Por muito tempo, a palavra foi controlada por homens brancos: eles eram os responsáveis por descrever e explicar o mundo, usando a si mesmos como referência.
A hegemonia masculina e branca se tornou responsável por criar o cânone literário, desvalorizando assim os discursos vindos de outras identidades para as margens.
Nos últimos anos, tem havido um reconhecimento de que é necessário ampliar a diversidade de nossas leituras e perspectivas. Para isso, buscamos leituras sobre mulheres negras, assim como conhecer seus trabalhos e lutas, com o intuito de resistir ao silenciamento e ao apagamento de seus feitos históricos.
1. A Vida e Obra de Maria Firmina dos Reis (1822-1917)
Em 1859, Maria Firmina dos Reis, escritora do Maranhão, se tornou a pioneira romancista brasileira com a publicação de seu trabalho intitulado "Úrsula".
A obra, centrada no relacionamento entre Úrsula e Tancredo, diferenciou-se de outras produções literárias da época ao abordar o cotidiano dos escravos, dos negros e das mulheres.
O livro tem como objetivo denunciar as desigualdades e opressões que marcam a sociedade. Ele é considerado precursor do abolicionismo e é considerado uma das principais obras da literatura afro-brasileira.
A autora deu expressão a sua insatisfação com a sociedade patriarcal e escravagista através da poesia, publicada em Cantos à beira-mar (1871). Além disso, ela escreveu contos, crônicas e poemas para diversas publicações locais.
Para celebrar o centenário da morte de Maria Firmina dos Reis, várias reedições de suas obras foram publicadas. Além disso, também foram realizados eventos e homenagens que destacaram a importância da autora no cenário literário e social brasileiro.
Seu nome! é minha glória, é meu porvir,
Minha esperança, e ambição é ele,
Meu sonho, meu amor!
Seu nome afina as cordas de minh'harpa,
Exalta a minha mente, e a embriaga
De poético odor.
Seu nome! embora vague esta minha alma
Em páramos desertos, - ou medite
Em bronca solidão:
Seu nome é minha idéia - em vão tentara
Roubar-mo alguém do peito - em vão - repito,
Seu nome é meu condão.
Quando baixar benéfico a meu leito,
Esse anjo de deus, pálido, e triste
Amigo derradeiro.
No seu último arcar, no extremo alento,
Há de seu nome pronunciar meus lábios,
Seu nome todo inteiro!
Trecho do poema "Seu Nome", Cantos à beira-mar (1871)
Dê ouvidos a Socorro Lira cantar "Seu Nome", um poema de Maria Firmina dos Reis.
2. A Vida de Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
Carolina Maria de Jesus foi uma importantíssima escritora brasileira e figura pioneira entre as autoras negras de nossa nação. Sendo mãe solteira, catadora de papéis e moradora da favela do Canindé, em São Paulo, ela relata, através de um conjunto de 20 diários, suas dificuldades e experiências vividas.
Até 1960, Carolina de Jesus passava desapercebida. No entanto, com a publicação de Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, ela se tornou uma figura de destaque. A obra, que tem como base o contexto social de Carolina, é um símbolo de representatividade.
A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.
Quarto de Despejo (1960)
Sujeita às desigualdades sociais, ela, uma mulher periférica e de baixa renda, lutava diariamente pela sobrevivência, mas não se limitou a isso. Além do trabalho árduo para garantir sua subsistência, escreveu poemas denunciando as injustiças a que estava submetida.
Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.
Folha da Noite (1958)
Sempre escrevendo sobre suas próprias vivências, ela reflete sobre a desigualdade racial e de classe, além da escassez de oportunidades. Seus textos retratam a divisória presente entre os habitantes de um mesmo país, devido à cor da pele e ao lugar onde nasceram.
Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.
Trecho do poema "Muitas fugiam ao me ver"
3. A Vida de Conceição Evaristo (1946)”
A autora nacional afro-brasileira Conceição Evaristo é membro da Academia Brasileira de Letras. Suas obras de poesia, ficção e ensaio destacam a cultura negra e também analisam o contexto social brasileiro.
