Baseada no livro autobiográfico Black Klansman de Ron Stallworth, Infiltrado na Klan é uma comédia dramática lançada em 2018, dirigida e escrita por Spike Lee. O enredo acompanha a história de um policial negro que consegue se infiltrar na Ku Klux Klan durante a década de 70.
Atenção: este artigo pode conter spoilers!
Sumário
Ron Stallworth, um jovem dos anos 70, é acompanhado pelo filme durante sua jornada de ingressar nas forças policiais do Colorado, enquanto os Estados Unidos da América vivem um período marcado por grande discriminação racial.
Ron é alvo de preconceito no trabalho, mas não desiste e sua carreira avança quando ele se torna detetive e é necessário se infiltrar em um encontro de ativismo estudantil negro. Neste evento, ouve o discurso de um ex-membro dos Black Panthers sobre as desigualdades sociais existentes e conhece Patrice, líder do movimento dos alunos.
Ron tropeçou em um anúncio no jornal para se juntar ao Ku Klux Klan, o famigerado grupo de supremacia branca que assustou o país inteiro. Ele entrou em contato com um dos membros pelo telefone e se cadastrou de forma desatenta, usando seu nome verdadeiro.
Patrice e David começam a namorar e, ao mesmo tempo, ele mantém contato regular com a Klan. Para manter sua verdadeira identidade como policial, Flip tem acompanhado David e Patrice por meio de encontros presenciais, já que ele é branco e judeu.
Apesar dos ânimos estarem tensos na Klan e das muitas declarações antissemitas que Flip precisava suportar, ele foi aceito no grupo e liderou as ações no Colorado.
Durante a sua missão, Ron e Flip conseguiram prevenir os ataques terroristas, parando que cruzes fossem acesas e uma explosão ocorresse durante um evento antirracista. Infelizmente, a investigação foi suspensa e Ron precisou destruir todas as provas coletadas.
Elenco e Personagens Principais
John David Washington como Ron Stallworth
Ron é um policial que, apesar de lidar com episódios de racismo dentro e fora do seu trabalho, se inspira nas lutas pelos direitos civis para se infiltrar na Ku Kux Klan e combatê-la de dentro. Reconhecendo o abuso de poder dos policiais, ele busca usar sua profissão para travar os crimes de ódio racial no Colorado.
Adam Driver como Flip Zimmerman
Flip é um agente disfarçado como Ron para as reuniões da Klan. Contudo, as suas frequentes abordagens hostis dos outros membros o deixam em situações tensas, pois eles sabe que ele é, na verdade, judeu. Ao longo de quase toda a narrativa, ele é forçado a renegar a sua identidade a fim de não colocar a sua vida em risco.
Laura Harrier como Patrice Dumas
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Patrice, uma universitária dedicada à luta pela igualdade racial, tornou-se um alvo da Klan após organizar palestras com figuras políticas importantes, como ex-membros dos Black Panthers. Ela dedica-se ao movimento estudantil negro com todo o seu coração e alma.
Topher Grace como David Duke
" "Gerenciando o Estresse
David Duke é um político norte-americano associado à Ku Klux Klan. Ele manteve várias conversas por telefone com Ron Stallworth, acreditando que eram aliados, mas tentando também divulgar seu discurso repleto de ódio.
Ao final, descobre-se que o homem com quem gostava de conversar e em quem confiara para um cargo de liderança era, na verdade, negro e se encontrava disfarçado no grupo.
Jasper Pääkkönen como Felix Kendrickson
" "Explorando as Possibilidades da Tecnologia
Logo que conheceram Flip (fazendo se passar por Ron), Felix - o membro da Klan mais perigoso e descontrolado - desconfiou de sua ascendência judaica, e passou a se comportar de forma cada vez mais paranoica, tentando submeter Flip a um detector de mentiras.
Ele é o responsável pela explosão no veículo de Patrice, mas acaba sendo o único a perecer quando a bomba é detonada em seu próprio automóvel.
