o defende acabou por reforçar essa postura.

A Bahia de Omolu no Romance

Omolu é o orixá que está associado às enfermidades contagiosas e também é responsável pela cura e pela saúde. Na obra, é dito que ele enviou a maleita para punir as classes abastadas da área devido à sua conduta inadequada. Esta é uma das muitas vezes que as religiões de matriz africana são mencionadas no enredo.

Cena do filme Capitães da Areia

A cidade de Bahia é o cenário central do romance, apresentando uma grande divergência social entre as classes pobres da cidade baixa e os ricos da cidade alta. A diferença de condições é clara durante toda a narrativa, vindo à tona com a colheita devastadora da epidemia de varíola que varreu a região.

Omolu tinha mandado a bexiga negra para a Cidade Alta, para a cidade dos ricos.

Os ricos se vacinam e se protegem da doença enquanto os pobres doentes são encaminhados para o lazareto. A falta de higiene ali é tamanha que, quase sempre, significa uma sentença de morte. Este é o retrato que Jorge Amado faz das instituições destinadas aos mais pobres: horrível.

O orfanato destinado a crianças abandonadas ou delinquentes é um local hostil, com escassez de alimentos e punições duras. A felicidade não é bem-vinda neste tipo de ambiente e a polícia, infelizmente, é vista como um órgão de repressão e até de tortura dos mais vulneráveis.

Fator Social do Destino

A obra é fascinante devido ao modo como o destino dos personagens jovens é delineado ao longo da narrativa. Não é somente para explicar como se tornaram delinquentes, mas também para mostrar o que lhes aguarda no futuro.

O autor mostra que não se trata de todas as crianças possuírem o mesmo destino. Ao invés disso, ele destaca as particularidades de cada personagem, construindo um futuro para cada um, como se todos estivessem previamente estabelecidos, esperando apenas para acontecer.

Capitães da Areia reunidos

A diversidade de peculiaridades entre os garotos presentes na obra de Jorge Amado dá a ela um valor literário que vai além do simples panfleto. Essas características estão profundamente relacionadas com o contexto social das crianças, assim como seu passado.

Vivendo na rua desde crianças, sem pais e sem qualquer cuidado ou carinho, os personagens são tratados como adultos pelo narrador. Assim, as suas escolhas e atitudes têm consequências reais para o destino da narrativa, da mesma forma que acontece com os personagens adultos.

Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas.

O Romance Social de Jorge Amado

Jorge Amado era uma figura de esquerda e filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Sua literatura refletia essa inclinação política, como é o caso da obra Capitães da Areia, uma excelente representação disso. Além disso, ele sempre se envolveu com questões sociais.

O romance aborda a falta de oportunidades e a desigualdade como um dos principais fatores da violência. Além disso, o direito à greve também aparece em alguns momentos da narrativa.

A greve é a festa dos pobres.

Durante o Regime Novo, o romance foi proibido e queimado em praça pública devido ao seu conteúdo político. Até os dias atuais, alguns críticos ainda veem o livro como um panfleto.

Principais Personagens

A Aventura de Pedro Bala

Pedro Bala - filme Capitães da Areia

Pedro Bala é, decididamente, o personagem mais complexo do romance dos Capitães de Areia. Ao contrário dos seus colegas, que parecem ter o seu destino já marcado, é ele quem vai dando forma e direção à sua própria história.

Com seu caráter e espírito naturalmente líder, mesmo sendo ainda uma criança, ele mantém o grupo unido e organizado. Sua autoridade é baseada no respeito que todos os membros têm por ele, sendo justo e sábio.

Desde que descobre que seu pai, o Louro, um sindicalista das docas que foi assassinado pela polícia durante uma greve, Bala começa a se interessar por aquelas questões. Dessa forma, ela consegue identificar a sua vocação.

Vivendo como um menino abandonado, inserido em um grupo organizado, o protagonista teve a oportunidade de perceber a diferença de condições de vida entre ricos e pobres. Dessa forma, suas ações violentas, como parte do grupo dos Capitães da Areia, nada mais eram do que uma forma de lutar por melhores condições de vida.

Enquanto o tempo passava e o convívio com outras pessoas crescia, a consciência de classe deles também aumentava. Quando uma greve de motoristas de bonde aconteceu, eles foram às ruas e descobriram a força que a luta coletiva possui.

A revolução chama Pedro Bala como Deus chamava Pirulito nas noites do trapiche.

Quando um membro de uma organização estudantil procurou Pedro Bala e seu grupo, isso fez com que a associação deles com os movimentos sociais se tornasse oficial. O objetivo era realizar um piquete para evitar que os fura-greves assumissem o controle dos bondes.

Como resultado de seu sucesso, os Capitães da Areia se vêem envolvidos em diversos movimentos de menores abandonados. Bala foi escalado para organizar esses movimentos, levando o grupo mais próximo a lutas sociais.

A Grandeza de João

João Grande - filme Capitães da Areia

João Grande é o braço direito de Pedro Bala, com um coração muito grande e bondoso. Ele é um protetor e guarda-costas dos outros Capitães da Areia, cuidando e defendendo seus irmãos.

Seu profundo senso de justiça e proteção o levam a intervir em situações onde os mais fracos necessitam de ajuda. Seu percurso está interligado ao de Bala, tornando impossível separar os dois.

Quem for bom é igual a João Grande, melhor não é...

Docente

Professor - filme Capitães da Areia

O Professor, apelidado de inteligente devido ao hábito de passar as noites lendo, é quem auxilia Pedro Bala com os planos do grupo. Além disso, possui um talento natural para o desenho, que muitas vezes é registrado em giz na calçada.

