Análise do Filme A Viagem de Chihiro


Escrito por Rebeca Fuks

Dirigido por Hayao Miyazaki, o filme conta a historia de Chihiro, que estava indo para uma nova cidade com seus pais, mas cai em uma armadilha no meio do caminho. Eles acabam no meio de um mundo mágico e cheio de criaturas sobrenaturais como feiticeiras e dragões, bem como criaturas típicas do folclore japonês. A partir de então, Chihiro deve salvar seus pais e retornar para o mundo real.

A obra-prima japonesa de animação, "Viagem de Chihiro" (2001), aborda temas como identidade, crescimento e auto-reflexão. Cheio de metáforas e simbolismos, o filme oferece inúmeras interpretações para o espectador.

Atenção: este artigo contém spoilers! Aviso: este artigo possui spoilers!

A Jornada de Autodesenvolvimento

A protagonista Chihiro está passando por transformações em todos os níveis: entrar na pré-adolescência para adquirir maturidade, assim como realizar uma mudança de cidade, por mais que seja contra a sua vontade, gerando também uma mudança espacial.

Ela tem que enfrentar os seus medos e aprender a ter coragem em momentos desafiadores, pois as transformações ocorridas são muito significativas.

Chihiro

O filme começa dentro de um carro, numa viagem entre dois lugares. Os três personagens estão entre sua cidade de origem e seu destino, num espaço de transição.

A Viagem de Chihiro é um título que oferece duas perspectivas: a primeira, de um percurso espacial; e a segunda, de uma jornada subjetiva. No entanto, essa transição não é sempre linear e há alguns desafios inesperados a serem enfrentados pelo caminho. Mesmo perdidos, a viagem nos ensina que se superá-los, a recompensa pode ser enorme.

A Viagem de Chihiro encaixa-se perfeitamente no gênero coming of age, que acompanha o amadurecimento de personagens que estão passando por um processo de crescimento em direção à vida adulta.

Assim como Chihiro, muitas meninas das histórias infantis passam por experiências que as arrastam para novos mundos encantados. Chapeuzinho Vermelho é interrompida por um lobo inesperado, Alice no País das Maravilhas chega a um universo cheio de magia e Dorothy, de O Mágico de Oz, enfrenta uma jornada até descobrir o caminho de volta para casa.

A Independência da Personagem Chihiro

A heroína do filme é uma personagem feminina, como é comum nas obras de Miyazaki. No filme, Haku não é necessariamente seu par romântico, mas sim um grande aliado que cuida dela quando é necessário. Os dois formam uma parceria e se ajudam a sair de situações de perigo.

Assim que Chihiro se vê desesperada e perdida no novo mundo, Haku surge para lhe oferecer ajuda.

Quando Haku fica em uma situação complicada, Chihiro não hesita em arriscar sua própria vida para salvá-lo. Ela o ama e se sacrifica para retribuir o que ele fez por ela, mas não é amor romântico.

Ao contrário de contos de fada, a relação entre o personagem masculino e feminino na animação japonesa é diferente. Em Chihiro, a personagem feminina é autônoma e independente. Ela conta com a ajuda de muitos outros personagens durante sua jornada, sendo Haku um deles. Ele não é o herói que chega para salvar Chihiro quando ela está em perigo.

Chihiro

Explorando a Identidade e o Processo de Alteração de Nome

Chihiro se vê obrigada a mudar seu nome quando assina um contrato de emprego. No entanto, esse nome não é escolhido por ela, uma vez que a feiticeira do outro mundo transforma-a em Sen. Como não encontrou nenhuma outra alternativa, Chihiro aceita ser conhecida como Sen.

A questão do nome, no filme de Miyazaki, possui uma grande simbologia. Ao penetrarem em um outro mundo, os seres são renomeados e acabam se transformando em algo diferente do que eram antes. Por exemplo, o amigo de Chihiro, Haku, não possuía o nome original.

No filme, Haku dá a Chihiro um aviso essencial: ela precisa se lembrar de seu próprio nome. Essa é uma das conversas mais significativas do filme.

Haku: A Yubaba controla-nos porque nos roubou os nomes. Aqui o seu nome é Sen, mas guarda em segredo o teu verdadeiro nome.

Chihiro: Ela quase me roubou, já pensava que era a Sen.

Haku: Se ela te roubar o nome, não conseguirá voltar para casa. Eu já não me lembro do meu.

O nome próprio é algo muito importante para a identidade. A cada pessoa é atribuída uma história, um passado, gostos e traumas. No entanto, se alguém atravessa a fronteira para um novo lugar, e escolhe um novo nome, tudo isso deixa de ter significado.

Chihiro nome

Com a mudança de nome de Chihiro para Sen, ela passa a ser apenas mais um entre a multidão. Todos usam o mesmo uniforme e não há nenhuma forma de distinguir um do outro. Assim, todos são tratados de maneira igual.

O nome é tão primordial para o filme, que ao descobrir seu verdadeiro nome, Haku, Chihiro desfaz o encantamento. Ela está sobre as costas do dragão quando percebe o rio e se lembra do nome original de Haku.

Chihiro Haku

Quando Haku profere seu nome verdadeiro, ele volta a ser um menino e deixa de ser um dragão.

Chihiro: Acabo de me lembrar. O teu verdadeiro nome é Hohaku.

Haku: Chihiro, obrigado. O meu verdadeiro nome é Nigihayami Kohaku Nushi.

Chihiro: Nigihayami?

Haku: Nigihayami Kohaku Nushi.