Ashlie Atkinson como Connie Kendrickson
" "Os Benefícios da Leitura para Estudantes
Connie é a mulher de Felix e tem a mesma mentalidade fechada dele. Ao longo da narrativa, ela ansiava pela chance de mostrar seu potencial e colaborar com as atividades do grupo. Infelizmente, no final, ela acaba por ser responsável pela morte de Patrice, pois plantou a bomba no carro sem querer.
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Avaliação do filme
Inspirado em Histórias Reais
Ron Stallworth foi a primeira pessoa negra a se tornar policial no Colorado. Como resultado de sua observação ao discurso de Stokely Carmichael, foi promovido a detetive e conseguiu se infiltrar na Klan, através de cartas e ligações telefônicas. Sua incrível história foi capturada em seu livro Black Klansman, lançado em 2014, e posteriormente se tornou o enredo do filme homônimo.
Durante um período superior a nove meses, estabeleceu contacto com membros da Ku Klux Klan, dentre eles o David Duke. Foi-lhe atribuída uma posição de destaque naquela "organização" e foi designado para assegurar a segurança do Duke durante a sua deslocação ao Colorado.
A investigação sobre a Klan na região impediu diversos atos do grupo e revelou vínculos com o exército. Infelizmente, por falta de recursos, ela foi encerrada repentinamente. A incrível história de Stallworth ficou guardada por décadas até que, em 2006, ele contou tudo pela primeira vez durante uma entrevista.
Combate à Discriminação, Segregação e Preconceito
A Guerra Civil dos Estados Unidos da América, que teve lugar entre 1861 e 1865, está referenciada nas cenas iniciais do filme. Trata-se de um momento de viragem na história do país, marcado por um confronto sangrento.
Os Estados do Sul se uniram na Confederação com o objetivo de preservar a escravidão. Por outro lado, os Estados do Norte lutaram pela abolição, conquistando a vitória final.
Após a guerra civil, a abolição foi estabelecida na 13ª Emenda da Constituição, no entanto a discriminação contra a população negra persistia em diversos aspectos da vida cotidiana. Em 1876, as denominadas "Leis de Jim Crow" foram implementadas nos estados do sul, que vigoraram até 1965. Essas leis separavam brancos e negros nos meios de transporte, escolas e outros locais públicos.
Em 1954, a separação nas escolas foi considerada inconstitucional, causando uma reação furiosa e raiva racial. Esta tensão é capturada na propaganda política do Dr. Kennebrew Beauregard, interpretada por Alec Baldwin, dando o tom para o filme.
Beauregard, usando a bandeira da Confederação como pano de fundo, defendia um tipo de discurso político típico daquela época. Ele alertava os americanos brancos sobre a suposta "era de miscigenação e integração" que estava começando nas escolas que deveriam ser resistidas.
Apesar dos horrores da Segunda Guerra Mundial, os judeus e os comunistas foram advertidos como uma ameaça à supremacia branca. À medida que os movimentos de direitos civis foram crescendo, liderados por Martin Luther King, sua influência foi vista como um perigo para a "família branca e católica".
O discurso do político poderia soar exagerado ou mesmo cômico, mas denunciava a realidade da época, revelando como o ódio era despertado por meio da ignorância e do temor.
A Ku Klux Klan surgiu como uma reação aos progressos que os afro-americanos estavam alcançando no processo de integração. O grupo terrorista apareceu logo após a Guerra Civil e ganhou força novamente em 1915, com seus princípios anti-imigração e antissemitismo.
Desde meados dos anos 50, com os movimentos civis em luta contra a segregação, a Klan e outros grupos racistas começaram a se formar em todo o país. Essas organizações foram responsáveis por diversos atos terroristas e mortes motivadas por ódio racial.
Depois de nos oferecer um contexto extenso, Spike Lee revela finalmente o protagonista de sua história, Ron Stallworth. Ele está se preparando para se candidatar a um emprego nas forças policiais e, na entrada, é possível ver um letreiro que declara "aceitam minorias", o que nos indica o que o personagem encontrará por lá.
