A História de "O Espelho" de Machado de Assis


Escrito por Rebeca Fuks

No dia 8 de setembro de 1882, o conto "O espelho", de Machado de Assis, maior ficcionista brasileiro, foi publicado no jornal Gazeta de Notícias, acompanhado por um subtítulo ambicioso: Esboço de uma nova teoria da alma humana. Esta narrativa breve tinha a proposta de abordar a alma humana de forma profunda.

O conto foi tão bem-sucedido que, no mesmo ano, foi reunido na antologia Papéis Avulsos, superando a longevidade dos jornais diários.

Principais Ideias do Resumo

Jacobina reuniu-se com quatro amigos numa casa no bairro de Santa Teresa, numa noite. Os senhores, todos com aproximadamente quarenta a cinquenta anos, trocaram ideias acerca de questões filosóficas de forma entusiasmadas. Jacobina observava a discussão, comentando de vez em quando.

Quando a noite chegou ao meio, o protagonista solicitou a chance de falar, para contar sobre um caso que havia acontecido com ele. Ele usou a sua experiência para destacar e defender a ideia de que o ser humano possui duas almas.

Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica.

Ao receber a notícia de que seu sobrinho, Jacobina, havia conseguido virar alferes da Guarda Nacional aos 25 anos, Tia Marcolina ficou radiante de orgulho. Para celebrar a conquista, ela o convidou para visitar o seu sítio. A família inteira se encheu de alegria ao ver Jacobina crescendo na vida.

Ao chegar, a tia retirou o item mais precioso de sua moradia modesta - um majestoso espelho, que estava na sala - e o colocou no quarto que serviria de abrigo ao alferes. Esse espelho foi trazido ao Brasil em 1808, junto com a corte de D. João VI, e ainda possuía resquícios de ouro e madrepérola.

Após mais de um mês recebendo homenagens por parte da tia e dos escravos, Jacobina foi abalada pelo destino com a notícia de que uma das filhas de Marcolina havia ficado muito doente. Comprometida com a saúde da menina, ela se preparou rapidamente e partiu para prestar o seu apoio.

Naquele momento, Jacobina se vê completamente sozinho no sítio. Seus escravos haviam-no abandonado na manhã seguinte, levando até os cães. O alferes, perturbado com a solidão profunda, evita se olhar no espelho. O que ele encontra ali é "uma figura vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra".

Apesar da solidão que lhe invadiu durante os seus seis dias, Jacobina encontrou dentro de si a sua alma exterior, que havia perdido. Encontrou na farda de alferes da Guarda Nacional a solução para sua situação: conseguiu se sentir íntegro ao vesti-la. Foi assim que foi possível sobreviver às seis dias de isolamento.

Ao final da narrativa, Jacobina se levantou, deixando os quatro amigos em um clima de mistério na residência de Santa Teresa. O silêncio pairava no ar enquanto ela saía.

Principais Personagens

a primeira, pela força com que tenta separar-se da tutela da outra; a segunda, pela força da presença e do passado. Apesar de outros personagens estarem presentes na trama, eles acabam sendo apenas seus interlocutores. Jacobina e sua tia são as únicas figuras que têm destaque e complexidade: a primeira luta para se emancipar da tutela da segunda, enquanto esta última se destaca por sua presença e seu passado.

Explorando Jacobina

O protagonista tem 45 anos e é de origem humilde, porém é extremamente inteligente, instruído, esperto e cáustico. Aos 25 anos, ele alcançou a grande conquista de se tornar alferes da Guarda Nacional.

A Tia Marcolina

Tia Marcolina, dona de um sítio humilde, demonstrava grande orgulho por Jacobino, que havia conquistado o cobiçado cargo de alferes. Quando soube da visita do sobrinho, a tia retirou o item mais precioso de sua casa, um espelho antigo, e o colocou no quarto que serviria de abrigo ao jovem. Ao longo de todo o mês em que o rapaz passou na residência, tia Marcolina o cercou de elogios.

Explorando os elementos do conto de Machado de Assis

É comum encontrar em contos de Machado de Assis, narrativas breves que desenham um retrato incisivo da sociedade. Estas devem ser observadas com atenção, pois revelam metáforas brilhantes e eternas.

Narração, Tempo e Espaço no Conto

A trama acontece em uma casa localizada no morro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Por lá, cinco amigos se reuniram em uma conversa filosófica que durou a noite toda. Esta foi a duração e o local exato da ação do conto.

Jacobina, um dos participantes, compartilha um episódio de sua vida que aconteceu há vinte anos. O cenário desse fato é o sítio da tia Marcolina, um lugar rural e remoto.

