A Vida e Obra de Carolina Maria de Jesus


Escrito por Sónia Cunha

A obra de Carolina Maria de Jesus, importante escritora brasileira, mostra uma forte denúncia social e relata a luta para a sobrevivência no país.

Carolina, com seu estilo de escrita espontâneo e honesto, descreveu a difícil vida de uma mulher negra, solteira, mãe de três filhos e pobre que vivia na favela do Canindé, na década de 50, em São Paulo.

A escritora negra que ganhou destaque no Brasil foi Clarice Lispector. Ela tornou-se famosa nos anos 60 com o lançamento de Quarto de despejo: diário de uma favelada, que foi traduzido para 14 línguas e alcançou aclamação internacional.

Vida de Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus nasceu no dia 14 de março de 1914, na cidade de Sacramento, Minas Gerais. Seus avós eram ex-escravos e sua mãe era uma mulher humilde e mãe de sete filhos.

Graças a Maria Leite Monteiro de Barros, patroa de sua mãe, Carolina frequentou a Escola Alan Kardec por dois anos, tempo suficiente para aprender a ler e se apaixonar por livros.

Em 1924, procurando melhorar a qualidade de vida da família, eles se mudaram para Lageado (MG). Ali trabalharam na roça, mas em 1927 já voltaram para Sacramento.

carolina maria de jesus

No final dos anos 40, Carolina mudou-se para São Paulo e começou a residir na favela do Canindé. Neste período, a cidade estava passando por um processo de modernização, havendo o surgimento das primeiras favelas.

Carolina, mãe solteira, mantinha seus três filhos, João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima, com as poucas rendas que obtinha da venda de materiais recicláveis que ela mesma catava nas ruas da cidade.

Com sua curiosidade e inteligência, ela usufruía de todos os livros que lhe eram disponibilizados. Por isso, começou a escrever em seu diário sobre suas experiências, desejos, dificuldades e reflexões sobre a vida em uma comunidade de pobres.

No meio dos anos 50, Audálio Dantas teve oportunidade de conhecer Carolina quando foi escalado para criar uma reportagem sobre Canindé. Ao encontrá-la, ficou interessado em sua história e ela lhe mostrou seu diário.

A publicação do Quarto de despejo: diário de uma favelada marcou o início da parceria que lhe rendeu imenso sucesso no Brasil e no exterior. Com isso, a escritora teve a oportunidade de mudar-se da favela. Posteriormente, lançou outros livros e um álbum musical em 1961, contendo composições de sua autoria.

Carolina conseguiu sair da pobreza, mas infelizmente não foi capaz de sustentar a estabilidade financeira durante a vida inteira. Acabou voltando a enfrentar dificuldades financeiras.

Infelizmente, no 13 de fevereiro de 1977, aos 62 anos, a escritora faleceu devido a uma insuficiência respiratória, enquanto residia em um sítio na periferia de São Paulo. Nessa época, ela já havia sido esquecida pelo público e pela mídia.

Descendentes de Carolina de Jesus

Carolina foi mãe de três filhos. João José de Jesus nasceu em 1948, José Carlos veio dois anos depois, em 1950, e Vera Eunice em 1953.

Carolina teve que criar todos os seus filhos sozinha, pois nenhum dos homens com quem teve relacionamentos assumiu a paternidade.

Vera Eunice, a filha de Maria, se formou professora e conta em um vídeo sobre a vida e o caráter de sua mãe.

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Obras de Carolina Maria de Jesus

Carolina deixou pouca produção durante sua vida, no entanto, após sua morte alguns de seus trabalhos foram publicados. Diversos textos foram reunidos para formar essas obras lançadas. Veja a seguir quais são as principais publicações da autora.

livros de Carolina Maria de Jesus

Publicação de Livros na Vida Ativa

O primeiro livro de Carolina foi fundamental para que ela pudesse se tornar conhecida. Através dele, ela contou ao mundo a realidade de sua vida como favelada, mãe solteira, negra e catadora de papel, uma realidade que é comum entre muita gente no Brasil.

Reescrita: O livro Quarto de Despejo representou um marco na vida da autora, assim como foi um marco para a literatura brasileira, pois foi o primeiro livro a dar voz para aqueles que vivem à margem da sociedade.

