Análise da Música e do Vídeo "This is America" de Childish Gambino


Escrito por Sónia Cunha

Em maio de 2018, o rapper norte-americano Childish Gambino lançou a música "This is America". Os versos incluídos na canção são um forte protesto contra o racismo, abordando a situação dos afro-americanos nos Estados Unidos. Esta canção tem se tornado um hino contemporâneo da luta antirracismo.

Dirigido pelo japonês Hiro Murai, o vídeo causou uma enorme polêmica internacional, alcançando 85 milhões de visualizações em uma semana. Apesar de parecer estranho a princípio, a obra conta diferentes formas de discriminação racial reportadas na história do Japão.

Análise da Música e Vídeo 'This is America' de Childish Gambino

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Interpretação e Tradução da Letra

Ao lançar "This is America", Childish Gambino apresentou uma reflexão perspicaz e instigante sobre a vida e o tratamento que os afro-americanos recebem nos Estados Unidos.

Frequentemente reduzidos a estereótipos de violência ou de mero entretenimento (música, dança) pela sociedade branca, a opressão e a discriminação racial sofridas pelos negros são ignoradas e colocadas em segundo plano.

No vídeo dirigido por Hiro Murai, a questão é explorada ainda mais a fundo. Os primeiros versos do cantor refletem a visão restrita e preconceituosa que ainda existe sobre os negros norte-americanos. Ainda que a letra em si também estimule essas reflexões.

Introdução ao Verso Inicial

Nós apenas queremos festa

Festa só para você

Nós apenas queremos dinheiro

Dinheiro só para você

Gambino critica duramente a cultura norte-americana e o ritmo do rap. Ele expõe e ridiculariza a representação de jovens negros vazios e desinteressados de tudo que é projetado através das músicas e cultura pop. As músicas produzidas por artistas negros de sucesso, geralmente, conseguem conquistar a primeira colocação nos tops, exatamente por abastecerem a imagem estereotipada que entretém e divertem a cultura branca.

Música de Refrão

Esta é a América

Não seja pego escorregando

Olhe o que eu estou fazendo

O refrão dá a entender que o sistema norte-americano trata os indivíduos negros apenas como algo exótico ou divertido, e não reconhece as experiências dolorosas de discriminação a que estes têm sido submetidos ao longo dos séculos.

Childish alerta que, apesar dos direitos iguais, um homem negro não tem o direito a vacilar na sociedade marcada por racismo. Ele precisa estar sempre atento pois não pode "escorregar".

Estrofe 2

Sim, esta é a América

Armas na minha área

Eu peguei na bandoleira

Eu tenho que carregá-la

Sim, sim, vou entrar nisso

Sim, sim, isso é guerrilha

Nesta estrofe, o poeta Gambino emprega o discurso típico do rap norte-americano para retratar a realidade de um sujeito negro que tem de lidar com a perseguição policial e com os conflitos que se desenrolam nas ruas.

Ao abordar a violência das circunstâncias sociais de onde são originadas estas narrativas, a realidade é descrita como uma guerra onde a necessidade de usar armas para defender-se e perseverar é um fato.

Pré-Verso

Vá dizer a alguém

Vovó me disse

Pegue seu dinheiro, homem negro

Ao longo da vida, o sujeito absorveu o ensinamento: "pegue seu dinheiro, homem negro". Esta lição tem sido passada de geração em geração na sociedade americana. Por conseguinte, ele percebe que para alcançar a tranquilidade e o respeito, um indivíduo negro deve atingir a estabilidade financeira e o sucesso.

Nos Estados Unidos, infelizmente, ainda existe a percepção de que um negro só será tratado como cidadão digno de direitos se tiver poder econômico.

Estrofe Três

Estou tão preparado

Estou de Gucci

Estou tão bonito

Eu vou conseguir

Veja como me mexo

O sujeito costuma ostentar elementos como roupas de grife, um celular de última geração e um carro importado como forma de demonstrar o seu sucesso financeiro.

