Análise de 11 Contos Populares


Escrito por Rebeca Fuks

1. A Festa do Cágado no Céu

Uma vez houve três dias de festa no céu; todos os bichos lá foram; mas nos dois primeiros dias o cágado não pôde ir, por andar muito devagar. Quando os outros vinham de volta, ele ia no meio do caminho. No último dia, mostrando ele grande vontade de ir, a garça se ofereceu para levá-los nas costas. O cágado aceitou, e montou-se; mas a malvada ia sempre perguntando se ele ainda via a terra, e quando o cágado disse que não avistava mais a terra, ela o largou no ar e o pobre veio rolando e dizendo:

“Léu, léu, léu, Se eu desta escapar, Nunca mais bodas ao céu...”

E também: “Arredem-se, pedras, paus, senão vos quebrareis.” As pedras e paus se afastaram, e ele caiu; porém todo arrebentado. Deus teve pena e juntou os pedacinhos e deu-lhe de novo a vida em paga da grande vontade que ele teve de ir ao céu. Por isso é que o cágado tem o casco em forma de remendos.

A história do cágado e da festa no céu, originária da região de Sergipe, tem como personagem principal o próprio cágado. O conto procura explicar uma peculiaridade do mundo real: o formato em gomos do casco do cágado.

Muitos contos populares são transmitidos oralmente de geração para geração, dificultando a identificação do autor da história.

Grandes histórias, como O cágado e a festa no céu, nasceram da tradição oral e foram preservadas pelos contadores de histórias. Com o passar dos anos, muitos desses contos também foram gravados em livros, o que contribuiu para que não se perdessem com o tempo.

Ao ler a história do cágado, o leitor logo se interessa pelo conteúdo, pois ela mistura aspectos de realidade e ficção. É comum o formato remendado do casco do cágado, que representa o mundo real. Já o conto traz uma versão lúdica da origem desse formato, contando a história de uma festa no céu e de uma garça maldosa.

2. A Cotia e o Macaco

O macaco foi dançar na casa da cotia; a cotia, de sabida, mandou o macaco tocar, dando-lhe uma rabeca. A cotia começou a dançar, e, no virar à roda, deu uma embigada na parede e partiu o rabo. Todos os que tinham rabo ficaram vendo isto, com medo de dançar. Então o preá disse: “Ora, vocês estão com medo de dançar! Mandem tocar, e vão ver obra!”

O macaco ficou logo desconfiado, e trepou-se num banco e pôs-se a tocar para o preá dançar. O preá deu umas voltas e foi dar sua embigada no mestre macaco, que não teve outro jeito senão entrar também na dança das cotias e dos outros animais, e todos lhe pisaram no rabo.

Então ele disse: “Não danço mais, porque compadre preá e compadre sapo não devem dançar pisando no rabo dos outros, porque eles não têm rabo pra nele se pisar.” Pulou para cima da janela e de lá tocava sem ser incomodado.

Neste conto indígena, os personagens principais são animais dotados de características humanas: dançam, cantam, sentem medo, mas também têm coragem. Estas características nos permitem estabelecer uma ligação entre o conto e o nosso dia a dia, pois elas são algo que também experimentamos.

A história, no final das contas, nos mostra que os animais com rabo e aqueles sem rabo são diferentes. A preá e o sapo, por não possuírem essa característica, não conseguem dançar com os outros animais que têm rabo. Além disso, sem se identificarem com a cauda dos outros, não têm o mesmo cuidado e respeito com os animais diferentes.

O conto popular nos ensina a prestar atenção no que acontece ao nosso redor e nos ensina a compreender as limitações e as necessidades dos outros, especialmente quando somos muito diferentes.

3. A Tucano e a Raposa

A raposa entendeu que devia andar debicando o tucano. Uma vez o convidou para jantar na casa dela. O tucano foi. A raposa fez mingau para o jantar e espalhou em cima de uma pedra, e o pobre tucano nada pôde comer, e até machucou muito o seu grande bico. O tucano procurou um meio de vingar-se.

Daí a tempos foi à casa da raposa e lhe disse: “Comadre, você outro dia me obsequiou tanto, dando-me aquele jantar; agora é chegada a minha vez de lhe pagar na mesma moeda: venho convidá-la para ir jantar comigo. Vamo-nos embora, que o petisco está bom.” A raposa aceitou o convite e foram-se ambos.