Antes de contratá-lo, fizeram perguntas sobre o seu comportamento e estilo de vida, expressando alguns preconceitos comuns da época. Depois, informaram-no de que seria o primeiro policial negro da região e que teria que aprender a "ignorar" os comentários ofensivos.
Após enfrentar constantes discriminações por parte de seus colegas de profissão, Ron continua perseverante em sua carreira, tornando-se detetive. Com este cargo, ele tem a oportunidade de fazer sua própria investigação sobre a Klan.
Negros em Defesa da Consciência e Autodeterminação
Quando Ron acorda para o novo dia, tudo muda: seu chefe o liga para informar sobre uma importante missão como agente infiltrado. Enquanto isso, a animada canção Oh Happy Day, um clássico da música gospel interpretado por Edwin Hawkins e seu coro toca como trilha sonora da cena.
Enviado para espionar o discurso de Kwame Ture, um ativista que ia falar para um grupo de estudantes universitários, Stallworth resolveu se misturar à multidão. Conversando com Patrice na porta do evento, ele descobriu mais tarde que ela era a organizadora.
Flip e Jimmy, dois agentes da polícia, estão usando escutas para acompanhar o trabalho de Ron. A missão dele é avaliar se o grupo pode causar algum dano à sociedade.
O ativista insta os negros a abandonarem o padrão de beleza eurocêntrico e a criarem o seu próprio padrão, baseado na sua própria imagem, ao invés de aceitar o que a sociedade impôs. Assim, eles não precisam mais fugir da sua negritude.
Ture despertou a atenção do agente que se sentia conectado com o que ele estava ouvindo.
Reclamem o seu 'black power'! Lembrem-se de que precisam desaprender o que o opressor os ensinou a respeito do ódio a si mesmos. A urgência dessa atitude é inegável.
Quando era criança, costumava torcer pelo protagonista branco do filme Tarzan, que lutava contra "os selvagens". No entanto, com o passar do tempo, percebi que na verdade estava torcendo contra mim mesmo.
A guerra do Vietnã e a forma como os jovens negros e de baixa renda foram enviados para lutar por um país que os maltrata é um assunto que deve ser abordado. A violência policial e as ações racistas que essas pessoas enfrentam todos os dias também são denunciadas e não devem ser esquecidas.
Estão nos matando como cachorros nas ruas!
No término da palestra, Ron interrogou o líder a respeito de uma guerra racial cada vez mais próxima. O resposta foi de que a confrontação estava próxima e que todos deveriam se preparar.
Ron faz o seu primeiro contato com o movimento e o ativismo negro a partir do relacionamento com Patrice, sua nova namorada. Ela é altamente engajada na luta antirracista, sendo responsável por organizar protestos, encontros e trazer figuras importantes para o Colorado.
Kwame Ture, anteriormente conhecido como Stokely Carmichael, foi um importante ativista racial dos anos 60 e 70 e autor do icônico slogan político "black power", que defendia a autodeterminação e a resistência negra.
Em 1955, no Alabama, a costureira Rosa Parks provocou um símbolo de luta e contestação às normas de segregação racial ao recusar-se a ceder o seu lugar no ônibus a um homem branco, contrariando assim as leis da época.
Em 1963, Martin Luther King tornou-se um dos maiores líderes do movimento dos direitos civis norte-americanos, ao liderar a Marcha sobre Washington. Ele defendia os valores do amor ao próximo e do pacifismo.
O filme acompanha os movimentos da Klan, enquanto relembra os marcantes episódios da luta pela igualdade racial. Ron, Patrice e outros afro-americanos são herdeiros desta luta. A postura e o discurso da jovem ativista presente durante o filme mostra o sentido de missão e consciência desta causa.
Abrindo o Olhar para a Violência Policial e o Abuso de Autoridade
Após a morte de Martin Luther King, ocorrida no Tennessee em 1968, a opinião pública foi tomada por uma onda de desconfiança, pois James Earl Ray foi apontado como responsável pelo crime, mas havia uma suspeita de que o governo liderasse a trama de assassinato.
