5 Livros Curtos para Ler Agora Mesmo


Escrito por Rebeca Fuks

Se você está com pouco tempo para ler, mas gosta de histórias emocionantes, temos o que você precisa! Aqui selecionamos alguns contos incríveis que podem ser lidos em poucos minutos. Venha descobrir a magia dessas contos curtos!

1. A Obra do Discípulo, de Oscar Wilde

Quando Narciso morreu o lago de seu prazer mudou de uma taça de águas doces para uma taça de lágrimas salgadas, e as oréades vieram chorando pela mata com a esperança de cantar e dar conforto ao lago.

E quando elas viram que o lago havia mudado de uma taça de águas doces para uma taça de lágrimas salgadas, elas soltaram as verdes tranças de seus cabelos e clamaram: "Nós entendemos você chorar assim por Narciso, tão belo ele era."

"E Narciso era belo?", disse o lago.

"Quem pode sabê-lo melhor que você?", responderam as oréades. "Por nós ele mal passava, mas você ele procurava, e deitava em suas margens e olhava para você, e no espelho de suas águas ele refletia sua própria beleza."

E o lago respondeu, "Mas eu amava Narciso porque, quando ele deitava em minhas margens e olhava para mim, no espelho de seus olhos eu via minha própria beleza refletida”.

Oscar Wilde (1854 — 1900), um importante escritor irlandês, é famoso por suas peças de teatro e pelo romance O Retrato de Dorian Gray. Além disso, o autor também produziu diversos contos.

O lago, ao olhar Narciso, se apaixonou perdidamente. Admirou-se tanto ao se ver refletido nos olhos dele, que desejou nunca mais perder aquele amor. Mas, ao arriscar-se a tentar abraçá-lo, perdeu-o para sempre, pois Narciso se afogou em suas águas.

O conto traz uma reflexão sobre o amor: a necessidade de nos encontrarmos a nós mesmos, mesmo quando estivermos envolvidos com outras pessoas.

2. Noite de Kafka, de Franz

Submergir-se em a noite! Assim como às vezes se enterra a cabeça no peito para refletir, fundir-se assim por completo em a noite. Em redor dormem os homens. Um pequeno espetáculo, um auto-engado inocente, é o dormir em casas, em camas sólidas, sob teto seguro, estendidos ou encolhidos, sobre colchões, entre lençóis, sob cobertas; na realidade, encontram-se reunidos como outrora uma vez e como depois em uma comarca deserta: um acampamento à intempérie, uma incontável quantidade de pessoas, um exército, um povo sob um céu frio, sobre uma terra fria, atirados ao solo ali onde antes se esteve de pé, com a fronte apertada contra o braço, e a cara contra o solo, respirando tranquilamente. E tu velas, és um dos vigias, encontras ao próximo agitando o madeiro aceso que tomaste do montão de estilhas, junto a ti. Por que velas? Alguém tem que velar, se disse. Alguém precisa estar aí.

Nascido no Império Austro-Húngaro em 1883, Franz Kafka é considerado um dos principais autores da língua alemã. Sua obra de romances e contos está eternizada na memória literária.

Nesta breve história, notamos um tom quase poético. O narrador reflete sobre a noite e seu estado de vigília, imaginando a solidão de um indivíduo que permanece acordado enquanto todos ao seu redor dormem.

Muitos acreditam que o conto de Kafka é de origem autobiográfica, pois ele próprio sofria de insônias e aproveitava as madrugadas para produzir sua obra literária.

3. Drummond e a Beleza Total

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.

A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa.

O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito.

Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando, imortal. O corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), renomado escritor brasileiro da segunda geração modernista, é especialmente celebrado por sua poesia. Contudo, também deixou obras memoráveis de contos e crônicas.

A trágica morte de Gertrudes, que morreu "bonita demais" segundo o enredo inesperado, foi usada pelo autor com uma maestria especial para ironizar e criticar o mundo em que vivemos. A história se tornou uma oportunidade para refletir sobre temas socioculturais.