Carolina Maria lançou seu segundo livro, Casa de Alvenaria, que narra como ela conseguiu inserir-se em uma classe social diferente depois do grande sucesso de Quarto de Despejo. Ela expressa alegria e orgulho por ter finalmente adquirido sua casa de tijolos, mas também revela a tristeza pela discriminação que sofreu.

Carolina relatou suas conversas com figuras políticas e intelectuais. Infelizmente, o livro não foi tão bem recebido pelo público, tendo vendido poucas cópias e apenas uma edição.

O romance "Pedaços de Fome" apresenta uma narrativa ficcional que conta a história de uma jovem de boa condição econômica, cujo pai é um coronel. Ela se apaixona por um homem que lhe faz promessas de uma vida melhor, mas que na verdade é um estelionatário.

A protagonista se une em matrimônio a um homem e tem de mudar-se para um cortiço. Vivencia grandes dificuldades financeiras, contudo, é auxiliada por mulheres negras e de humildes condições sociais, construindo com elas uma conexão de amizade.

Embora não tenha tido uma grande repercussão, este romance tem uma estrutura sólida e traz uma trama realmente bem amarrada. Com a história, é possível observar o mundo a partir da perspectiva de outra pessoa.

Carolina mostra em seu livro uma seleção de pensamentos. Ela acredita que, publicando-os, estará contribuindo para uma maior reflexão na sociedade.

Provérbios não se tornou tão visível quanto os dois anteriores.

Obras Póstumas

Ao ser publicado, Diário de Bitita marcou a despedida de Carolina Maria, já que ela já havia falecido. Essa obra reúne escritos autobiográficos presentes nos vários diários da autora.

Neste livro, são contadas memórias que abrangem desde a infância até a juventude. A trajetória de vida é narrada por meio de escritos pessoais, que permitem ter uma visão clara acerca dos problemas sociais comuns, tais como o racismo, a exploração e a opressão.

Neste compilado, José Carlos Sebe Bom Meihy publica os escritos poéticos de Carolina. A obra reúne poemas de autoria da autora.

Destaca-se que Carolina enxergava em si própria a faceta de poetisa. Quando conheceu o jornalista Audálio Dantas, a autora lhe mostrou sua produção poética e diversos escritos, porém foi sua obra diarística que mais chamou a atenção do jornalista.

Muitos anos após sua morte, os poemas de Carolina foram publicados na Antologia Pessoal.

Quarto de Despejo - Álbum Musical

Em 1961, a autora publicou seu primeiro livro, que também foi lançado pela gravadora RCA Victor como um álbum musical intitulado Quarto de despejo.

Em seu novo álbum, ela apresenta suas composições com o apoio do maestro Francisco Moraes e a direção de Julio Nagib. Aproveite para ouvir o disco inteiro!

Carolina Maria de Jesus: Uma Seleção de Poemas

Confira abaixo alguns poemas importantes de Carolina Maria de Jesus presentes em seus livros:

Meu poema não tem título Porque não quero que meus sentimentos sejam rotulados Eles falam por si mesmos E são mais profundos que qualquer nome Sem título, meu poema não tem etiqueta Expresso meus sentimentos sem limitação Eles são mais profundos que qualquer nome E me dizem mais do que qualquer palavra.

Não digam que fui rebotalho,

que vivi à margem da vida.

Digam que eu procurava trabalho,

mas fui sempre preterida.

Digam ao povo brasileiro

que meu sonho era ser escritora,

mas eu não tinha dinheiro

para pagar uma editora.

Publicado em Quarto de despejo (1960)

No poema de Carolina, ela expressa seu desejo de escrever e ser reconhecida. O tom preocupado é provocado pelas adversidades que ela enfrentou em seu status social e dos estigmas impostos a ela.

Ela deseja uma vida digna, mas é impedida materialmente de alcançar esse objetivo.

Muitos se afastavam quando me viam... Deixando-me sozinho, só, abandonado. Sem ninguém para me consolar e me guiar. Mas eu continuava tentando encontrar um lugar para me chamar de lar.