A obra mais célebre de Ponciá Vicêncio, de 2003, acompanha a vida da protagonista, descendente de escravos, desde o meio rural até a periferia urbana.
A poesia de Conceição Evaristo expressa as desigualdades raciais, de classe e de gênero que permeiam a nossa sociedade. Seus escritos, como a narrativa de diáspora, nos fazem refletir sobre o passado e o presente, revelando a herança de exclusão e marginalização que ainda persiste. Militante dos movimentos sociais, Conceição Evaristo imprime na sua poesia os efeitos das discriminações e o modo como elas afetam o nosso cotidiano.
Vozes-mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
Poemas da recordação e outros movimentos (2008)
Ao questionar a representação das identidades negras na literatura nacional, é possível perceber que os preconceitos ainda são persistentes na cultura e no imaginário do brasileiro.
Ao denunciar as desigualdades, evidencia-se o estado de fragilidade das mulheres negras, que sofrem cumulativamente com o racismo e o machismo da nossa sociedade.
A literatura de Conceição Evaristo é um símbolo de representatividade, pois através dela, uma mulher negra expressa suas visões sobre o seu estado social e as batalhas que tem que enfrentar.
Eu-Mulher
Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.
Poemas da recordação e outros movimentos
4. A Vida de Djamila Ribeiro (1980)
Djamila Ribeiro chama a atenção devido às suas ações em prol dos direitos das mulheres e dos cidadãos negros. Ela é uma escritora, acadêmica, filósofa e ativista brasileira que se destaca por contribuir para os movimentos sociais.
A partir do momento em que Djamila começou a publicar textos na internet, seu trabalho foi divulgado em várias plataformas. Assim como outras teóricas, ela defende que o espaço virtual oferece uma alternativa à mídia convencional, que tende a reproduzir os preconceitos sociais.
No seu livro de estreia, O que é lugar de fala? (2017), a autora destaca o silenciamento de certos grupos da sociedade. Ela defende que é importante ouvirmos várias vozes e histórias na nossa cultura, bem como desafiar o predominante padrão masculino e branco.
Na nossa sociedade, quem tem direito a voz é uma questão levantada por esta obra. Ao colocar o homem branco como alguém universal, outras identidades são relegadas ao lugar de "outro". Essa visão precisa mudar, pois todos devem ter igual direito ao discurso enquanto forma de poder.
Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la.
Djamila acredita que cada um de nós tem uma localização única nas estruturas de poder, de acordo com a qual compartilhamos experiências em comum. Ela destaca a necessidade de cada um atuar a partir de seu lugar, a fim de promover uma sociedade mais equitativa e livre de discriminação.
Como negra, não quero mais ser objeto de estudo, e sim o sujeito da pesquisa.
No seu segundo livro, Quem tem medo do feminismo negro?(2018), Djamila reúne textos que publicou de 2013 a 2017 no blog da revista CartaCapital. Neles, ela continua a refletir sobre os processos de silenciamento aplicados à população feminina e negra, além de dialogar com autoras contemporâneas e abordar casos da atualidade.
Confira abaixo a palestra da autora, apresentada na conferência TEDxSão Paulo em 2016:
5. A Biografia de Mel Duarte (1988)
Mel Duarte, poeta brasileira, é notabilizada por ser a vencedora do campeonato internacional de poesia Rio Poetry Slam (2016) e, além disso, também é uma das organizadoras do Slam das Minas, localizado em São Paulo.
A FLIP 2016 foi um marco importante para o trabalho do poeta, pois os vídeos de seus poemas foram exibidos e compartilhados por um amplo espectro de telespectadores.
Em 2020, a escritora lançou sua segunda obra, intitulada Negra Nua Crua. A poesia escrita por ela tem uma forte carga social, abordando temas como o machismo e o racismo institucional.