O protagonista narra sua história em primeira pessoa, em um longo monólogo. Contudo, há um narrador onisciente que descreve tudo ocorrendo na reunião entre seus amigos.

Análise das Consequências da Teoria das Duas Almas

Ao refletir sobre a identidade humana, vemos como ela se forma pelo contato com outras pessoas. A narrativa filosófica mostra a extensão em que fatores externos influenciam a nossa natureza.

De acordo com a tese de Jacobina, há uma dissociação entre nossa alma interna e externa. Enquanto a alma interna corresponde àquilo que somos verdadeiramente, a externa é aquilo que os outros pensam de nós. Vivemos em meio a uma luta entre essas duas almas, pois constantemente nos esforçamos para manter um equilíbrio entre quem somos e como nos comportamos socialmente.

Ele afirma que a maneira com que os outros nos veem pode ter um grande impacto na nossa natureza e podem até mudá-la definitivamente. Para exemplificar isso, conta a história de um momento que marcou sua vida e moldou seu caráter: a época em que ele foi promovido a alferes, obtendo poder e reconhecimento.

Jacobina, ainda jovem, alcançou o título e encheu toda a família de orgulho, principalmente a tia com quem passou uma temporada. Após isso, foi visto apenas pela farda que vestia, a qual foi tomando conta de sua verdadeira identidade: “O alferes eliminou o homem”.

Através das suas memórias, ele percebeu que estava passando por um processo de transformação gradual. A imagem que outras pessoas tinham dele, como uma figura respeitável com autoridade, começou a se sobrepor à sua alma interior e à sua verdadeira natureza. Com isso, sua visão de si próprio começou a ser influenciada pela visão que outras pessoas tinham dele.

Quando todos ao seu redor desaparecem, Jacobina entra em crise. Ela não consegue se ver no espelho, não sabe quem é. Esta sensação de desconhecimento acerca de si mesma é desconcertante.

A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer.

Análise Crítica da Sociedade Contemporânea através da Sátira

A obra de Machado de Assis carrega consigo uma mistura peculiar de profundidade filosófica e ironia. Seguindo os princípios do realismo, o conto lida com a representação da realidade social, deixando claro que o mundo é regido pelos poderes existentes.

Sentimentos de tristeza e decepção são notáveis quando as pessoas privilegiam o que está na superfície em detrimento de tudo o resto. Jacobina é considerada uma pessoa capitalista, pois a narrativa retrata o seu apego aos bens materiais, que de alguma forma nos define ou nos identifica perante os outros.

O objeto que dá nome à história, o espelho, tem várias significâncias. Jacobina, o protagonista, foi presenteado com ele pelo seu emprego "respeitável". Graças ao espelho, Jacobina passou a se enxergar de uma maneira diferente, como se fosse um ídolo ou encantado consigo mesmo, como o Narciso da mitologia.

Ao deixar de usar sua farda, ele perdeu a noção de quem é realmente. Para agradar e ser validado pelos outros, passou a viver de acordo com o que eles esperavam dele. Porém, ao vestir novamente sua farda, ele se sentiu confortável e adquiriu a consciência de quem realmente é.

Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro.

Jacobina ainda sente essa necessidade de aprovação e, por isso, se mantém como ouvinte das discussões, sem nunca compartilhar o que pensa. Essa necessidade de aprovação se acompanha dela ao longo da vida.

Quando resolve partilhar a sua compreensão sobre o mundo e a alma humana, ele tão depressa acaba a narração, quanto se vai embora, não permitindo que os seus amigos o contradigam ou façam-lhe perguntas.

Antologia Papéis Avulsos: Uma Publicação

1882 marca o lançamento de Papéis Avulsos, o terceiro livro a integrar a fase realista de Machado de Assis.

Na coletânea de textos, o décimo trabalho a ser publicado foi “O espelho”. Os demais conteúdos previamente lançados eram: “O alienista”, “Teoria do medalhão”, “A chinela turca”, “Na arca”, “D. Benedicta”, “O segredo do Bonzo, o anel de Polycrates”, “O empréstimo” e “A sereníssima república”.

Após a análise do conto, foram lidos "Uma visita de Alcibiades" e "Verba Testamentária".

"Eu não posso viver sem meus livros." Machado de Assis expressou: "Eu não consigo me sustentar sem meus livros."

Este título de Papéis avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa.

Primeira edição do livro Papéis avulsos.

Leia o Conto por Inteiro

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O audiobook também está disponível para o espelho.

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Rebeca Fuks
Escrito por Rebeca Fuks

É graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), possui mestrado em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutorado em Estudos de Cultura pelas Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).