Ora, o tucano preparou também mingau e botou dentro de um jarro de pescoço estreito. O tucano metia o bico e quando tirava vinha-se regalando. A raposa nada comeu, lambendo apenas algum pingo que caía fora do jarro. Acabado o jantar disse: “Isto, comadre, é para você não querer-se fazer mais sabida do que os outros”.

Esse conto popular da região de Sergipe usa a raposa e o tucano como personagens para nos ensinar que precisamos prestar atenção aos outros. Apesar de muito diferentes, esses animais nos ajudam a entender como é importante olhar para aqueles que estão ao nosso redor.

A raposa preparou um jantar para si mesma, colocando-o sobre uma pedra. Como mamífero, ela facilmente conseguiu usar sua língua para provar a refeição. No entanto, o tucano, com seu bico grande, não teve essa sorte e não conseguiu provar o jantar.

Planejando se vingar - pois, nos contos populares, os animais apresentam características humanas - o tucano convida a raposa para jantar na sua casa.

O tucano, querendo ensinar uma lição à raposa, colocou a refeição num jarro comprido que só poderia ser alcançado com o bico. Desta maneira, a raposa sentiu na própria pele aquilo que a seu convidado já havia experimentado e acabou não comendo nada.

O conto nos ensina que é importante sermos solidários com aqueles que são diferentes de nós e compreender o que eles passam. Não desenvolvamos a esperteza a ponto de nos distanciarmos dos outros, mas nos coloquemos no lugar do outro para entender o que ele sofre.

4. A Onça e o Gato Selvagem

A onça pediu ao gato para lhe ensinar a pular, e o gato prontamente lhe ensinou. Depois, indo juntos para a fonte beber água, fizeram uma aposta para ver quem pulava mais.

Chegando à fonte encontraram lá o calango, e então disse a onça para o gato: “Compadre, vamos ver quem de um só pulo pula o camarada calango.”

— “Vamos”, disse o gato. “Só você pulando adiante”, disse a onça. O gato pulou em cima do calango, a onça pulou em cima do gato. Então o gato pulou de banda e se escapou.

A onça ficou desapontada e disse: “Assim, compadre gato, é que você me ensinou?! Principiou e não acabou...” O gato respondeu: “Nem tudo os mestres ensinam aos seus aprendizes”.

No conto popular africano "A Onça e o Gato", é abordado o processo de educação e o quanto os professores podem ser generosos ou não com os seus alunos.

Esta história se centra em três personagens animais: a onça, o gato e o calango. Ela aborda uma questão comum a todos nós: o desafio de ensinar e de aprender. Esta é uma experiência que enfrentamos em diferentes momentos da vida.

A onça acreditou que o gato tinha lhe ensinado tudo o que sabia. No entanto, ela percebeu que o gato não havia lhe transmitido todas as suas habilidades e conhecimentos. Apesar de o mestre ter ensinado muita coisa, havia ainda mais que poderia ser passado à sua discípula.

Os professores não fornecem conhecimento de forma total e absoluta, algo que essa história se propõe a lembrar. É preciso que os alunos busquem por sua conta, pois os professores só podem guiar o caminho.

5. O Tesouro de Ouro e os Marimbondos

Havia dois homens, um rico e outro pobre, que gostavam de pregar peças um ao outro. Foi o compadre pobre à casa do rico pedir um pedaço de terra para fazer uma roça. O rico, para fazer peça ao outro, lhe deu a pior terra que tinha. Logo que o pobre teve o sim, foi para a casa dizer à mulher, e foram ambos ver o terreno.

Chegando lá nas matas, o marido viu uma cumbuca de ouro, e, como era em terras do compadre rico, o pobre não a quis levar para a casa, e foi dizer ao outro que em suas matas havia aquela riqueza. O rico ficou logo todo agitado, e não quis que o compadre trabalhasse mais nas suas terras. Quando o pobre se retirou, o outro largou-se com a sua mulher para as matas a ver a grande riqueza.

Chegando lá, o que achou foi uma grande casa de marimbondos; meteu-a numa mochila e tomou o caminho do mocambo do pobre, e logo que o avistou foi gritando: “Ó compadre, fecha as portas, e deixa somente uma banda da janela aberta!”