Em suas palavras à imprensa, Mel afirma não se importar com o que os críticos pensam ou se ela recebe ou não alguma premiação. O que realmente a motiva é a capacidade de se conectar com os jovens, transmitindo mensagens de empoderamento para seu público mais jovem.
Preta:
Mulher bonita é a que vai a luta!
Que tem opinião própria e não se assusta
Quando a milésima pessoa aponta para o seu cabelo e ri dizendo que ele está ‘’em pé’’
E a ignorância dessa coitada não a permite ver...
Em pé, armado,
Foda-se! Que seja!
Pra mim é imponência!
Porque cabelo de negro não é só resistente,
É resistência.
Trecho do poema "Menina Melanina"
Usando a poesia como meio de expressão, abordar temas como opressão feminina, discriminação racial e cultura do estupro é parte de um esforço para vencer o preconceito e a ignorância.
Por meio de sua poesia, ela incentiva a autoestima, a crença na força do movimento negro e a luta pela mudança social, utilizando palavras motivadoras e inspiradoras.
Vejo que nós, negras meninas
Temos olhos de estrelas,
Que por vezes se permitem constelar
O problema é que desde sempre nos tiraram a nobreza
Duvidaram das nossas ciências,
E quem antes atendia pelo pronome alteza
Hoje, pra sobreviver, lhe sobra o cargo de empregada da casa
É preciso lembrar da nossa raiz
semente negra de força matriz que brota em riste!
Mãos calejadas, corpos marcados sim
Mas de quem ainda resiste.
E não desiste negra, não desiste!
Mantenha sua fé onde lhe couber
Seja Espírita, Budista, do Candomblé.
É teu desejo de mudança,
A magia que trás na tua dança,
Que vai lhe manter de pé.
Trecho do poema "Não desiste negra, não desiste!"
Veja abaixo o vídeo Pense Grande, produzido em parceria com a Fundação Telefônica pela poeta.
6. Ryane Leão: 1989
Ryane Leão é uma famosa poeta, professora e ativista brasileira. Ela alcançou o sucesso ao compartilhar os seus textos nas páginas do Facebook e no Instagram @ondejazzmeucoracao.
Em 2017, a autora lançou Tudo Nela Brilha e Queima - um livro com "poemas de luta e amor" baseados em sua vivência. O conteúdo do livro é autobiográfico.
Com mais de 400 mil seguidores ao seu redor, a influenciadora digital consegue cativar seu público através de suas publicações e conteúdos que inspiram e auxiliam na divulgação do seu trabalho.
Com seus versos, oferecendo uma análise dos diferentes contextos e experiências, desperta-se em nós reflexões acerca do nosso estilo de vida e da maneira como nos relacionamos.
que ideia mais estúpida
achar que é melhor sentir dor
a não sentir nada
elevamos o sentir a níveis tão errados
que preferimos atear fogo em nós mesmas
a conviver com nossos vazios.
Tudo Nela Brilha e Queima (2017)
A autora, militante do feminismo negro, aconselha as mulheres a acreditarem em si mesmas, a amarem-se e a aceitarem-se, ao mesmo tempo que procuram ambientes saudáveis onde possam crescer e ser respeitadas. Para a autora, a poesia é uma excelente forma de comunicação entre mulheres.
Moça,
sobre lugares e pessoas:
se não puder ser você mesma
vá embora
7. A Vida de Paulina Chiziane (1955)
Paulina Chiziane é uma pioneira moçambicana na literatura, pois foi a primeira mulher a publicar um romance no seu país. Balada de Amor ao Vento (1990) foi o seu primeiro trabalho que foi publicado.
Por mais de 400 anos, Moçambique esteve sob o domínio de Portugal até 1975. Uma década antes, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi fundada, tendo Paulina como uma de suas militantes.
Suas obras literárias abordam o contexto social, político e cultural de seu país durante a guerra civil que ocorreu de 1977 a 1992.
