Análise e Significado da Música "Construção" de Chico Buarque


Escrito por Laura Aidar

"Construção" é uma canção escrita e composta por Chico Buarque, lançada em 1971 no álbum homônimo. A música conta a história de um dia na vida de um trabalhador da construção civil.

A letra e sua conexão com a melodia são elementos fundamentais desta obra-prima da Música Popular Brasileira.

Letra da Canção 'Construção'

Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último

Beijou sua mulher como se fosse a única

E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido

Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Examinando a Canção Construção

A métrica dos versos é importante no ritmo da composição de Chico Buarque. Esta se une à letra e à melodia, tornando-se essencial na poesia e, principalmente, na canção.

Versos alexandrinos têm doze sílabas poéticas e uma pausa na sexta sílaba. Esta estrutura gera uma cadência no meio do verso, dando à poesia uma rítmica e musicalidade únicas.

A canção relata o cotidiano de um trabalhador na construção civil, sendo isso refletido no título. Os versos são entoados para criar a imagem de um movimento, que tem um início, desacelera e volta.

O ritmo da letra da canção é definido por dezessete proparoxítonas espalhadas pelos 41 versos. Estas palavras têm como sílaba tônica a antepenúltima.

A repetição das palavras cria um efeito de homofonia, tornando a rima mais forte, reforçando a unidade rítmica. Esta técnica remete ao tema do nosso cotidiano, onde os dias se repetem, mudando às vezes, mas com poucas variações.

A letra é constituída por dezessete proparoxítonas. Essas palavras, sejam elas substantivos ou adjetivos, são responsáveis por retratar a vida do operário da construção civil ao longo de seu dia. A partir delas são descritas todas as ações que se passam na canção.

A cadência presente na letra é semelhante à da rotina dos trabalhadores, que é transmitida através do ritmo. Assim, as ações descritas na letra vão se desenrolando.

Iniciando a Jornada

O trabalhador ama profundamente a sua família - mulher e filho -, mas precisa se despedir deles para começar o dia. A primeira estrofe desta narrativa retrata esse momento de partida.

Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Depois, acompanhamos como foi seu dia de trabalho duro na construção e como ele foi, lentamente, levantando o prédio.

Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Crescimento do Desenvolvimento

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

Durante sua pausa para o almoço, o homem parece exibir emoções contraditórias. Apesar de estar cansado, ele aparenta estar satisfeito enquanto come e bebe. Em meio a soluços, ele ainda consegue encontrar motivos para dançar e rir.

O indivíduo estava no alto quando, de repente, a narrativa se virou e tudo ficou trágico. Ele perdeu o equilíbrio e caiu no asfalto, morrendo na hora.

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego

Ao longo da letra, as metáforas vão se tornando mais profundas e incomuns, demonstrado a partir desta estrofe. É evidente o contraste entre estes versos e os da estrofe anterior.

Apesar de se sentir "como um príncipe" e ser comparado a "uma máquina", o homem não resistiu e caiu, tornando-se "um bêbado", "um pacote flácido". Esta é a triste constatação da discrepância entre o otimismo inicial e a dura realidade.

Chegando ao Fim

O relato é refeito desde o início. Uma jogada de palavras é usada para reescrever as metáforas e mover seus lugares nas estrofes. Por causa disso, o tom dos versos se torna gradativamente mais dissonante.

Na última estrofe, o ritmo se intensifica, e as metáforas possuem uma maior significância poética. A música é condensada em sete versos, contendo todas as ações necessárias.

Amou daquela vez como se fosse máquina

Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas

Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Análise da música Construção

A letra das canções de Chico Buarque é caracterizada por sua construção formal, com o uso de proparoxítonas e versos alexandrinos, reforçando a narrativa temática.

A música e a narrativa do dia de um operário que morre em serviço possuem um forte caráter crítico, devido ao seu formalismo. Esta crítica destaca a alienação do trabalho, a qual impõe sobre o operário a condição de máquina, privando-o da sua humanidade, reduzindo-o a um mero executor de tarefas.

A morte em serviço é tratada como uma tragédia, e não como um empecilho. O modo de produção capitalista é criticado por desumanizar o trabalhador, mesmo que a forma da letra se concentre na construção formal.

Durante o período de severa opressão da ditadura militar no Brasil, Chico Buarque escreveu diversas canções de protesto. Esta música, composta nesse contexto histórico, contribuiu para essa leitura.

No final, a poesia adquirida pela música é incrível. Por meio de metáforas e proparoxítonas, o compositor consegue criar imagens que transformam o que é cotidiano em algo mágico. Isso torna o último dia de trabalho desse trabalhador algo totalmente diferente da sua rotina.

Explorando a Obra de Chico Buarque

Sem sombra de dúvidas, Chico Buarque é um dos mais notáveis cantores e compositores da música brasileira. Com canções que tocam o coração e a alma, ele também desempenhou um papel decisivo na resistência à ditadura militar.

Chico Buarque se apresentando em 1971.

Muitos contemporâneos o censuraram, o perseguiram e ele foi obrigado a sair do país. No entanto, isso não impediu que ele criasse obras-primas de protesto, tais como Cálice, Apesar de Você e Construção.

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Laura Aidar
Escrito por Laura Aidar

É arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Possui licenciatura em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formação em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.