Em 1966, a organização revolucionária Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party) surgiu em Oakland. Como sua primeira missão, os membros do partido patrulhavam as ruas para combater a brutalidade policial contra os cidadãos afro-americanos.
Os membros do Partido Panteras Negras eram defensores de uma política de autodefesa e andavam armados, sendo considerados pelo FBI como "a maior ameaça à segurança interna do país". Por causa disso, Kwame Ture, membro do partido, foi alvo de vigilância por parte do policial Ron Stallworth, que foi enviado a uma de suas palestras para espioná-lo.
Após o encontro, os ativistas dirigiram-se juntos em um carro que foi posteriormente abordado pela polícia. O agente responsável por essa abordagem foi Landers, que anteriormente havia ofendido Ron com gírias racistas, no local de trabalho. O policial começou a revistá-los com um tom hostil, assediando Patrice e tocando em seu corpo.
Durante a cena, os ameaça de prisão, ao que eles reagem revoltados, gritando "Nós já nascemos na cadeia!". Mais tarde, ao se encontrar com Ron naquela noite, ela desabafa sobre o ocorrido. O agente busca uma explicação por parte dos colegas, mas estes desvalorizam a situação.
Mais à frente no filme, Flip e Jimmy discutem sobre o caso de um agente que assassinou um garoto negro desarmado no passado, mas não teve consequências. Elas alegam que não o denunciaram porque, apesar de tudo, são como uma família. Esta indiferença e o modo como acobertaram o companheiro leva o protagonista a compará-los à Ku Klux Klan.
Em uma sociedade racista, os próprios agentes da lei contribuem para o mantenimento desse comportamento. Ron parece estar em uma encruzilhada, dividindo sua vida entre o namoro com Patrice e seu trabalho como detetive disfarçado.
Durante uma conversa entre o casal, ela afirma que não se pode transformar um sistema a partir do seu interior, mas Ron discorda. No final do filme, ele consegue uma pequena vitória ao colocar uma armadilha para Landers. Com a ajuda de uma escuta, ele tem provas suficientes do discurso de ódio e da conduta reprovável do agente, o que leva à sua expulsão.
Após algum tempo, Ron sofre com a discriminação e a brutalidade policial. Estava perseguindo Connie para impedir que ela plantasse uma bomba, mas foi detido por agentes que acharam que ele era um delinquente. Tentando se defender, ele explicou que era um detetive disfarçado, porém as agressões só cessaram quando Flip chegou para confirmar sua versão.
Durante a investigação, Ron e Flip descobriram o envolvimento de alguns elementos do exército norte-americano com a Klan. Mesmo após os nove meses de trabalho duro, infelizmente a missão deles foi interrompida abruptamente, provavelmente por causa dessa descoberta.
Infiltrados Ron e Flip
Quando Ron respondeu ao anúncio da Ku Klux Klan no jornal, distraído, ele acabou por dar seu nome verdadeiro. Isso chamou a atenção de um membro da organização, Walter, que passou a procurar por ele para marcar um encontro.
Flip foi escolhido para ser o enviado para espiar as reuniões da Klan. Ele fingia ser um membro branco para se infiltrar no grupo. Durante uma das reuniões, o fato dele ser judeu foi descoberto devido ao colar com a estrela de Davi que ele usava no pescoço.
A partir da primeira conversa, Felix tem bombardeado Flip com comentários antissemitas, questionando a sua ascendência e tentando fazer-lhe um teste com um polígrafo. O personagem é forçado a negar reiteradamente a sua identidade, indo mesmo tão longe como ao ponto de fazer um discurso a favor do Holocausto para se fazer passar por um verdadeiro membro da Ku Klux Klan.
'É assim que é, Ron. Ao longo da narrativa, é perceptível que Ron se torna cada vez mais comprometido com o movimento dos direitos civis, lutando contra discursos e ações que são racistas. Quando a situação de Landers e a brutalidade policial são discutidas, Ron se questiona sobre porque Flip pode agir da forma indiferente que está. A resposta de Flip é: "É isso que é, Ron".