Há séculos, as mulheres africanas têm sido retratadas por meio de narrativas europeias que alimentam imagens e estereótipos equivocados e depreciativos.
A obra literária de Paulina Chiziane traduz a posição desfavorável das mulheres naquela sociedade. Por meio de sua escrita, ela mostra que as mulheres não devem ser tratadas apenas como objetos, mas sim como sujeitos dignos e capazes. Além disso, Chiziane reflete sobre a necessidade de passar por cima dos preconceitos e da submissão a que estão sujeitas.
Cerramos as nossas bocas e as nossas almas. Por acaso temos direito à palavra? E por mais que a tivéssemos, de que valeria? Voz de mulher serve para embalar as crianças ao anoitecer. Palavra de mulher não merece crédito. Aqui no sul, os jovens iniciados aprendem a lição: confiar numa mulher é vender a tua alma. Mulher tem língua comprida, de serpente. Mulher deve ouvir, cumprir, obedecer.
Niketche (2002)
No livro de Niketche (2002) mais famoso, há uma discussão sobre a poligamia, que é muito comum na região.
Rami, a narradora-protagonista, divide sua vida entre o marido e suas outras mulheres. Valorizando a família acima de tudo, esse modo de vida e forma de encarar o mundo tendem a restringir as identidades femininas para o papel de esposas e cuidadoras.
Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes. Sopro de silêncio que dá a luz ao mundo. Estrelas brilhando no céu, ofuscadas por nuvens malditas. Almas sofrendo na sombra do céu. O baú lacrado, escondido neste velho coração, hoje se abriu um pouco, para revelar o canto das gerações. Mulheres de ontem, de hoje e de amanhã, cantando a mesma sinfonia, sem esperança de mudanças.
Niketche (2002)
8. Vida de Noémia de Sousa (1926-2002)
Noémia de Sousa era uma poeta, jornalista, tradutora e ativista moçambicana, que se tornou conhecida como a "mãe dos poetas moçambicanos". Durante sua estadia em Portugal, ela se insurgiu contra o regime ditatorial de Salazar e por conta disso precisou sair do país.
Como jornalista e poeta, ele contribuiu para diversos jornais e revistas. Em 2001, a Associação dos Escritores Moçambicanos publicou a antologia Sangue Negro, que reúne a poesia escrita por ele entre 1949 e 1951.
Os versos deles retratam a raiva, a exaustão e as reivindicações de um povo assolado pela colonização. As palavras deles mostram uma profunda consciência social, denunciando a intolerância racial e a discriminação que eles passavam.
Lição
Ensinaram-lhe na missão,
Quando era pequenino:
“Somos todos filhos de Deus; cada Homem
é irmão doutro Homem!”
Disseram-lhe isto na missão,
quando era pequenino.
Naturalmente,
ele não ficou sempre menino:
cresceu, aprendeu a contar e a ler
e começou a conhecer
melhor essa mulher vendida
̶ que é a vida
de todos os desgraçados.
E então, uma vez, inocentemente,
olhou para um Homem e disse “Irmão…”
Mas o Homem pálido fulminou-o duramente
com seus olhos cheios de ódio
e respondeu-lhe: “Negro”.
Sangue Negro (2001)
Ele expressa seu desejo pela liberdade e acredita que dias melhores se aproximam, promovendo uma profunda mudança na sociedade.
O trabalho da autora reflete os valores e as tradições de Moçambique, incentivando o orgulho da própria cultura. Ela tornou-se um ícone para muitos artistas africanos e afrodescendentes, servindo de grande inspiração para eles.
Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a música!
Tirem-nos a terra em que nascemos,
onde crescemos
e onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um labirinto de xadrez…
Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,
a tua lírica de xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota ̶ humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor de lume
(que nos é quase tudo)
̶ mas não nos tirem a música!
Veja a leitura do poema "Súplica", recitado por Emicida.
