O Cordel Nordestino é uma forma de expressão popular que se destaca por meio da declamação de poemas. Estes poemas rimados são publicados em folhetos, os quais são pendurados e vendidos em feiras livres. Estes folhetos recebem o nome de “cordéis”.
A arte regional costuma abordar temas típicos da região, representar personagens locais, narrar lendas folclóricas e abordar questões de interesse social.
Selecionamos 8 obras representativas do Brasil (principalmente do Nordeste), a maioria de textos curtos e poemas de cordel. Estas obras retratam personagens, situações e questionamentos que remetem ao nosso país.
1. Patativa do Assaré - O Poeta da Roça
Sou fio das mata, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô
Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá
Meu verso rastero, singelo e sem graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade
Canto uma sodade que mora em meu peito
O poema de Patativa do Assaré, nascido no sertão do Ceará em 1909, descreve o homem simples do campo, o trabalhador da roça.
Desde muito jovem, Patativa sempre foi ligado à lavoura, tendo nascido de camponeses. Ao receber a alfabetização após poucos anos de escola, começou a compor poemas de cordel aos 12. Mesmo com o reconhecimento de sua obra, nunca abandonou os trabalhos do campo.
No cordel, Patativa descreve como a vida de muitos brasileiros, homens e mulheres do sertão e trabalhadores rurais, se assemelha à sua.
2. Zé da Luz - Ah, Se Eu Soubesse!
Se um dia nós se gostasse
Se um dia nós se queresse
Se nos dois se empareasse
Se juntin nós dois vivesse
Se juntin nós dois morasse
Se juntin nós dois durmisse
Se juntin nós dois morresse
Se pro céu nos assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
A porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu com eu insistisse pra que eu me aresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Talvez que nos dois ficasse
Talvez que nos dois caísse
E o céu furado arriasse e as virgem todas fugisse
No poema Ai se sesse, Zé da Luz imagina uma vida completa para um casal apaixonado. Os amantes são descritos como companheiros desde o início até o fim, juntos em todas as etapas da vida e mesmo em sua morte.
Imaginando chegar ao céu, o casal teria uma discussão com São Pedro, que teria irritado o homem a ponto de ele sacar uma faca e "furar" o firmamento. Com isso, diversos seres fantásticos que estavam aprisionados lá poderiam ter a chance de sair e viver livremente.
É fascinante ver a narrativa desse poema, tão imaginativo e impactante, combinado com a linguagem local que é vista como "errada" em relação às normas gramaticais. Esses poemas são prova de que o chamado "preconceito linguístico" é injusto.
Em 2001, a banda nordestina Cordel do Fogo Encantado musicou este poema. Abaixo, você pode assistir ao vídeo do cantor Lirinha recitando-o.
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3. Leandro Gomes de Barros e as Misérias da Época
Se eu soubesse que esse mundo
Estava tão corrompido
Eu tinha feito uma greve
Porém não tinha nascido
Minha mãe não me dizia
A queda da monarquia
Eu nasci, fui enganado
Pra viver neste mundo
Magro, trapilho, corcundo,
Além de tudo selado.
Assim mesmo meu avô
Quando eu pegava a chorar,
Ele dizia não chore
O tempo vai melhorar.
Eu de tolo acreditava
Por inocente esperava
Ainda me sentar num trono
Vovó para me distrair
Dizia tempo há de vir
Que dinheiro não tem dono.
Nascido em 1860 na Paraíba, Leandro Gomes de Barros trabalhou em diversas funções até aproximadamente aos 30 anos, momento em que começou a viver da escrita.
Leandro foi um crítico renomado, que buscava expor os abusos de autoridade e debater temas cruciais da época, tais como: política, religião e a famosa Guerra de Canudos e a passagem do cometa Halley.
No poema As misérias da época, o autor manifesta sua insatisfação com a precária situação a que os tratamentos injustos dos poderosos submetem à humanidade. Porém, ainda assim, não deixa de lado a esperança em dias melhores, embora ciente da desilusão que tal expectativa acarreta.
4. A Experiência de Ser Nordestino - Bráulio Bessa
Sou o gibão do vaqueiro, sou cuscuz sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro, sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler, sou rico sem ser granfino
Quanto mais sou nordestino, mais tenho orgulho de ser
Da minha cabeça chata, do meu sotaque arrastado
Do nosso solo rachado, dessa gente maltratada
Quase sempre injustiçada, acostumada a sofrer
Mais mesmo nesse padecer eu sou feliz desde menino
Quanto mais sou nordestino, mais orgulho tenho de ser
Terra de cultura viva, Chico Anísio, Gonzagão de Renato Aragão
Ariano e Patativa. Gente boa, criativa
Isso só me dá prazer e hoje mais uma vez eu quero dizer
Muito obrigado ao destino, quanto mais sou nordestino
Mais tenho orgulho de ser.
Desde o nascimento do poeta cearense Bráulio Bessa, em 1985, seu sucesso tem aumentado cada vez mais. Através da publicação de vídeos na internet, Bráulio tem alcançado milhares de pessoas, fazendo com que a arte da literatura e declamação de cordéis sejam mais difundidas.