Para você isso é uma cruzada, para mim é um trabalho!
Flip e Ron são dois companheiros que demonstram grande coragem na cerimônia de batismo da Klan. Flip vai como membro infiltrado, enquanto Ron se apresenta como policial para a proteção de Duke. Mesmo quando descobertos, eles conseguem se safar e conter os planos terroristas da organização.
Explorando os Estereótipos e Tropos Raciais na Sociedade dos Estados Unidos
Ao longo do filme, podemos encontrar vários estereótipos raciais. Spike Lee expõe os preconceitos da época através dos discursos de personagens como Duke, Beauregard e Felix, e demonstra que muitos desses preconceitos ainda estão presentes até hoje.
Ao falar com Duke, Ron sabe o que dizer para causar boa impressão: ele repete o discurso de ódio de Duke e faz de conta que concorda com todos os seus argumentos, mesmo que sejam irracionais e desinformados.
Durante algumas cenas, Ron faz uma crítica ao forte estereótipo de que as pessoas negras devem falar de forma diferente, com sotaques e expressões "incorretas". Para isso, ele imita o modo de discurso de Duke, o que evidencia o preconceito existente até os dias atuais.
O homem negro foi representado como uma figura ignorante e violenta, sendo encarado como um predador e ameaça à segurança, especialmente das mulheres brancas. O estereótipo do "Mandingo" ou "Black Buck" foi usado para comparar esses homens à animais.
Essa imagem, que promovia a sexualização e a ideia de serem agressivos ou imprevisíveis, gerou um forte sentimento de repressão, resultando em linchamentos e mortes perpetrados por grupos de "cidadãos de bem".
No vídeo de propaganda protagonizado por Beauregard, é possível ver claramente o estereótipo tóxico presente entre a população norte-americana. A mensagem transmitida é que os cidadãos brancos devem temer e tratar os negros com violência e falta de compaixão.
Duke disse para Ron ao telefone que não odeia a todos os negros, apenas aqueles que não seguem regras. Ele contou então sobre a emprega que tinha desde sua infância, a sua "Mammy".
O tropo bem conhecido de Hollywood, visto em produções como ...E o Vento Levou (1939), diz respeito à figura da empregada doméstica ou escrava de casa responsável por cuidar da casa e da família do patrão.
Mulheres assim frequentemente são retratadas como pessoas autossuficientes, desprovidas de desejos ou aspirações, e cujo único objetivo é obedecer às ordens e cuidar dos outros.
Durante sua carreira, a atriz Hattie McDaniel interpretou mais de quarenta papéis como "Mammy", fato que era comumente encontrado na época. Ela foi a primeira afrodescendente a ganhar um Oscar.
A figura de Patrice desafia o estereótipo de mulher obediente ao liderar o movimento estudantil e enfrentar seus inimigos. Sua atitude faz dela o alvo principal da Klan, que a vê como uma ameaça potencial. Patrice luta para melhorar sua condição de vida, demonstrando coragem e determinação.
Durante uma conversa entre os amigos de Patrice, é mencionado que muitas histórias apresentam o personagem negro como um coadjuvante, servindo como ajuda ao protagonista branco. Raramente, esses personagens têm alguma densidade ou objetivo próprio.
"O Detetive Ron Stallworth é o herói negro no centro do filme, trazendo ao público um relato dos seus feitos quase inacreditáveis contra uma das maiores organizações terroristas nos Estados Unidos. Apesar de ser um detetive novato, ele assume as rédeas de toda a ação."
Representatividade e Cultura
A dança de Ron e Patrice na cena de Infiltrado na Klan é especialmente bonita. Esta ação acontece após eles terem discutido o assédio sofrido por Patrice e seus companheiros por parte de Landers. A dança surge como um momento de alívio e entendimento entre as personagens.
A alegria que vem à tona na cena seguinte contrasta fortemente com a revolta na discussão sobre brutalidade policial. Todos estão na festa, dançando ao som Too Late to Turn Back Now, da Cornelius Brothers & Sister Rose.