Não desejando mais se demonstrar através do exibicionismo de suas realizações, ele mostra ao mundo branco que alcançou seus objetivos propostos, mas não deseja parar por aí.

Estrofe Quarta

América, eu chequei minha lista de seguidores e

Vá dizer a alguém

Vocês estão me devendo, filhos da puta

Vovó me disse

Pegue seu dinheiro, homem negro

Nos versos anteriores, o sujeito já se mostrou insatisfeito com dinheiro e fama. A quarta estrofe, então, o vê voltando-se para o seu próprio país e declarando o seu sucesso. Ao mesmo tempo, dá a entender que sua terra ainda deve algo a ele e ao seu povo.

Estrofe Quinta

Você é apenas um homem negro neste mundo

Você é apenas um código de barras

Você é apenas um homem negro neste mundo

Dirigindo carros de luxo importados

Você é apenas um cão grande, sim

Eu prendi ele no quintal

Não, provavelmente, não é vida para um cachorro

Para um cachorro grande

No último verso, Childish Gambino assume a voz de uma sociedade dominada por conservadores, preconceituosos e responsáveis por séculos de escravidão e opressão racial. Ele se dirige ao público, a todas as pessoas negras, deixando claro o que o mundo sempre lhe mandou deixar: "você é só um homem preto neste mundo".

A cultura americana frequentemente incentiva uma perspectiva limitada, focada em obter e gastar, consumir e alimentar o capitalismo. Isso é ilustrado através de um "código de barras" que incentiva a visão de que o único propósito da vida é possuir um carro importado ou ostentar riqueza, como se fosse a única forma de validação.

No entanto, os últimos versos revelam que, apesar dos avanços financeiros que um indivíduo negro pode alcançar na América, a sociedade racista ainda desvaloriza sua existência. Mesmo que se torne um "cachorro grande", ainda será visto como inferior.

Assim, é comparado os negros à cachorros presos no quintal, destacando que eles merecem mais do que a fetichização da cultura branca, e é necessário lutar por um futuro melhor.

Investigando o Vídeo: Uma Abordagem Explicativa

O vídeo intitulado This is America, ao se referir à mensagem da música, traz à tona a discriminação racial nos Estados Unidos de uma forma sutil. Com uma aparência aparentemente descomplicada, o conteúdo guarda uma série de simbolismos escondidos que o espectador deve interpretar.

O caráter enigmático de Childish Gambino despertou a atenção e o entusiasmo do público internacional, que busca compreender ainda mais a mensagem transmitida por ele.

Tio Ruckus: Os Boondocks

No início do vídeo, Gambino chama a atenção do público devido à sua postura e expressão; esse detalhe é uma referência a Uncle Ruckus, personagem de The Boondocks. Seu olhar "esbugalhado" é a característica mais marcante desta figura.

video this is america

Ruckus, o vilão central da história, é um idoso negro que repudia a sua própria cultura. Ele se recusa a aceitar a sua identidade, alegando que tem uma condição que modificou a pigmentação de sua pele.

uncle ruckus

Gambino usa uma imagem para satirizar os negros que assumem preconceitos raciais e se desconectam de sua herança cultural. Eles buscam aprovação de uma cultura branca que os subestima e não valoriza.

Personagem Racista de Vaudeville: Jim Crow

Uma cena altamente icônica e que tem gerado debates é aquela em que Gambino atira em um homem encapuzado. Nesse momento, a música muda de um ritmo africano para uma batida de trap, marcada por uma violência excessiva e característica do estilo musical contemporâneo.

video this is america

O ato do rapper, no momento do disparo, é uma referência à personagem Jim Crow, criada por Thomas D. Rice em 1832. Esta figura de vaudeville, com cara pintada de preto (blackface), servia para ridicularizar os negros e representar os preconceitos da época.

O personagem Jim Crow desempenhou um papel tão importante que acabou por se tornar uma referência pejorativa ao homem negro. Estas referências também dão nome a conjunto de leis estaduais aprovadas entre 1876 e 1965, as conhecidas Leis de Jim Crow, que institucionalizaram a segregação racial.

