Em 2013, a obra do poeta brasileiro Paulo Leminski foi reeditada com o nome Toda poesia, e seus versos conquistaram ainda mais pessoas. A partir daí, sua produção literária se tornou febre entre os leitores.
Foi surpreendente ver que uma antologia de poesia conseguiu liderar os rankings de vendas e superar livros best seller como 50 tons de cinza. A poesia cotidiana e acessível de Leminski conquistou não só aqueles que já curtem poesia, mas também os que nunca haviam sido grandes fãs de versos.
Descubra a obra do famoso Paulo Leminski com os melhores poemas dele.
1. Música como Incenso
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
Os versos de Leminski mais conhecidos e celebrados são os de "Incenso fosse música", publicados no livro "Distraídos venceremos". Esta frase tornou-se como um verdadeiro cartão postal.
O poema encoraja o leitor a aceitar a si mesmo, sem nenhuma inibição ou restrição, e promete uma gratificação se for feita a jornada interior proposta.
Com apenas cinco versos, Leminski apresenta um desafio de reflexão para o leitor. Um desafio que estimula o auto-conhecimento, em uma linguagem informal e comum.
2. O Efeito Contranarcísico
em mim
eu vejo
o outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente centenas
o outro
que há em mim é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Contranarciso é um poema encantador que usa uma fala coloquial e uma estrutura simples para descrever a mistura de identidades e a união que compartilhamos com outra pessoa.
Nos versos sentimos ao mesmo tempo uma inquietude por não estarmos isolados, fechados ou limitados, mas também a alegria de compartilharmos com o outro, de celebrarmos a diversidade, de aceitarmos aquilo que não somos e de nos oferecer para a troca.
Na poética de Leminski, é comum o reconhecimento da diferença entre o ser humano e nós mesmos e a valorização das riquezas que essa diversidade oferece.
Aprecie o poema Contranarciso recitado por Guilherme Weber! Ele traz uma prosa poética que lhe dará um ótimo entretenimento. Aproveite a oportunidade para conhecer a obra do recitador.
3. Explorando o Propósito
O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo.
Relação, não coisa, entre a consciência, a vivência e as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O sentido do ato de existir.
Me recuso (sic) a viver num mundo sem sentido.
Estes anseios/ensaios são incursões em busca do sentido.
Por isso o próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser
buscado, numa busca que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.
Tirando isso, não tem sentido.
O livro "Ensaios e anseios crípticos", de Leminski, publicado em 2012, contém o poema acima, demonstrando a inquietude do poeta diante do mistério da vida. É uma das primeiras obras do livro.
Neste poema, conseguimos vislumbrar os mecanismos que permitem que a escrita e a mente do poeta trabalhem juntas. Ao invés de um eu-lírico completamente seguro de si, é possível perceber a hesitação e o questionamento, ou seja, a busca por um significado na poesia e no mundo ao redor.
4. Uma Gargalhada para Gil
teu riso
reflete no teu canto rima rica
raio de sol
em dente de ouro
“everything is gonna be alright” teu riso
diz sim
teu riso
satisfaz
enquanto o sol
que imita teu riso
não sai
Leminski é reconhecido por celebrar importantes personalidades da cultura brasileira, como Gilberto Gil, Jorge Benjor e Djavan. A poesia dele também resgata outros nomes que são especialmente significativos para a cultura negra e baiana.
No poema, o eu-lírico destaca o incrível sorriso de Gilberto Gil. Parece que ele expressa um sentimento de alegria tão intenso que transborda de seu canto. No meio do poema, faz uma citação à música Three Little Birds, de Bob Marley, imortalizada pela voz de Gilberto Gil. A citação é “tudo irá ficar bem”.
5. Eu já disse
Já disse de nós.
Já disse de mim.
Já disse do mundo.
Já disse agora,
eu que já disse nunca. Todo mundo sabe,
eu já disse muito.
Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo foi tão de repente...
No poema de Leminski, a fugacidade do tempo é denunciada. Com apenas nove versos, o poeta resume o seu projeto poético (refletindo sobre si mesmo, sobre a humanidade e sobre o mundo) e mostra sua determinação como escritor ("eu já disse muito").
O eu-lírico reflete sobre os seus passados feitos, sentindo-se cansado disso. No entanto, ainda assim, existe uma nostalgia pelaquilo que já viveu.
6. A Quintessência Suprema
O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
tudo o que eu digo
tem ultrassentido.
Se rio de mim,
me levem a sério.
Ironia estéril?
Vai nesse ínterim,
meu inframistério.
Em seu livro póstumo La vie en close (1991), o Suprassumos da Quintessência foi publicado, que faz uma referência clara à música francesa de Édith Piaf, La vie en rose.
Estes versos são, sem dúvida, uma meta-poesia. O eu-lírico oferece ao leitor uma espécie de guia, explicando como a obra deve ser interpretada. É como se ele desse uma espécie de instruções para que o leitor compreenda o conteúdo poético.
Em "Suprassumos da Quintessência", vemos o poeta enfrentando uma difícil questão: como colocar a longa vida em papel?
O poema publicado anos antes, que estava inserido no livro Distraídos Venceremos (1987), parece ter sido desenvolvido mais tarde.
rio do mistério
o que seria de mim
se me levassem a sério?
7. Minutos de Amor para Você
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui
Leminski não é tão reconhecido por suas composições românticas, mas também escreveu uma poesia cheia de amor, como o caso de 'Amar você é coisa de minutos'.