O compadre assim fez, e o rico, chegando perto da janela, atirou a casa de marimbondos dentro da casa do amigo, e gritou: “Fecha a janela, compadre!” Mas os marimbondos bateram no chão, transformaram-se em moedas de ouro, e o pobre chamou a mulher e os filhos para as ajuntar.

O ricaço gritava então: “Ó compadre, abra a porta!” Ao que o outro respondia: “Deixe-me, que os marimbondos estão-me matando!” E assim ficou o pobre rico, e o rico ridículo.

Neste conto popular de Pernambuco, A cumbuca de ouro e os marimbondos, dois homens são os protagonistas principais, contam-se as aventuras vividas entre eles, sem a presença de animais dotados de características humanas.

Não conhecemos nenhuma informação sobre eles, exceto que um era próspero e o outro era humilde.

A maior surpresa dessa história foi o seu desfecho inesperado: o rico achou que puniria o pobre jogando dentro da casa dele uma casa de marimbondos, mas o que aconteceu foi um milagre, pois cada marimbondo se transformou em moedas de ouro, enriquecendo aquele que antes não tinha nada.

Os contos populares, como "A cumbuca de ouro e os marimbondos", costumam apresentar elementos fantasiosos, como marimbondos que viram moedas de ouro. Embora essas narrativas contem com elementos reais - como a rixa entre ricos e pobres -, muitas outras situações são inteiramente imaginárias.

6. A Onça e o Jabuti

Uma vez a onça ouviu o jabuti tocar a sua gaita debicando outra onça e veio ter com o jabuti e perguntou-lhe:

— Como tocas tão bem a tua gaita?

O jabuti respondeu: “Eu toco assim a minha gaita: o osso do veado é a minha gaita, ih! Ih!”

A onça tornou: “A modo que não foi assim que eu te ouvi tocar!”

O jabuti respondeu: “Arreda-te mais para lá um pouco, de longe te há de parecer mais bonito.”

O jabuti procurou um buraco, pôs-se na soleira da porta, e tocou na gaita: “o osso da onça é a minha gaita, ih! Ih!”

Quando a onça ouviu, correu para o pegar. O jabuti meteu-se pelo buraco a dentro.

A onça meteu a mãos pelo buraco, e apenas lhe agarrou a perna.

O jabuti deu uma risada, e disse: “Pensavas que agarravas a minha perna e agarraste a riz de pau!”

A onça disse-lhe: “Deixa-te estar!”

Largou então a perna do jabuti.

O jabuti riu-se uma segunda vez, e disse:

— De fato era a minha própria perna.

A grande tola da onça esperou ali, tanto esperou, até que morreu.

Neste conto de origem indígena chamado O jabuti e a onça, a esperteza do jabuti revelou-se mais forte do que a força bruta da onça. Graças à sua sabedoria, o jabuti conseguiu vencer o grande animal.

Apesar de ter mais força física, a onça foi derrotada pela astúcia e engenhosidade do jabuti.

O animal mais fraco notou imediatamente que estava em desvantagem, assim, elaborou um plano para evitar o perigo. Ele sugeriu que a onça se movesse mais longe para ouvir melhor e, em seguida, procurou um lugar para se esconder rapidamente.

Embora tenha sido capturado, o jabuti foi capaz de pensar rapidamente e encontrar uma solução para a onça: apesar dela ter agarrado sua perna, ele sugeriu que ela, na verdade, tinha alcançado o pau. Após esta solução rápida, o jabuti conseguiu escapar.

A história do jabuti nos mostra que, mesmo quando não se tem muito poder, é possível ultrapassar as dificuldades usando a inteligência.

7. A Fábula do Sapo e do Veado

ele tomou um atalho e chegou primeiro. Nos contos populares da região de Sergipe havia a história de um sapo e um veado que desejavam se casar com a mesma moça. Para resolver o dilema, eles se aventuraram em uma aposta: cada um seguiria por um caminho e o que chegasse primeiro, venceria. No entanto, o veado não levou em conta a astúcia do sapo, pois este tomou um atalho, tornando-se o vencedor da disputa.