Em um mundo onde a superficialidade impera, a beleza feminina é frequentemente reconhecida como qualidade desejável. Entretanto, esse reconhecimento também pode ser usado para controlar, monitorar e punir as mulheres por causa disso.

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4. Virginia Woolf: Segunda ou Terça-feira

Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito – o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre.

Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando – (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se ferro!” – e a verdade?

Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele.

Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade?

Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou agora, consciente da realidade?

Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.

Uma das principais precursoras do modernismo, Virginia Woolf (1882 — 1941) foi uma escritora vanguardista inglesa que deixou seu legado no mundo da literatura. Ela ficou conhecida internacionalmente por seus romances, novelas e contos.

Num dia comum, que poderia ser segunda-feira, terça-feira ou qualquer outro do calendário, um narrador viu a variedade de elementos que compunham o cenário urbano. Havia multidões, carros, prédios e, misturado tudo isso, um elemento natural: uma garça voando.

Observamos o que está acontecendo no mundo ao nosso redor e ao mesmo tempo, desvendamos os sentimentos e as intenções deste indivíduo que observa tudo. É como se houvesse uma relação entre o mundo externo e seu mundo interno, íntimo e oculto, que desconhecemos.

5. A Perplexidade de Maria Judite de Carvalho

A criança estava perplexa. Tinha os olhos maiores e mais brilhantes do que nos outros dias, e um risquinho novo, vertical, entre as sobrancelhas breves. «Não percebo», disse.

Em frente da televisão, os pais. Olhar para o pequeno écran era a maneira de olharem um para o outro. Mas nessa noite, nem isso. Ela fazia tricô, ele tinha o jornal aberto. Mas tricô e jornal eram alibís. Nessa noite recusavam mesmo o écran onde os seus olhares se confundiam. A menina, porém, ainda não tinha idade para fingimentos tão adultos e subtis, e, sentada no chão, olhava de frente, com toda a sua alma. E então o olhar grande a rugazinha e aquilo de não perceber. «Não percebo», repetiu.

«O que é que não percebes?» disse a mãe por dizer, no fim da carreira, aproveitando a deixa para rasgar o silêncio ruidoso em que alguém espancava alguém com requintes de malvadez.

«Isto, por exemplo.»

«Isto o quê»

«Sei lá. A vida», disse a criança com seriedade.

O pai dobrou o jornal, quis saber qual era o problema que preocupava tanto a filha de oito anos, tão subitamente. Como de costume preparava-se para lhe explicar todos os problemas, os de aritmética e os outros.

«Tudo o que nos dizem para não fazermos é mentira.»

«Não percebo.»

«Ora, tanta coisa. Tudo. Tenho pensado muito e… Dizem-nos para não matar, para não bater. Até não beber álcool, porque faz mal. E depois a televisão… Nos filmes, nos anúncios… Como é a vida, afinal?»

A mão largou o tricô e engoliu em seco. O pai respirou fundo como quem se prepara para uma corrida difícil.

«Ora vejamos,» disse ele olhando para o teto em busca de inspiração. «A vida...»

Mas não era tão fácil como isso falar do desrespeito, do desamor, do absurdo que ele aceitara como normal e que a filha, aos oito anos, recusava.

«A vida...», repetiu.

As agulhas do tricô tinham recomeçado a esvoaçar como pássaros de asas cortadas.

A autora portuguesa Maria Judite de Carvalho (1921 – 1998) é conhecida especialmente pelas obras de contos que escreveu. O texto que estudamos destaca-se por retratar um cenário doméstico, com uma família reunida na sala.

A inocência e curiosidade da criança são contrastadas pela aceitação silenciosa dos pais. Enquanto ela fica cada vez mais confusa ao assistir televisão e perceber que a realidade é muito diferente do que lhe foi ensinado, os pais evitam abordar tais questões.

Eles têm a consciência de que a vida e o mundo são complexos e desconcertantes, com muitas hipocrisias e contradições que preferem não levar em consideração.

Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).