Jim Crow, 1832

Ao reproduzir as posturas corporais ridículas com que Jim Crow era retratado, torna-se evidente que essas cenas, que parecem glorificar a violência, na verdade o desrespeitam. Nesse contexto, às representações dos indivíduos negros são reduzidas a um estereótipo ofensivo.

A imagem do homem negro perigoso e violento é usada como forma de perpetuar o preconceito racial e discriminar os negros norte-americanos.

Tragédia de Charleston

O rapper faz referência ao trágico ocorrido em Charleston em 2015, quando nove jovens afrodescendentes foram mortos na Igreja Episcopal por Dylann Roof. Esse crime de ódio chocou o país, revelando a ignorância e o profundo preconceito racial ainda existente.

coro this is america

Antes de falecer, o coro soltou um grito profético de "Oh, ele vai disparar em alguém", destacando o perigo permanente infligido sobre os homens negros que são acolhidos por um ambiente de desconfiança.

Morte de Stephon Clark

Ao traçar um itinerário pelas várias formas de agressão e discriminação racial presentes na História dos Estados Unidos, Gambino demonstra preocupação com eventos recentes. Ele se mantém atento ao que ocorre em seu entorno.

Enquanto vários atos de violência se desenrolam ao fundo, os jovens os registram com seus celulares. A letra da música salienta que "isso é um celular, não uma ferramenta", lembrando do incidente envolvendo Stephon Clark.

this is america celulares

Em março de 2018, um trágico caso chamou a atenção do público para as discriminações raciais que continuam implícitas na lei. O caso envolveu um jovem negro de 22 anos que foi cobrado pela vida pela polícia devido ao fato deles terem confundido seu celular com uma arma. Este é um dos muitos casos em que o preconceito racial influencia o tratamento dispensado pela lei, assumindo que um homem negro é imediatamente culpado por qualquer crime.

O Cavaleiro do Apocalipse e o Cavalo Branco

A referência ao homem montado no cavalo branco está relacionada ao texto bíblico, onde o cavaleiro do Apocalipse é visto como um símbolo da morte e da vitória conquistada pela força.

this is america cavalo branco

Assim, Gambino incita a revolução e o fim de tudo o que existe de discriminatório. Ele incentiva seus irmãos a lutarem contra as antigas concepções e anuncia a chegada de uma nova era.

This is America

A mensagem de This is America ultrapassa a música e o vídeo, conforme diversas análises têm sugerido. O público também contribui para a narrativa, pois é através de sua interpretação e reação que o que Gambino quis transmitir é adequadamente respondido.

Muitas vezes, o significado não é perceptível de imediato. É preciso prestar atenção nos pequenos detalhes, nas pistas escondidas na segunda intenção. Enquanto a plateia se deleita com os bailarinos, o ritmo e a alegria, é comum que os elementos discretos sejam negligenciados. No entanto, há uma infinidade de detalhes que se desdobram simultaneamente.

this is america coreografia

A mídia tem a tendência de reduzir a cultura negra a entretenimento e diversão, mas isso esconde e minimiza de forma perversa todos os tipos de violência que a comunidade afro-americana enfrenta nos Estados Unidos.

A mensagem que fica é que a mídia nos distrai de nossas prioridades e nos impede de nos concentrar naquilo que realmente importa. Apesar disso, a mesma sociedade que consome em larga escala os produtos culturais afro-americanos, continua ignorando e perpetuando a discriminação racial.

Gambino quer mudar os ensinamentos de segregação que a sociedade branca lhe impôs. Com This is America, ele rejeita o racismo mascarado de louvor, o preconceito escondido na admiração e a discriminação que, de uma forma ou de outra, ainda é praticada em seu país.