Uma Análise do Capitalismo e a Diferença de Chihiro em Relação ao Grupo

A viagem de Chihiro expressa sérias críticas ao capitalismo, o consumo desmedido e a avareza, através de uma série de metáforas.

A gula dos pais é a primeira coisa que Chihiro enfrenta ao chegar no mundo dos espíritos. O banquete farto em que eles comem compulsivamente os torna em porcos. Apesar do apelo da fartura da mesa, Chihiro se recusa a comer e assim se mantém humana. A recusa dela ao banquete é fundamental para que ela não seja transformada como os pais.

Os pais da menina são punidos de imediato, pois se mostraram muito gulosos e tentaram comer de tudo.

Chihiro pais

Yubaba, a feiticeira, é retratada de modo a ilustrar criticamente a sociedade de consumo. Ela explora seus trabalhadores, humilhando-os e exigindo que trabalhem até a exaustão. Não têm identidade própria, e sua única função é servir e aumentar os lucros daqueles que comandam.

O espírito fedorento é uma crítica severa ao consumismo excessivo. Ele cresce por meio dos resíduos jogados fora, contendo eletrodomésticos obsoletos, lixo, detritos e até mesmo uma bicicleta.

Chihiro se destaca das outras criaturas ao seu redor por não se deixar influenciar pela coletividade. Ela recusa o ouro oferecido pelo Sem Rosto, demonstrando que não tem interesse em possuir uma pedra. Ao contrário de seus companheiros, ela não vê nenhum valor no ouro e busca apenas escapar da situação e salvar seu amigo.

A Máscara do Camaleão: Um Olhar para o Nosso Comportamento

O Sem Rosto é um ser que tem o dom de se modelar de acordo com os seus interlocutores. Ele é uma tela em branco, dotado de um vazio de personalidade. O comportamento dele se molda à forma como é tratado: se alguém é gentil e delicado, ele também será gentil e delicado; se a pessoa é gananciosa, o Sem Rosto também se tornará ganancioso.

Com sua habilidade de se metamorfosear, o protagonista da história pode assumir a forma de um monstro assustador ou uma criatura inofensiva que ajuda sua avó a tecer. Apesar de carente e solitário, ele segue as criaturas devido à sua necessidade de companhia.

Sem rosto

Muitos alegam que o Sem Rosto tem uma personalidade infantil, que absorve todas as informações que obtém.

É possível que o Sem Rosto represente características comuns a todos nós: a capacidade de nos adaptamos ao ambiente que nos cerca. Podemos mudar nosso comportamento de acordo com o lugar onde estamos, assim como o Sem Rosto. Ele poderia ser uma personificação dessa capacidade de absorver o que nos rodeia.

Os Efeitos Negativos da Poluição do Homem

Chihiro também faz críticas ao comportamento humano, que tem devastado a natureza devido ao consumo exagerado.

Durante o banho de banheira, o monstro personifica a poluição, feito de lixo humano e revelando-se como uma reação da natureza. Com movimentos violentos, ele destrói tudo o que os homens produziram ao longo dos anos: bicicletas, aparelhos eletrodomésticos e outras formas de lixo.

Monte sujo

O monstro uniformemente amontoado exsudava força e energia que surpreendia aqueles em volta. No entanto, Chihiro foi o único que teve coragem de se aproximar e descobrir que o que parecia ser um espinho era na verdade um pedaço de bicicleta. Ao puxá-la, tudo o que formava a criatura horrenda saiu, por fim provando que era simplesmente o resultado de tudo aquilo que jogamos fora.

Criança Presa em Uma Redoma de Vidro: O Choro Sem Motivo

Bebê: Vieste cá para me contagiar. Há bactérias más lá fora!

Chihiro: Sou humana! Talvez nunca tenhas visto nenhuma!

Bebê: Vais adoecer lá fora! Fica aqui e brinca comigo

Chihiro: Estás doente?

Bebê: Estou aqui porque adoeceria lá fora.

Chihiro: É ficar aqui que te vai fazer adoecer!

A feiticeira cuida do bebê que chora sem nenhuma razão de forma muito protetora e Chihiro, apesar de tão jovem, é capaz de notar os desafios que o acompanham. Em algumas cenas é possível ver a maturidade da protagonista ao tentar entender o que a criança está passando.

O bebê ainda sem um nome é extremamente mimado, desejando que seus cuidadores brinquem com ele no momento exato que ele quer. Ele requer atenção total enquanto está confinado em casa, não tendo contato com ninguém que não seja a feiticeira.

Chihiro, quase na idade pré-adolescência, consegue se comunicar com o bebê e diz que é importante que ele conheça o mundo exterior.

A menina, com sua fala, provou que é necessário ter coragem para experimentar o desconhecido e, assim, mostrou seu amadurecimento e boa vontade de não só explorar o novo, como de incentivar aqueles ao seu lado a fazer o mesmo.

Apesar de a feiticeira parecer proteger o recém-nascido, na realidade ela restringe sua existência.

Bebe Chihiro

A Contrastante Fusão de Culturas Ocidentais e Orientais

A viagem de Chihiro levanta, de forma sutil, o conflito entre a cultura ocidental e a oriental.

Assim que sai do carro, Chihiro nota que elementos ligados à cultura japonesa estão deteriorados e abrigados pela paisagem. Estas estátuas de pedra, cobertas de musgo, evidenciam que a cultura nacional foi esquecida.

Miyazaki aborda discretamente a cultura local.

O cineasta, através de sua própria produção, tem o intuito de preservar os elementos da cultura local, retratando, por exemplo, criaturas místicas oriundas do folclore japonês.

Chihiro

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Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).