Ficou tudo combinado e cada qual seguiu por sua estrada. O veado estava muito alegre julgando ser ele quem ganhava a aposta, mas o sapo de sabido reuniu todos os sapos, um atrás do outros, em toda a extensão do caminho e ordenou que aquele que ouvisse o veado cantar e estivesse mais perto dele respondesse; e foi se colocar lá no fim da estrada.

No meio da floresta, o veado cantou uma canção. Logo, um sapo respondeu com um ribombar profundo. No final do caminho, o sapo já se encontrava, esperando a chegada da moça. Após a conclusão da corrida, ele foi recompensado com a mão da moça para levar para casa.

foi o único a não comparecer. O veado não compareceu ao casamento, em sinal de desafio e vingança. Prometera a si mesmo que não estaria presente e, finalmente, conseguiu o que queria.

E quando foi na noite do casamento encheu um poço que tinha no quintal do sapo de água fervendo. Quando foi de madrugada que o sapo viu que moça estava dormindo, saiu da cama devagarinho e correu para dentro do poço. Quando foi caindo dentro não disse mais nem ai Jesus!... e morreu logo. O veado ficou muito alegre e casou-se com a mesma moça.

No conto popular O sapo e o veado, retirado da região de Sergipe, presenciamos um duelo entre dois animais extremamente espertos. O sapo foi o primeiro a mostrar sua perspicácia, criando um plano que o ajudasse a vencer o seu adversário. Ao reunir seus amigos sapos, ele armou uma estratégia para enganar o veado.

No começo da narrativa, o sapo demonstra uma postura vitoriosa. No entanto, seu instinto animal o leva a voltar ao poço e, nessa situação, ele é derrotado pelo veado. Este, compreendendo a natureza do sapo, aproveita para se vingar, esperando a oportunidade certa.

8. A Pedra do Caldo

“Se me der caldo de pedra eu lhe dou o meu coração”. Ao bater à porta de um lavrador em busca de esmolas, o frade, protagonista do conto popular português O caldo de pedra, foi confrontado com um veemente recusar. No entanto, devido ao seu enorme desejo de comer, ele exclamou: "Se me der caldo de pedra eu lhe dou o meu coração".

Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo.

Ao provar o caldo, o frade disse: "Que bom caldo de pedra!". Quando o frade disse que era possível comer caldo de pedra, as pessoas começaram a rir e a se perguntar como isso seria possível. Porém, ele assegurou que era uma delícia e que eles iriam gostar. Então, curiosos, os moradores da casa disseram que queriam ver como era feito. O frade lavou a pedra e pediu uma panela de barro, brasas e banha de porco. Após receber todos os ingredientes, ele colocou a pedra na panela, encheu-a com água e esquentou-a com as brasas. Depois, temperou com banha de porco e pediu um pouco de sal, couve e linguiça. A dona da casa lhe entregou tudo o que foi pedido e, no final, o caldo saiu como uma deliciosa sopa. Ao provar, o frade exclamou: "Que bom caldo de pedra!".

Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:

– Ó senhor frade, então a pedra?

Respondeu o frade:

– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez. E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

Assim, o frade do conto português recorreu à sua esperteza para contornar o “não” que havia lhe sido dado. Embora inicialmente tenha sido recusado, o frade do conto português não desistiu de conseguir o que queria. Ele usou a sua inteligência e instinto de sobrevivência para encontrar uma solução alternativa para a satisfação das suas necessidades. O conto sugere que somos capazes de conseguir nossos objetivos, mesmo quando encontramos um obstáculo em nossa frente, e devemos procurar novas maneiras de alcançá-los.

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9. A Dengosa Mulher

Era uma vez um homem casado com uma mulher muito dengosa, que fingia não querer comer nada diante do marido. O marido foi reparando naquelas afetações da mulher, e quando foi num dia ele lhe disse que ia fazer uma viagem de muitos dias. Saiu, e em vez de partir para longe, escondeu-se por detrás da cozinha, numa pilastra.

A mulher, quando se viu sozinha, disse para a empregada: “Faz aí uma tapioca bem grossa, que eu quero almoçar.” A empregada fez e a mulher bateu tudo, que nem deixou farelo.