O autor deste texto aborda a honra de ser nordestino, bem como as dificuldades e o preconceito que afligem aquele povo. Ele cita como referência a importante figura de Patativa do Assaré, entre outras personalidades nascidas na região Nordeste do Brasil.
5. Severino Milanês da Silva e a Greve dos Bichos
Muito antes do Dilúvio
era o mundo diferente,
os bichos todos falavam
melhor do que muita gente
e passavam boa vida,
trabalhando honestamente.
O diretor dos Correios
era o doutor Jaboty;
o fiscal do litoral
era o matreiro Siry,
que tinha como ajudante
o malandro Quaty.
O rato foi nomeado
para chefe aduaneiro,
fazendo muita "moamba"
ganhando muito dinheiro,
com Camundongo ordenança,
vestido de marinheiro.
O Cachorro era cantor,
gostava de serenata,
andava muito cintado,
de colete e de gravata,
passava a noite na rua
mais o Besouro e a Barata.
Severino Milanês da Silva, nascido em 1906 em Pernambuco, é o autor desse poema. Ele ficou famoso por suas habilidades como repentista, rimador e escritor popular.
A obra de Severino misturava elementos históricos com seres de fantasia, para criar um universo onírico.
No presente poema, o autor imagina uma cena onde os animais se comportam como seres humanos. Esta invenção criativa evidencia uma perspectiva interessante e única.
Todas as espécies animais possuem uma função a desempenhar na sociedade, criando uma narrativa interessante sobre como as pessoas lidam com o universo do trabalho.
6. O Misterioso Pavão - José Camelo de Melo Resende
Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso
Que levantou vôo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.
Residia na Turquia
Um viúvo capitalista
Pai de dois filhos solteiros
O mais velho João Batista
Então o filho mais novo
Se chamava Evangelista.
O velho turco era dono
Duma fábrica de tecidos
Com largas propriedades
Dinheiro e bens possuídos
Deu de herança a seus filhos
Porque eram bem unidos (...)
Considerado um dos maiores cordelistas brasileiros, José Camelo de Melo Resende nasceu em Pernambuco em 1885. Seu maior sucesso no cordel foi o folheto intitulado O romance do pavão misterioso.
Por muito tempo, acreditou-se que a obra era de autoria de João Melquíades, já que ele reivindicou a paternidade da mesma. Contudo, posteriormente foi descoberto que a real autora era José Camelo.
Esta narrativa, apresentando as três primeiras estrofes, trata de uma história de amor entre o jovem Evangelista e a condessa Creusa.
Em 1974, o cantor e compositor Ednardo lançou a música "Pavão Misterioso", inspirada no famoso romance de Cordel.
7. Guia do Povo: Raimundo Santa Helena
(...) Contestação não é crime
Onde há democracia
Só ao cidadão pertence
A sua soberania
No poder coercitivo
Jesus foi subversivo
Na versão da tirania.
Eu sou dono do meu passe
Faço arte sem patrão
Só quem tem capacidade
Deve ser oposição
Porque lutar pelos fracos
É tatear nos buracos
Na densa escuridão.
Raimundo Santa Helena, nascido em 1926 no estado da Paraíba, é um dos representantes da segunda geração de cordelistas nordestinos.
Raimundo tem a sua produção literária focada nos problemas sociais e no denunciar as injustiças pelas quais passam os povos, principalmente os do Nordeste.
Raimundo, através de sua poesia, desperta a consciência das pessoas para a necessidade de uma democracia que seja de fato governada pelo povo, mencionando Jesus Cristo como exemplo de resistência. Ao mesmo tempo, o poeta empodera a sua arte, rejeitando qualquer forma de opressão ou desmando por parte dos seus patrões. Por fim, ele convoca um movimento de união contra o sistema, que permita a realização de suas aspirações de liberdade.
8. A Batalha de Aderaldo Cego contra Zé Pretinho de Firmino Teixeira do Amaral
Apreciem, meus leitores,
Uma forte discussão,
Que tive com Zé Pretinho,
Um cantador do sertão,
O qual, no tanger do verso,
Vencia qualquer questão.
Um dia, determinei
A sair do Quixadá
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará.
Fui até o Piauí,
Ver os cantores de lá.
Me hospedei na Pimenteira
Depois em Alagoinha;
Cantei no Campo Maior,
No Angico e na Baixinha.
De lá eu tive um convite
Para cantar na Varzinha.
[…]”
Nascido no Piauí em 1896, Firmino Teixeira do Amaral é o autor dessa célebre narrativa em versos. Um trecho da obra coloca Cego Aderaldo, também um relevante cordelista do Nordeste, como personagem.
Muitas pessoas duvidam da veracidade da discussão entre Cego Aderaldo e Zé Pretinho mencionada na história. portanto, parece provável que se trate de uma invenção do autor.
Nara Leão e João do Vale musicaram esse texto em 1964, lançando-o no disco Opinião.