O amor e a partilha se espalham por todos que circundam o casal, ignorando as barreiras da discriminação. A música é um campo onde a cultura afro-americana vem recebendo cada vez mais destaque e elogios.
A obra de Spike Lee, pioneiro no cinema hollywoodiano com conteúdo relacionado à questão racial, é alvo de diversos comentários. Estes falam desde o racismo que foi tolerado e aplaudido dentro da sétima arte até a representatividade que a obra possui. O diretor, ao se dirigir tanto ao público quanto à crítica, lembra a todos a importância de tratar este assunto de forma sensível.
Ao discutirem filmes, Patrice e Ron comentam sobre Super Fly (1972) como um exemplo preocupante da representação da associação entre afro-americanos e crimes. Eles também discutem o Blaxploitation, subgênero de filmes feitos, protagonizados e dirigidos à população negra norte-americana no decorrer dos anos 70.
Com seu conteúdo extremamente prejudicial, O Nascimento de uma Nação (1915) é lembrado como o filme mudo que impulsionou o renascimento da Ku Klux Klan. Representava os racistas como heróis e os negros como "selvagens", mas foi visto por quase todos os norte-americanos, inclusive sendo projetado na Casa Branca.
A Simetria Enganosa
Durante a reunião da Klan, O Nascimento de uma Nação foi projetado. Spike Lee uniu as imagens do encontro com o diálogo dos ativistas, que tiveram que sair do local devido à ameaça de uma bomba.
Jerome Turner (interpretado por Harry Belafonte) é um homem idoso que presenciou o linchamento de Jesse Washington, um jovem acusado falsamente de estupro.
Em 1917, ocorreu o horrível caso de Jesse, em Waco, Texas. Ele foi acusado injustamente de estuprar uma mulher branca, e foi cruelmente torturado e espancado em uma multidão de aproximadamente 15.000 pessoas. Para piorar, a força policial estava entre os presentes, e Jesse foi finalmente queimado vivo. Esta história, que tem como base um fato real, é contada com muita emoção.
A morte brutal dele foi tratada como um espetáculo pela multidão. Fotografias foram tiradas de seu corpo após sua morte e eram vendidas como lembranças do "acontecimento". O cenário de choque, dor e terror eram refletidos nos rostos dos jovens que presenciaram o ocorrido.
Na Klan, Duke faz um discurso a respeito de sua suposta superioridade genética. Os presentes assistem a O Nascimento de uma Nação, dão risadas, aplaudem, se beijam, celebram e fazem a saudação nazista, enquanto gritam "Poder branco"!
Lee sublinha e destaca a desigualdade na maneira como a discriminação racial é vista na sociedade norte-americana. Ele torna claro que "Supremacia Branca" e "Poder Negro" não são grupos de status equivalentes, mas sim dois lados de uma moeda desequilibrada.
Enquanto o movimento estudantil e civil negro reivindicava por igualdade de tratamento e oportunidades, os discursos de ódio se esforçavam para perpetuar a desigualdade e garantir os privilégios de alguns. Os primeiros clamavam pelo direito aos direitos humanos fundamentais, enquanto os segundos buscavam manter o status quo e suas vantagens.
Não possui sentido comparar os movimentos ou suas motivações. Os conservadores brancos não queriam aceitar a igualdade de direitos entre raças pois acreditavam serem superiores. Por isso, planejavam e executavam emboscadas, assassinatos e todos os tipos de violência.
“igualdade agora”. Os ativistas pelos direitos civis lutaram para organizar e educar a população e conscientizá-la sobre a importância da igualdade. Exigindo veementemente "igualdade agora", eles ergueram seus punhos como símbolo de seu movimento.
Todo o poder para todas as pessoas!
Felix e Connie aparecem deitados na cama, abraçados, transmitindo ao espectador tranquilidade e felicidade. Mas, ao mesmo tempo, conversam calmamente sobre um atentado, comentando que matar centenas de pessoas é realizar um sonho. A dualidade dessa cena proporciona um choque entre o que se vê e o que se ouve.