Mais tarde ela disse à empregada: “Me mata aí um capão e me ensopa bem ensopado para eu jantar.” A empregada preparou o capão, e a mulher devorou todo ele e nem deixou farelo.

Mais tarde a mulher mandou fazer uns beijus muito fininhos para merendar. A empregada os aprontou e ela os comeu. Depois, já de noite, ela disse à empregada: “Prepara-me aí umas macaxeiras bem enxutas para eu cear.” A empregada preparou as macaxeiras e a mulher ceou com café.

Nisto caiu um pé d’água muito forte. A empregada estava tirando os pratos da mesa, quando o dono da casa foi entrando pela porta a dentro. A mulher foi vendo o marido e dizendo:

Oh, marido! Com esta chuva tão grossa você veio tão enxuto!?” Ao que ele respondeu: “Se a chuva fosse tão grossa como a tapioca que vós almoçastes, eu viria tão ensopado como o capão que vós jantastes; mas como ela foi fina como os beijus que vós merendastes, eu vim tão enxuto como a macaxeira que vós ceastes.” A mulher teve uma grande vergonha e deixou-se de dengos.

A região de Pernambuco conta a história do conto popular A mulher dengosa. Esta narra a interação entre um casal, onde a esposa sentia necessidade de dissimular sua verdadeira personalidade dos olhos do marido. Ela se viu obrigada a se apresentar como alguém que não era.

Ela fazia de tudo para não mostrar sua verdadeira face, fingindo não comer, mas seu marido, suspeitando de seu comportamento, decidiu armar uma cilada para descobrir o que ela fazia quando estava sozinha.

Ao revelar o último parágrafo do popular conto, a esposa chega à conclusão de que não há razão para fingirmos ser algo que não somos na presença de quem mais amamos. Desta forma, o leitor acaba por aprender a lição de que é desnecessário mudar o comportamento em relação ao seu ente querido para obter a sua aprovação.

10. A Pesca do Pescador

Havia um homem que era pescador e tinha uma filha. Um dia, ele foi pescar e achou uma joia no mar, muito bonita. Ele voltou para casa muito alegre e disse à filha: “Minha filha, eu vou dar esta joia de presente ao rei.” A filha disse que ele não desse, e antes guardasse, mas o velho não a ouviu e levou a joia ao rei.

Este recebeu a joia e disse ao velho que (sob pena de morte) queria que ele lhe levasse sua filha ao palácio: nem de noite, nem de dia, nem a pé, nem a cavalo, nem nua, nem vestida. O velho pescador voltou para casa muito triste, o que vendo a filha, perguntou-lhe o que tinha.

Então, o pai respondeu que estava triste porque o rei tinha-lhe ordenado que ele a levasse, nem de dia, nem de noite, nem a pé, nem a cavalo e nem nua, nem vestida. A moça disse ao pai que descansasse, que ficava tudo por conta dela, e pediu que lhe desse uma porção de algodão e saiu montada no carneirinho.

Quando chegaram no palácio, o rei ficou muito contente e satisfeito, porque o velho tinha cumprido o que havia ordenado sob pena de morte. A moça ficou no palácio e o rei disse-lhe que ela podia escolher e levar para casa a coisa de que mais lhe agradasse dali.

Na ocasião do jantar, a moça deitou um bocado de dormideira no copo de vinho do rei e chamou os criados e mandou preparar uma carruagem. Quando o rei tomou o vinho, deu-lhe logo muito sono e foi dormir. A carruagem já estava preparada e a moça mandou os criados botarem o rei dentro e largou-se para casa.

Quando o rei acordou da dormideira, achou-se na casa do velho pescador, deitado em uma cama e com a cabeça no colo da moça. O rei ficou muito espantado e perguntou o que queria dizer aquilo. Ela então respondeu que ele tinha dito que podia trazer do palácio aquilo que mais lhe agradasse e do que mais ela se agradou foi dele. O rei ficou muito contente de ver a sabedoria da rapariga e casou-se com ela, havendo muita festa no reino.

Segundo o conto do pescador, retirado da cultura popular da região de Pernambuco, a sabedoria feminina foi capaz de superar as figuras masculinas poderosas do pai e do rei. A moça, então, conseguiu obter a vitória sobre ambos.