A percepção do Professor é ampla. Quando Dora chega ao trapiche, ele rapidamente entende o que ela significa para os meninos abandonados e a necessidade que ela preenche em cada um deles. É um momento marcante para ele, pois percebe o quanto ela é significativa para Pedro Bala.

O Professor percebia que, após a morte de Dora, o trapiche tinha sido deixado como uma moldura vazia. No entanto, ele compreendeu que, na verdade, esta moldura abrigava muitas outras imagens, experiências e narrativas que precisavam ser preservadas.

Após ser convidado por um poeta que retratou em uma desenho na rua, ele seguiu para o Rio de Janeiro para aprender pintura. Seus trabalhos artísticos retratam a realidade dos pobres e desamparados.

Corrida de Retorno Rápido

Volta Seca - filme Capitães da Areia

A pequena fazendeira, comadre de Lampião, perdeu as suas terras e decidiu ir para a Bahia em busca de justiça. Infelizmente, ela faleceu durante a jornada, deixando seu filho, um caboclo, sozinho na cidade. Ele admirava muito Lampião e sempre pedia para o Professor ler as notícias sobre ele que saíam nos jornais.

Ele é apanhado e torturado pela polícia, o que só aumentou seu ódio por soldados. Assim marcado pelas autoridades, ele teve que deixar Salvador. Para escapar, ele foi para um grupo de menores, conhecidos como Capitães da Areia em Aracaju.

O trem que leva Volta-Seca foi interrompido por Lampião e seus cangaceiros. O jovem, apesar da sua tenra idade, era temido entre eles e mostrou isso ao matar dois soldados que se encontravam no trem. Mais tarde, acabou sendo preso em Salvador e condenado pelos seus crimes.

Vida sem Pernas

Ele era o garoto coxo que nunca havia recebido amor ou carinho, nem mesmo de sua mãe ou de qualquer outra mulher. O seu papel principal no grupo era infiltrar-se nas residências dos ricos, para que os Capitães da Areia depois as assaltassem.

Sem-Pernas possui uma consciência permanente de seu passado de sofrimento. Ele tem um pesadelo recorrente da época em que foi enviado ao reformatório, onde era golpeado e humilhado enquanto era forçado a correr sem parar.

Muita gente o tinha odiado. E ele odiara a todos.

Sem-Pernas passou por muito ódio desde jovem: a sociedade o desprezava e ele sofria abusos. Estas eram as histórias mais contadas sobre ele. Com tão pouca idade, a vida dele era marcada pelo ódio.

Ele se vê preso numa situação crítica. O assalto deu errado e agora ele está sendo perseguido por vários guardas. A fuga está quase impossível, e ele teme voltar para o reformatório. Como não há outra saída, ele decide se jogar de um penhasco e assim sacrificar a própria vida.

Delicioso Pirulito

Pirulito - filme Capitães da Areia

José Pedro, um humilde padre, é um dos mais influentes na vida dos Capitães da Areia. Embora suas tentativas de ajuda não são bem vistas pela igreja, ele e os Capitães sentem o apelo de Deus para cuidar dos pobres e necessitados. Ambos entendem a tragédia da vida dos miseráveis.

O romance explora amplamente a dualidade entre uma igreja sustentada pelos ricos e a doutrina católica de humildade e amor ao próximo. Esta dualidade é representada por meio de duas figuras: Pirulito, que se torna frade, e o seu trabalho como catequista para menores abandonados.

O Mistério do Gato

Gato - filme Capitães da Areia

Ele é a personificação do golpista: quase todos os dias, tenta se vestir e se comportar como um galã de filme. Mesmo desde cedo, ele conseguiu encontrar uma prostituta para ser sua amante, e usou a relação para tirar dinheiro dela como um cafetão.

Ele jogava baralho marcado e praticava todos os tipos de golpes. Com a sua amante, foi para Ilhéus, onde passou a ser reconhecido por causa de suas táticas fraudulentas, aplicadas contra os fazendeiros ricos da região.

Vivendo Bem

Boa Vida - filme Capitães da Areia

O menino malandro adora o violão, a capoeira e as ruas de Salvador. Ele carrega a malandragem em seu coração, e tem o destino de se tornar um dos grandes malandros da cidade. Ele supera todos os desafios sem grandes dificuldades.

História por trás da obra

No final da década de 1930, um período conturbado de grandes polarizações políticas no mundo, Jorge Amado escreveu seu romance. No Brasil, havia a presença do Estado Novo que se aproximava do regime nazista e, paralelamente, surgia na população uma consciência de classe.

Durante o Estado Novo, governado por Getúlio Vargas, o nacionalismo, o anticomunismo e o autoritarismo estavam em alta. Jorge Amado foi preso duas vezes esse período e escreveu um livro enfatizando as torturas infligidas pela polícia.

No romance de Jorge Amado, a figura de Lampião e seu bando é marcada pela admiração dos menores abandonados. Representando uma força social no sertão baiano, o grupo luta contra o latifúndio e o fazendeiro-coronel. Na obra, são descritos como "o braço armado dos pobres no sertão".

O conflito da Segunda Guerra Mundial espaçou os países em dois grupos distintos e, apesar de estar diretamente associado à administração do governo nazista na Alemanha, o Estado Novo entrou na aliança liderada pelos Estados Unidos.

Capitães da Areia (2011): O Filme

Em 2011, para celebrar o centenário do escritor, Cecília Amado, sua neta, adaptou o romance para o cinema.

O elenco é composto por Jean Luis Amorim, Ana Graciela, Robério Lima, Paulo Abade, Israel Gouvêa, Ana Cecília Costa, Marinho Gonçalves e Jussilene Santana.

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Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.