O eu-lírico descreve a sua amada como algo que o encanta, e que lhe oferece força para passar por qualquer obstáculo. Ele se coloca aos pés dela, se oferecendo para ser tudo o que ela quiser.
Ouça o poema de amor recitado.
8. Evitando Discussões
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
Paulo Leminski é amplamente reconhecido por sua criação de um poema de quatro versos que se tornou mundialmente famoso. Esses versos são tão marcantes que muitas pessoas até os tatuam.
Com poucas palavras, esses versos expressam a resignação do eu-lírico, sua disposição de aceitar o que o destino lhe reserva.
Em vez de discutir o que foi oferecido pelo estranho, o indivíduo parece estar aceitando com tranquilidade e agradecimento o que lhe foi destinado.
9. No Fundo da Realidade
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
No livro Distraídos venceremos (1987), o poema pode despertar uma identificação instantânea no leitor. Afinal, quem nunca desejou que seus problemas fossem resolvidos por decreto?
O poema possui uma linguagem acessível e cotidiana, como se fosse uma conversa íntima. Esta característica é reforçada por diversos trejeitos típicos da oralidade presentes nos versos, como a repetição inicial para dar ênfase.
É interessante perceber como o eu-lírico se relaciona com o leitor, falando na primeira pessoa do plural e estabelecendo uma identidade com o destinatário ("a gente gostaria de ver nossos problemas").
O poema termina com uma nota de humor e ironia. Embora pareça que os problemas foram resolvidos, eles retornam com uma nova geração, demonstrando que é impossível erradicar o mal de forma definitiva.
10. Abrigo de Inverno
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
Invernáculo Leminski se debruça sobre a questão da linguagem e cria um poema reflexivo. Ao longo das estrofes, o eu-lírico avalia como é construir com a língua - algo que veio antes e que continuará depois de nós - como recurso.
O poema deixa claro que o autor é um "herdeiro da língua", que lhe foi transmitida de Portugal. Esta herança, que não é nativa do seu país, cria uma sensação de intimidade e limitação para o eu-lírico, pois sente que é obrigado a segui-la. Ele se vê como uma "vítima da língua", à mercê de suas regras e obrigações.
Ele se refere à língua lusa, mas não como sendo a sua. Por causa disso, ele se sente deslocado em relação à sua própria língua. Em vez de se ater à formalidade, ele busca por uma maneira de apropriar-se da língua, criando sua própria experiência.
Explorando a Obra de Toda poesia
Em 2013, a editora Companhia das Letras lançou a antologia Toda poesia, trazendo obras de Paulo Leminski realizadas entre os anos de 1944 e 1989.
Esta edição foi muito mais do que uma simples compilação de poemas já publicados anteriormente. Contou com contribuições de Alice Ruiz e de José Miguel Wisnik, que deixaram suas marcas críticas, além de depoimentos sobre Leminski e sua obra.
A coletânea trouxe ao grande público poemas que não estavam circulando há anos, já que suas publicações eram feitas de forma artesanal, com tiragens curtas e, portanto, dificultando a sua chegada aos leitores.
Veja o booktrailer do livro de poemas de Leminski, lidos por Arnaldo Antunes!
A Vida de Paulo Leminski
Nascido em Curitiba (PR) em 1944, Paulo Leminski foi um grande artista, responsável por poesias, romances, canções e traduções. Infelizmente, em 1989, aos 45 anos, a vida do poeta foi ceifada por uma cirrose hepática, na mesma cidade que o viu nascer.
Filho de um casal de ascendência diversa, Paulo Leminski (de origem polonesa) e Áurea Pereira Mendes (negra) casa-se, gerando assim o poeta.
Em 1963, apesar dos esforços dos pais para fazerem com que o menino ingressasse na vida religiosa (ele estudou no Mosteiro de São Bento), Paulo Leminski seguiu o seu caminho e viajou para Belo Horizonte para participar da Semana Nacional de Poesia e de Vanguarda.
No local, Augusto e Haroldo de Campos, já grandes poetas, bem como Décio Pignatari, se encontravam. Foi assim que nasceu o Movimento da Poesia Concreta.
Em 1976, o escritor Paula Leminski publicou o seu primeiro livro: o romance Catatau. Algumas de suas poesias também foram publicadas na revista Invenção, pertencente ao movimento concretista. A partir dessa data, a obra literária de Leminski viu um desenvolvimento contínuo e ascendente.
Atuando profissionalmente como professor de história e redação, o profissional participou também como diretor de criação e redator em algumas agências de publicidade. Além disso, trabalhou como tradutor de importantes obras de Joyce e Beckett.
Alice Ruiz, poeta também, foi casada com ele. Juntos, eles tiveram três filhos: Miguel Ângelo, Áurea e Estrela.
Publicações Literárias
- 1. Catatau (1976)
- 2. Não Fosse Isso e Era Menos/Não Fosse Tanto/e Era Quase (1980)
- 3. Caprichos e Relaxos (1983)
- 4. Agora é Que São Elas (1984)
- 5. Anseios Crípticos (1986)
- 6. Distraídos Venceremos (1987)
- 7. Guerra Dentro da Gente (1988)
- 8. La Vie Em Close (1991)
- 9. Metamorfose (1994)
- 10. O Ex-Estranho (1996)
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