Na primeira vez que aparece na história, a filha do pescador mostrou sua astúcia ao sugerir que seu pai escondesse a joia que encontrou. Porém, o pai, ingênuo, rejeitou a ideia e entregou a peça ao rei.

Ao invés de agradecer o pobre pescador pelo seu sacrifício, o rei pede-lhe para oferecer a sua própria filha. O leitor não espera que a jovem, em vez de se conformar com a situação, arquitete um plano para se livrar daquela situação para voltar a ter o seu direito.

Quando lhe é oferecida a oportunidade de levar algo do palácio, muitos de nós pensam que ela escolheria uma joia descoberta pelo pai ou outro objeto de valor. No entanto, o conto abre caminhos para múltiplas interpretações. Por um lado, a moça pode ter pensado no seu futuro como rainha e optado por levar o rei em vez dos itens materiais. Por outro lado, a história pode sugerir que ela entendeu que o que de fato tem valor não são as posses, mas aquilo que carregamos no nosso interior, e por isso teria escolhido levar o rei.

11. Nunca Mais

A dama nobre e formosa da narrativa portuguesa Sempre era casada com um cavaleiro que estava prestes a partir para uma longa jornada. Antes de ir embora, ele recomendou à esposa que respondesse "não" a qualquer pedido que lhe fosse feito durante os dias de sua ausência.

Certa vez, um aventureiro passou por ali e, ao avistar a dama sozinha, imediatamente se apaixonou. Curioso, ele perguntou se poderia ficar aquela noite na casa. No entanto, a mulher, conforme acordado, negou-lhe a permissão.

O rapaz, tentando decifrar o que estava acontecendo, indagou então se a dama desejava que ele atravessasse a serra e ficasse à mercê dos lobos. A mulher, obedecendo ao seu esposo, respondeu apenas com um "não". O aventureiro, intrigado com a resposta monossilábica, passou a formular diversas outras questões, como "você deseja que eu corra o risco de ser vítima dos salteadores na floresta?". A resposta a todas estas indagações era sempre a mesma: "não".

O esperto aventureiro percebeu que aquela resposta era um padrão e passou a fazer outras perguntas, como: "Vocês me recusam o direito de pernoitar aqui?", "Vocês permitem que eu me mantenha longe de vocês?", "Vocês permitem que eu saia deste quarto?".

“Bem aqui, senhor, bem aqui”. O aventureiro contou a história para os fidalgos, incluindo o homem que havia pedido a esposa que dissesse "não". Compreendendo que aquela narrativa se encaixava muito bem, o marido perguntou: "Mas onde foi isso cavaleiro?". Sabendo que tinha encorajado a esposa a tentar, o aventureiro concluiu a sua história com as seguintes palavras: "Bem aqui, senhor, bem aqui".

Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.

O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

O conto popular português é conhecido pela sua criatividade e pelo modo como o protagonista enfrenta os desafios da vida, conseguindo superá-los e obter os resultados desejados. Esta narrativa é marcada por sua perspicácia e humor.

A esposa, ingênua, não é instruída para pensar e agir de acordo com cada situação. Seu marido, contudo, simplesmente lhe ordena a dar uma única resposta - “não” - independente do contexto. Dessa forma, ela não é incentivada a se defender, deixando-se assim à mercê de qualquer aventureiro que cruzar seu caminho. Com isso, corre o risco de ser enganada.

Entendendo o que é um Conto Popular

Histórias curtas tradicionais são passadas oralmente de geração em geração e são conhecidas como contos populares.

Muitos contos populares não contam com grandes números de personagens, mas sim com poucos. Na sua maioria, eles apresentam seres humanos e criaturas do reino animal como protagonistas. A linguagem usada para transmitir essas narrativas é simples, e muitas delas possuem elementos de fantasia.

Como citar as fontes bibliográficas

Teófilo Braga apresenta em "Contos Tradicionais do Povo Português", publicado pela Dom Quixote em 1999, uma seleção de histórias populares portuguesas.

ROMERO, Sílvio. Contos Populares do Brasil. São Paulo: Landy, 2008. Esta obra traz ao leitor uma coleção de contos populares brasileiros, reunidos por Sílvio Romero. A obra reúne diversos contos da tradição oral brasileira, permitindo ao leitor conhecer melhor a cultura e as histórias da nossa terra.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).