Muitas fugiam ao me ver

Pensando que eu não percebia

Outras pediam pra ler

Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava

Para custear o meu viver

E no lixo eu encontrava livros para ler

Quantas coisas eu quis fazer

Fui tolhida pelo preconceito

Se eu extinguir quero renascer

Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!

E deixo esses versos ao meu país

Se é que temos o direito de renascer

Quero um lugar, onde o preto é feliz.

Publicado em Antologia pessoal (1996). Editora UFRJ

Carolina Maria tinha plena consciência de sua posição social e etnia, bem ciente (e infelizmente) das limitações impostas por esses fatores.

No poema, a denúncia ao racismo é clara e vem do ponto de vista pessoal da autora. Ela sonha com um mundo em que houvesse uma verdadeira igualdade entre negros e brancos.

Um poema de despejo é um poema escrito para expressar sentimentos de angústia, desespero e tristeza resultantes de uma situação difícil ou desagradável. Um poema de despejo pode ajudar a aliviar o estresse emocional e a apreciar as emoções profundas associadas à dificuldade. Um poema de despejo é uma forma de expressão artística utilizada para processar sentimentos de tristeza, desalento e ansiedade que resultam de uma situação difícil ou desagradável. Estes poemas podem ser usados ​​para entender e expressar as emoções profundas associadas à adversidade, bem como para aliviar o estresse emocional acumulado.

Quando infiltrei na literatura

Sonhava so com a ventura

Minhalma estava chêia de hianto

Eu não previa o pranto. Ao publicar o Quarto de Despejo

Concretisava assim o meu desejo.

Que vida. Que alegria.

E agora… Casa de alvenaria.

Outro livro que vae circular

As tristêsas vão duplicar.

Os que pedem para eu auxiliar

A concretisar os teus desejos

Penso: eu devia publicar…

– o ‘Quarto de Despejo’.

No início vêio adimiração

O meu nome circulou a Nação.

Surgiu uma escritora favelada.

Chama: Carolina Maria de Jesus.

E as obras que ela produz

Deixou a humanidade habismada

No início eu fiquei confusa.

Parece que estava oclusa

Num estôjo de marfim.

Eu era solicitada

Era bajulada.

Como um querubim.

Depôis começaram a me invejar.

Dizia: você, deve dar

Os teus bens, para um assilo

Os que assim me falava

Não pensava.

Nos meus filhos.

As damas da alta sociedade.

Dizia: praticae a caridade.

Doando aos pobres agasalhos.

Mas o dinheiro da alta sociedade

Não é destinado a caridade

É para os prados, e os baralhos

E assim, eu fui desiludindo

O meu ideal regridindo

Igual um côrpo envelhecendo.

Fui enrrugando, enrrugando…

Petalas de rosa, murchando, murchando

E… estou morrendo!

Na campa silente e fria

Hei de repousar um dia…

Não levo nenhuma ilusão

Porque a escritora favelada

Foi rosa despetalada.

Quantos espinhos em meu coração.

Dizem que sou ambiciosa

Que não sou caridosa.

Incluiram-me entre os usurários

Porque não critica os industriaes

Que tratam como animaes.

– Os operários…

Publicado em Meu estranho diário (1996). Editora Xamã

Carolina apresenta, neste poema, um balanço de sua vida, mantendo a grafia original.

Recordando seu caminho para o sucesso, ela conta o momento em que publicou Quarto de despejo, revelando a alegria que sentiu. No entanto, a crítica que recebeu pela sua ambição foi dura e ela foi julgada pela sociedade.

A autora encerra sua obra poética com uma crítica contundente, questionando o motivo de não haver exigência de conduta ética e tratamento digno para a classe trabalhadora por parte da elite.

Fatos Interessantes sobre Carolina Maria de Jesus

  • O livro A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, teve um grande impacto na vida de Carolina. O documentário Favela: a vida na pobreza, narrando sua história, foi exibido na Alemanha, mas censurado no Brasil durante a ditadura militar. A Biblioteca do Museu Afro Brasil, no Parque Ibirapuera em São Paulo, foi intitulada em homenagem à ela, contendo cerca de 11 mil publicações sobre o tema negra e africana. Antes de ser notada por Audálio Dantas, ela já havia buscado meios para mostrar sua produção literária, tendo publicado alguns poemas na revista O cruzeiro.
Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.