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9. A Autora Alice Walker (Nascida em 1944)
Alice Walker é uma autora e poeta norte-americana que se empenhou muito em defesa dos direitos civis. Quando jovem, devido à discriminação racial, frequentou o Butler Baker High School, uma escola destinada a estudantes negros.
Envolvendo-se com a militância nos direitos civis, ela foi perseguida por grupos de supremacia branca, como a Ku Klux Klan.
Nós não somos brancos. Não somos europeus. Somos pretos que nem os africanos. E nós e os africanos estaremos trabalhando juntos por um objetivo comum: uma vida melhor para os negros do mundo todo.
A Cor Púrpura (1983)
Em 1983, A Cor Púrpura, obra aclamada pela crítica, foi lançada. O romance epistolar é composto por cartas escritas por Celie, a protagonista, para Deus e para a sua irmã.
A narradora-protagonista relata os acontecimentos dolorosos de sua vida em uma carta que nunca foi enviada. Desde a infância, ela sofreu abusos sexuais por parte de seu próprio pai, mesmo assim, teve dois filhos com ele. Por fim, se viu obrigada a se casar com um homem branco que também era violento.
Minha pele é escura. Meu nariz é apenas um nariz. Meu lábio é só um lábio. Meu corpo é só um corpo de mulher passando pelas mudança da idade. Nada especial aqui para alguém amar. Nada de cabelos enrolado cor de mel, nada de bonitinho. Nada novo ou jovem. Mas meu coração deve ser novo e jovem pois parece que ele floresce com a vida.
A Cor Púrpura (1983)
Nos anos 30, o racismo extremo e a segregação são fatores marcantes no sul do país. Esta situação de opressão é tema recorrente do livro, que busca gerar uma reflexão profunda sobre a condição femenina e a negritude.
A obra apresenta um registro de linguagem que se aproxima do estilo oral utilizado pelas mulheres, incluindo regionalismos e incorreções gramaticais, objetivando a representação correta do modo como elas falariam.
Em 1985, Steven Spielberg dirigiu a adaptação cinematográfica do romance. Confira o trailer aqui:
10. A Vida de Maya Angelou (1928 - 2014)
Marguerite Ann Johnson, mais conhecida como Maya Angelou, foi uma celebrada escritora, poeta e ativista norte-americana. Contava com uma vasta gama de talentos, sendo também roteirista, diretora de cinema, atriz, professora, jornalista, historiadora, cantora e bailarina.
Com trabalhos literários que abrangem poesia, ensaios, peças de teatro, filmes e sete autobiografias, Mayra Santos-Febres é uma autora de expressão notável. Dentre os títulos que compõem seu vasto acervo, Eu sei porque o pássaro canta na gaiola (1969) é um destaque. O livro é um relato sobre os tempos de infância e adolescência de Mayra.
Mesmo sendo criança, Maya Angelou contou aos familiares sobre o abuso sexual que sofreu por parte do namorado de sua mãe. Infelizmente, o criminoso foi assassinado. A tragédia deixou a garota com uma cicatriz emocional e o trauma a fez entrar em um estado de mutismo que durou por anos.
A literatura e a poesia foram a sua salvação. Ele usou seus escritos para refletir sobre assuntos como identidade, racismo e machismo na sociedade.
Mulher Fenomenal
Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo
Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo
Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu
Quando um recinto adentro,
Tranqüila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura
Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu
Mesmo os homens se perguntam
O que vêem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam
É o arco das costas,
O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu
Agora você percebe
Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar
Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu.
Trecho do poema "Mulher Fenomenal"
Maya Angelou foi uma pioneira na literatura ao escrever sobre sua experiência como afro-americana. Seu trabalho inspirou inúmeras gerações ao trazer mensagens de amor-próprio, aceitação e tolerância.
Como forma de combater a ignorância e o medo, Maya Angelou foi um ícone de poder e resistência negra que defendia a compreensão e o amor.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.