Música Original da Letra

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah

Yeah, yeah, yeah, go, go away

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah

Yeah, yeah, yeah, go, go away

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah

Yeah, yeah, yeah, go, go away

Yeah, yeah, yeah, yeah, yeah

Yeah, yeah, yeah, go, go away

We just wanna party

Party just for you

We just want the money

Money just for you

I know you wanna party

Party just for me

Girl, you got me dancin' (yeah, girl, you got me dancin')

Dance and shake the frame

We just wanna party (yeah)

Party just for you (yeah)

We just want the money (yeah)

Money just for you (you)

I know you wanna party (yeah)

Party just for me (yeah)

Girl, you got me dancin' (yeah, girl, you got me dancin')

Dance and shake the frame (you)

This is America

Don't catch you slippin' up

Don't catch you slippin' up

Look what I'm whippin' up

This is America (woo)

Don't catch you slippin' up

Don't catch you slippin' up

Look what I'm whippin' up

This is America (skrrt, skrrt, woo)

Don't catch you slippin' up (ayy)

Look at how I'm livin' now

Police be trippin' now (woo)

Yeah, this is America (woo, ayy)

Guns in my area (word, my area)

I got the strap (ayy, ayy)

I gotta carry 'em

Yeah, yeah, I'ma go into this (ugh)

Yeah, yeah, this is guerilla (woo)

Yeah, yeah, I'ma go get the bag

Yeah, yeah, or I'ma get the pad

Yeah, yeah, I'm so cold like yeah (yeah)

I'm so dope like yeah (woo)

We gon' blow like yeah (straight up, uh)

Ooh-ooh-ooh-ooh-ooh, tell somebody

You go tell somebody

Grandma told me

Get your money, Black man (get your money)

Get your money, Black man (get your money)

Get your money, Black man (get your, Black man)

Get your money, Black man (get your, Black man)

Black man

This is America (woo, ayy)

Don't catch you slippin' up (woo, woo, don't catch you slippin', now)

Don't catch you slippin' up (ayy, woah)

Look what I'm whippin' up (Slime!)

This is America (yeah, yeah)

Don't catch you slippin' up (woah, ayy)

Don't catch you slippin' up (ayy, woo)

Look what I'm whippin' up (ayy)

Look how I'm geekin' out (hey)

I'm so fitted (I'm so fitted, woo)

I'm on Gucci (I'm on Gucci)

I'm so pretty (yeah, yeah)

I'm gon' get it (ayy, I'm gon' get it)

Watch me move (blaow)

This a celly (ha)

That's a tool (yeah)

On my Kodak (woo, Black)

Ooh, know that (yeah, know that, hold on)

Get it (get it, get it)

Ooh, work it (21)

Hunnid bands, hunnid bands, hunnid bands (hunnid bands)

Contraband, contraband, contraband (contraband)

I got the plug in Oaxaca (woah)

They gonna find you like blocka (blaow)

Ooh-ooh-ooh-ooh-ooh, tell somebody

America, I just checked my following list and

You go tell somebody

You mothafuckas owe me

Grandma told me

Get your money, Black man (black man)

Get your money, Black man (black man)

Get your money, Black man (get your, Black man)

Get your money, Black man (get your, Black man)

Black man

(One, two, three, get down)

Ooh-ooh-ooh-ooh-ooh, tell somebody

You go tell somebody

Grandma told me, "Get your money"

Get your money, Black man (Black man)

Get your money, Black man (Black man)

Get your money, Black man (Black man)

Get your money, Black man (Black man)

Black man

You just a Black man in this world

You just a barcode, ayy

You just a Black man in this world

Drivin' expensive foreigns, ayy

You just a big dawg, yeah

I kenneled him in the backyard

No probably ain't life to a dog

For a big dog

Sónia Cunha
Escrito por Sónia Cunha

É licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003) e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006). Ao longo da carreira profissional, exerceu vários cargos em diferentes áreas, como técnico superior de Conservação e Restauro, assistente a tempo parcial na UPT e professora de História do 3º ciclo e ensino secundário. A arte e as letras sempre foram a sua grande paixão.