Hilda Hilst (1930-2004) é uma das mais aclamadas escritoras da literatura brasileira e seu trabalho vem sendo descoberto cada vez mais pelos leitores do seu país. Provocadora, polêmica e questionadora, a autora é reconhecida por sua prosa e poesia, especialmente por seus versos apaixonados.
Oferecemos a vocês 10 dos seus poemas de amor mais destacados. Que a leitura seja agradável e que estes versos sejam compartilhados com aqueles que você ama!
1. Amor Mais Vivo
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
Em 1989, a lírica amorosa de Hilda Hilst foi publicada pelo selo Massao Ohno sob o título Amavisse. Composto por vinte poemas, este trabalho era desconhecido para o grande público até então. Dois anos mais tarde, esta obra foi reunida com outras e acabou por ser publicada na antologia Do desejo, em 2001.
O título deste poema logo desperta o interesse do leitor. Amavisse é uma palavra de origem latina que significa "ter amado". Os versos retratam uma paixão incondicional, com uma dedicação total por parte do eu-lírico.
Hilda Hilst compõe de forma extremamente erótica, evidenciado por expressões sensuais como "assim te apreendo brusco" e "te respiro inteiro". Estas palavras carregam uma verdadeira necessidade de posse e trazer o outro para si, com um excesso e uma violência que poucos poetas conseguem igualar.
O poema traz consigo três elementos fundamentais: fogo, ar e água. É possível perceber o fogo na frase "favas douradas sob um sol amarelo”. Já o ar e a água estão presentes na expressão "um arco-íris de ar em águas profundas”.
2. Dê-me Outra Chance
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Uma das obras de autoria de João Cabral de Melo Neto presente na antologia Do desejo é o poema "De que me serviria". Neste, a temática abordada é o amor carnal, que é questionado logo no início com uma interrogação que retorna próximo ao término. A obra possui diversas interpretações, todas dirigidas ao amado.
É notável como um poema tão sensual e corpóreo possa incluir alusões a valores transcendentes. Por exemplo, ao invés de se perguntar se o amado desejaria ter o corpo, o eu-lírico emprega a expressão "alma". Outra evidência da mistura entre o terreno e o sublime é a palavra "jubila-te", comumente associada ao contexto religioso.
A poesia de Hilda Hilst carrega seu tom obsceno e provocador e é assinada por ela. O poema termina quase como um desafio para o seu amado. É possível encontrar múltiplas interpretações no último verso, "tenta-me", que pode significar provocar ou experimentar. A escritora, ao se apropriar da palavra, brinca com ambos os sentidos.
3. Dez Convites para o Amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Neste poema, publicado em 1974, os únicos personagens são o amado e a amada, e é a partir deles que a história se desenrola. O encontro destes dois seres proporciona expectativas e oportunidades de descobrir o amor.
Hilda usa o título, dirigido a um amigo, como uma reminiscência ao estilo das cantigas cavaleirescas medievais, onde o amado também era chamado dessa forma. Nesse trabalho, ela destaca a importância dos elementos básicos: o eu-lírico se identificando com a terra em contraste à água, que é o que deseja ser.
Nestes versos a sensualidade e o desejo são centrais. O que é convocado não é o amor romântico, mas sim o desejo de possuir o outro de forma erótica.
4. Miniaturas Musicais
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
O nome de Túlio é usado logo no primeiro verso do poema, tornando-se o desejado objeto de toda a poesia de Hilda. Muito raramente, ela exibe tal movimento em suas obras.
A estrutura deste poema é formada por pares contrastantes: amor x violência, árabe x israelita. No entanto, o sentimento de desejo consegue unir o par, suavizando as diferenças.
O desejo é um tema central na poesia de amor de Hilda Hilst. Acima, a poeta usa erotismo descarado e provocador para atrair tanto o interlocutor - Túlio - quanto, principalmente, o leitor.
5. Aquel
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
O poema Aquela transmite uma agonia profunda, evidenciada pelos versos. É possível perceber o desespero do eu-lírico, que foi atingido pela flecha do cupido e se vê em meio aos medos despertados pela paixão.
Ao se entregar de corpo e alma à paixão, o desejo de união com o outro gera, juntamente com o prazer, um medo profundo de insegurança e vulnerabilidade.
Aqueles versos tratam da dualidade do amor: entre as expectativas do amado e a realidade da vida. Eles nos relembram que, muitas vezes, sejamos aquilo que o amado deseja e espera, mas também devemos nos manter fiéis a nós mesmos. O poema Aquela explora essa contrariedade, nos ensinando a lidar com as expectativas e as limitações da vida.
6. Visita ao Parque
De um exílio passado entre a montanha e a ilha
Vendo o não ser da rocha e a extensão da praia.
De um esperar contínuo de navios e quilhas
Revendo a morte e o nascimento de umas vagas.
De assim tocar as coisas minuciosa e lenta
E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.
De saber o cavalo na montanha. E reclusa
Traduzir a dimensão aérea do seu flanco.
De amar como quem morre o que se fez poeta
E entender tão pouco seu corpo sob a pedra.
E de ter visto um dia uma criança velha
Cantando uma canção, desesperando,
É que não sei de mim. Corpo de terra.
O poema Passeio, publicado no livro Exercícios, é uma jornada tanto física quanto emocional.
Ao longo dos versos, o eu-lírico viaja tanto em uma paisagem física (entre a montanha e a ilha, a rocha e a praia) quanto em um terreno emocional.