O discurso racista pode levar à desumanização e desvalorização da vida dos outros, e este momento é um testemunho claro disso.
Comparando as Cenas Finais de 1970 e 2017
Sem dúvida, o desfecho em Infiltrado na Klan é desalentador. Durante todo o filme acompanhamos o caminho de Ron e Flip, presenciamos a ignorância e ódio da KKK e vimos as lutas do ativismo negro – mas, ao final, nada mudou.
Quando Ron e Patrice estavam em casa, ouviram um barulho. Ao ver pela janela, presenciaram uma cena que lhes deu uma clara mensagem de que o racismo ainda é forte nos Estados Unidos: vários homens vestidos com os uniformes da Klan estavam queimando uma cruz.
Ao se referir ao ato terrorista, Lee faz uma ligação com as imagens reais que surgiram em agosto de 2017 em Charlottesville, Virgínia. O foco foi uma manifestação organizada por supremacistas brancos e grupos neonazistas, onde foram vistas inúmeras armas, bandeiras da Confederação e cruzes suásticas, símbolos que remetem ao regime de Hitler.
Uma manifestação antifascista foi recebida com contramanifestação, e o confronto se tornou inevitável. Tragédia foi o resultado quando James Fields, um jovem de apenas 20 anos, usou seu carro para atingir os contramanifestantes, causando ferimentos a várias pessoas e o último e mais fatal dos quais foi o de Heather Heyer.
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, notoriamente conhecido por suas opiniões discriminatórias, não se manifestou em relação ao fascismo e à violência ocorrida. Em vez disso, ele chamou à união e fez um alerta, dizendo que o ódio e o fanatismo já mataram "em muitos lados".
No dia 10 de agosto de 2018, o filme Infiltrado na Klan foi lançado nos Estados Unidos, exatamente um ano após o atentado de Charlottesville. É importante lembrar que, mais uma vez, fica clara a ideia falsa de que fascistas e antifascistas representam o mesmo perigo.
Após décadas desde o período de segregação racial, o país ainda enfrenta os seus danos. Os movimentos civis lutam pelos mesmos direitos fundamentais e ainda são questionados pela presença de preconceitos. Na manifestação, Duke, ex-líder da Ku Klux Klan, afirma que este é o primeiro passo para a vitória dos supremacistas.
Análise do Filme: Uma Comédia Dramática
O tom de Infiltrado na Klan muda ao longo da narrativa, o que parece atrair o público. Essa é a característica mais marcante do filme.
A ideia de uma comédia sobre um homem negro infiltrado na Ku Klux Klan chamou a atenção dos espectadores, porém poucos deles esperavam por um conteúdo tão intenso. O diretor, Lee, usa humor subversivo e cáustico para expor e desmascarar a fala do opressor.
Enquanto acompanhamos as conversas entre Ron e Duke, somos capazes de achar graça de certas opiniões e afirmações. Mas, à medida que os acontecimentos vão se desenrolando, a comédia lentamente cede lugar à tristeza e ao desespero. Assim, aquela que era inicialmente uma situação divertida se transforma em algo inimaginável.
Ron é confrontado com uma cena aterradora. Descobre que a Klan estava treinando para alvos que representavam homens negros. Enquanto observa os objetos, seu rosto é inundado por uma expressão de profunda tristeza. Silenciosamente, ele examina aquelas figuras.
Lembrando as agitações sociais e a violência que marcaram a década de 70, o diretor direciona sua atenção a assuntos atuais de seu país, chamando a atenção para os direitos básicos que ainda são questionados.
Com sua temática política, o filme reflete o caminho que o nosso país está tomando com o novo governo e os profundos efeitos que essa mudança está causando na comunidade, trazendo à tona preconceitos e ódio racial.
O filme Infiltrado na Klan, indicado ao Oscar como melhor filme, é mais que um relato em imagens. Representa o manifesto de Spike Lee sobre a necessidade de seguirmos em frente na luta contra o racismo.