Trecho do poema "Ainda assim eu me levanto"
A leitura de Ainda assim eu me levanto, pela artistas brasileiras Mel Duarte, Drik Barbosa e Indira Nascimento, é algo para não perder! Confira abaixo.
11. bell hooks: 1952
Bell Hooks, pseudónimo de Gloria Jean Watkins, é uma feminista norte-americana que escreve, teoriza e age como ativista. Na sua juventude, esteve em escolas exclusivamente para negros, uma consequência das medidas de segregação racial que nessa época estavam em vigor.
Desde o início, ela teve de lidar com as realidades de uma sociedade racista e patriarcal, e busca enfrentá-las usando seu trabalho literário e acadêmico.
A autora publicou mais de trinta obras abordando temas relacionados a estudos culturais, teoria, histórias infantis, memórias e poemas. Seus trabalhos refletem a complexidade da experiência humana, com ênfase nas questões de gênero, raça e classe.
Infinitas vezes, os esforços das mulheres negras para falar, quebrar o silêncio e engajar-se em debates políticos progressistas radicais enfrentam a oposição. Há um elo entre a imposição de silêncio que experimentamos e censura anti-intelectualismo em contextos predominantemente negros que deveriam ser um lugar de apoio (como um espaço onde só há mulheres negras), e aquela imposição de silêncio que ocorre em instituições onde se dizem as mulheres negras e de cor que elas não podem ser plenamente ouvidas ou escutadas porque seus trabalhos não são suficientemente teóricos.
No livro "Não serei eu mulher?" (1981), bem como nas suas posteriormente produzidas teorizações, ela reflete sobre os movimentos sociais e sobre a construção do feminismo negro nos Estados Unidos, tornando-se uma das suas obras mais conhecidas.
Crenshaw cunhou o termo interseccionalidade em 1989 para descrever uma perspetiva que compreende que as discriminações se entrelaçam e alimentam mutuamente.
Desde do início do meu envolvimento com o movimento de mulheres fiquei incomodada pela insistência das mulheres brancas liberacionistas para quem a raça e o sexo eram duas questões separadas. A minha experiência de vida mostrou-me que as duas questões são inseparáveis, que no momento do meu nascimento, dois fatores determinaram o meu destino, ter nascido negra e ter nascido mulher.
bell hooks é uma visão profética, que descreveu conceitos que agora são amplamente aceitos e entendidos. Ela continua sendo uma das principais mentes por trás do movimento pelos direitos das mulheres e do feminismo negro, e ainda é uma presença influente nas discussões sobre a cultura afrodescendente.
12. A Vida de Chimamanda Ngozi Adichie (1977)
A escritora e ativista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie tem se destacado no sucesso internacional, ampliando o alcance da literatura africana contemporânea. Ela publicou uma obra de poesia e teatro, porém foi a sua prosa que a tornou mundialmente famosa. Em 2003, Hibisco Roxo, seu primeiro romance, foi lançado, abordando a Nigéria do pós-colonialismo.
A autora Chimamanda Ngozi Adichie tem se destacado como uma importante voz a discutir os temas relacionados ao feminismo e direitos das mulheres. Em 2014, ela publicou o ensaio "Sejamos Todos Feministas", no qual ela questiona as origens e o impacto da cultura patriarcal na sociedade.
Se uma mulher tem poder, porque é que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e de mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Fomos tão condicionados a pensar no poder como masculino que uma mulher poderosa é considerada uma aberração.
Em 2009 e 2012, Chimamanda Ngozi Adichie deu as falas marcantes "O perigo das histórias únicas" e "Sejamos todos feministas" para as Ted Talks. Isso se tornou um livro em 2014, que influenciou a cantora Beyoncé para usar algumas frases em sua música Flawless, lançada em 2013.
Ensinamos as meninas a se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: “Você pode ter ambição, mas não muita. Deve almejar o sucesso, mas não muito. Senão você ameaça o homem. Se você é a provedora da família, finja que não é, sobretudo em público. Senão você estará emasculando o homem".