Estes versos retratam uma jornada interior do indivíduo, durante a qual não encontra as respostas que deseja. O final do poema condensa a paisagem externa na consciência individual: "Corpo de terra." É curioso que, após essa viagem, a confissão final seja "é que não sei de mim".
Mais sobre o assunto
- Grandes poemas de amor ao longo da história
- Análise dos 15 melhores poemas de Olavo Bilac
- Fernanda Young: 8 poemas incríveis
7. Um Anseio Ardente
Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.
No livro Do desejo, há um poema muito curto que contém uma grande quantidade de dados em somente dois versos.
O eu-lírico interpela o desejo, indagando-lhe quem é. O desejo responde com uma mensagem cujas possíveis significações são infinitas.
Refere-se o lava ao magma, a abundante substância que jorra dos vulcões em erupção. Uma vez esgotado o anseio, resta o pó, testemunho dos momentos vividos. Após o pó, vem a inexistência, que destaca a volatilidade do desejo.
8. Trinta e Dois
Por que me fiz poeta?
Porque tu, morte, minha irmã,
No instante, no centro
De tudo o que vejo.
No mais que perfeito
No veio, no gozo
Colada entre eu e o outro.
No fosso
No nó de um íntimo laço
No hausto
No fogo, na minha hora fria.
Me fiz poeta
Porque à minha volta
Na humana ideia de um deus que não conheço
A ti, morte, minha irmã,
Te vejo.
O livro Odes mínimas, que contém o poema Da morte – do qual foi extraído o trecho acima – foi lançado em 1980.
Nos versos XXXII, o eu-lírico procura descobrir o mistério da mortalidade. Ele se interroga por que decidiu seguir o caminho de um poeta e porque encontra a morte em tudo o que observa.
No último verso, o poeta descobre por que se tornou um artista: talvez por perceber a finitude da vida e estabelecer um vínculo forte com ela.
9. O Desejo que Há Dentro de Mim
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
O eu-lírico é característico da poesia de Hilda Hilst: exuberantes, envolventes, cheios de paixão, eróticos. É nesses versos que encontramos o ser humano que se desborda em desejos e amor.
Celebrando-se na sua plenitude, o encontro amoroso oferece ao sujeito a oportunidade de experimentar um profundo prazer e deleite.
O leitor sente o desejo intenso de se fundir com o parceiro, tudo isso sendo possível por meio de uma experiência carnal. Esta busca é de extrema importância, pois permite que a relação amorosa chegue a um nível de união completa.
10. Poesia para os Homens da Nossa Era
Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
Em 1974, o poema acima foi publicado pelo corajoso Hilda Hilst em meio à ditadura militar, e estava presente no livro Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão.
No poema acima podemos ver a evidente contradição entre o trabalho do poeta e aquele dos outros homens. O narrador se diferencia das outras pessoas (enquanto o poeta trabalha com o sangue, os outros com a riqueza) mostrando que, muitas vezes, a vida do poeta é mais árdua.
No entanto, ao final do poema, descobrimos que a conclusão é exatamente o oposto: enquanto a poesia transcenderá a mortalidade, todos os demais serão consumidos pelo tempo.
A Vida e a Obra de Hilda Hilst
Hilda Hilst nasceu em Jaú, interior de São Paulo, no dia 21 de abril de 1930. Ela era filha de Apolônio de Almeida Prado Hilst, fazendeiro e jornalista, e de Bedecilda Vaz Cardoso, uma imigrante portuguesa que exerceu a função de dona de casa.
Hilda sentiu que o universo poético era o seu mundo desde que era pequena. Em 1950, aos 20 anos, lançou o seu primeiro livro, intitulado Presságio. No ano seguinte, concluiu e publicou Balada de Alzira. A sua produção literária aumentou a partir daí.
Formado em direito em 1954, Hilst decidiu dedicar-se inteiramente à atividade literária. Em 1965, mudou-se para a Casa do Sol, localizada em Campinas, onde se aprofundou ainda mais no mundo das palavras.
Ele tem uma ampla produção literária, que inclui poemas, peças teatrais, romances e até mesmo literatura erótica.
Descubra toda a obra de Hilda Hilst: desde seus contos de ficção até os poemas e dramaturgos. Hilda Hilst é uma das mais importantes escritoras brasileiras, com obras marcantes para o nosso país e o mundo. Seus escritos abrangem desde as reflexões sobre a condição humana, passando por ficção e poesia, até dramaturgia. Não deixe de conferir toda a obra dessa importante autora.
- Presságios (1950);
- Balada de Alzira (1951);
- Balada do Festival (1955);
- Roteiro do Silêncio (1959);
- Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor (1959);
- Ode Fragmentária (1961);
- Sete Cantos do Poeta para o Anjo (1962);
- Fluxo – Floema (1970);
- Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão (1974);
- Ficções (1977);
- Tu Não Te Moves de Ti (1980);
- Da Morte, Odes Mínimas (1980);
- Cantares de Perda e Predileções (1980);
- A Obscena Senhora D (1982);
- Poemas Malditos, Gozos e Devotos (1984);
- Sobre a Tua Grande Face (1986);
- O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990);
- Cartas de Um Sedutor (1991);
- Bufólicas (1992);
- Do Desejo (1992);
- Cacos e Carícias, Crônicas Reunidas (1992-1995);
- Cantares do Sem Nome e de Partidas (1995);
- Estar Sendo Ter Sido (1997);
- Do Amor (1999).